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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Vive-se uma só Vez
Direção: Fritz Lang
You Live Only Once, EUA, 1937.

(Contém spoilers)

Com a ascensão de Hitler e sua trupe ao poder alemão em 1933, qualquer pessoa que tivesse o judaísmo em sua linhagem estava ameaçado. Pessoas ligadas à indústria cultural fugiram do país, temendo serem perseguidos. Estranhamente, o cineasta Fritz Lang foi convidada a ser o encarregado da indústria fílmica alemã no governo nazista, assim como sua então esposa Thea Von Harbou – também roteirista de seus filmes. Estranho, pois, mesmo sendo um importantíssimo cineasta da república de Weimar e do chamado cinema expressionista, Lang era um católico filho de uma judia convertida ao Catolicismo. Lang recusou e saiu do país, com medo de que a sua parte judaica fosse usada contra ele. Diz a lenda de que ao ser convidado por Goebbels para o cargo, Lang teria explicado sua descendência e Goebbels teria replicado que era o Partido Nazista que decidia quem era judeu.

Deixou para trás a Alemanha e boa parte de seus filmes de grande sucesso mundial, como Metrópolis, M, Dr. Mabuse e Os Nibelungos. Após uma curta temporada na França, Lang foi para Hollywood, onde assinaria com a MGM – fase mais comercial, geralmente mal afamada e considerada bem inferior aos seus filmes alemães.

Vive-se só uma Vez é o segundo filme do diretor austro-húngaro nos EUA. Nele narra a vida de um ex-presidiário, que é acusado de roubo, e de sua esposa, que o segue fielmente, aconteça o que acontecer.

Por mais que esteja adaptado à forma de produção hollywoodiana – realizando, de vez em quando, planos assustadoramente belos que preconizam o que será radicalizado por Orson Welles -, Lang está mais militante que nunca em seus filmes americanos. Em Vive-se uma só Vez, vemos um sujeito que já foi preso três vezes, com dois motivos para não voltar para o crime: sua quarta prisão resulta, na melhor das hipóteses, em prisão perpétua, e sua namorada, que por ele faz tudo. Mas ao sair do cárcere percebe que em tempos ruins, de Depressão, os ex-condenados são ainda mais marginalizados. Um tanto lógico: quase não há emprego, e vamos contratar um marginal ao invés de um honesto pai de família? Sua esposa conta com o dinheiro para quitar a casa que compraram, e um bebê vem por aí. Seria muito fácil simplesmente voltar ao mundo do crime – mas isso decepcionaria a todos, inclusive ele mesmo.

Nesse confronto psicológico, há um assalto ao banco e ele é o principal suspeito, mesmo que jure inocência, seu chapéu está na cena do crime. A principal jogada de Lang está aqui – o seu não julgamento do evento. Em nenhum momento sabemos de fato quem é o assaltante – algo que só será descoberto no final -, temos evidências e o passado de Eddie Taylor contra ele, e sua veemência a seu favor. A câmera passeia mostrando-o como um mero acusado – e que muitas vezes acaba depondo contra ele: ele tem de tudo para ser culpado.

Sua esposa é a voz da razão. Fala para ele encarar tudo aquilo – e sente-se culpada quando é condenado à cadeira elétrica. Fritz Lang passa então a destilar sua visão sobre a sociedade americana e a pena de morte: condenado à morte, mesmo jurando ser inocente. Tenta, a todo custo, fugir. Quando consegue uma arma e vê sua libertação (da morte), dizem que ele é inocente. Sim, é inocente, descobriram quem assaltou o carro forte. Mas você vai dizer isso a um homem a alguns momentos de morrer, tentando salvar sua vida com um refém? Lang mostra como a cabeça de um homem pode ficar confusa, perder a razão e como se torna puro instinto – Taylor não acredita no que lhe dizem, é claro, aquilo poderia ser um embuste. E nisso, surge a tragédia: um assassinato. Agora é procurado e sabe que é culpado.

Um tanto quanto moralista na sua análise corsária, Lang diz: a pena de morte pode levar homens inocentes à loucura – e quem merece perdão nisso tudo?




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