html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Tempos Modernos

Por Filipe Chamy

Tempos modernos
Direção: Charles Chaplin
Modern Times, EUA, 1936.

Apesar de Charles Chaplin haver já conseguido imensa popularidade com seus curtas, eles são pálido esboço de sua potência e talento como gênio por trás de longas-metragens perfeitos em cada quadro. Tempos modernos é seu ápice técnico e o primeiro filme em que demonstra mais consistentemente sua visão social — erradamente taxada de socialista, por ignorantes de esquerda e de direita.

O diretor biparte a estrutura fílmica (algo que seria mais radical narrativamente em seu próximo trabalho O grande ditador, em que polariza os arquétipos do protagonista e respectivo antagonista, opostos apenas por trajes diferentes), separando inicialmente a história em dois enfoques que terminam por se cruzar: o da moça pobre e injustiçada pela vida (Paulette Goddard, então companheira do diretor) e o do vagabundo que faz de cada segundo vivido a simples razão de viver o próximo (papel sempre representado com maestria pelo próprio cineasta, quase unanimemente reconhecido como ator).

Indefinido entre o som e sua ausência, Chaplin, mestre de imagens, faz de Tempos modernos uma sinfonia visual cujo ritmo é sereno e evocativo, a exemplo da música entoada na única seqüência em que ouvimos a voz de Carlitos. A trilha musical, muito lembrada por sua climática Smile, também é cria do intérprete do vagabundo.

Tempos modernos é o mais famoso e apreciado filme de Charles Chaplin, não apenas por ser uma eficiente caricatura da mecanização advinda da Revolução Industrial — e suas decorrências, como desemprego, alienação, jornadas abusivas de trabalho nas fábricas, condições miseráveis de trabalho etc., ocasionando uma das obras campeãs de reprise em salas de aula e cursos de História contemporânea —, mas por ser um verdadeiro clássico, não aquele filme antigo que comodamente recebeu essa classificação apenas por ser de eras atrás, mas uma preciosidade em cinema, capaz de impressionar e influenciar mentes, pessoas, criatividades e sensibilidades as mais incompatíveis possível, pois, como toda boa obra de arte, abre-se a infindáveis e apaixonantes interpretações, de cínica pintura do proletariado feita por um homem milionário a um desiludido comentário despido de falsas ilusões a respeito de um futuro benéfico.

Seja como for, também em Tempos modernos há a quintessência do Chaplin cômico, Chaplin quase sempre predominantemente dramático em sua carreira importante. O mais rigidamente orquestrado de seus filmes (mais até que Luzes da cidade), ritmo bem ajustado, lágrimas e risos proporcionais, rédeas seguras para o espectador jamais se enfadar; em filmes posteriores, Chaplin, mais agressivo, perdeu boa parte de seu público.

As máquinas mudaram (e muito), o comunismo hoje não é visto do mesmo jeito (ou é?), a situação carcerária também passou por alterações. Mas nada disso desatualiza o filme, ou torna fraca sua linguagem, pois é um filme de sentimentos (não à toa, Jean Renoir, francês dos mais passionais, “releiturou” o final de Tempos modernos em seu belo Les bas-fonds), amor, amizade, afeto, esperança, força de vontade, virtudes que estão hoje mais escassas do que alimento na mesa da esforçada órfã do filme.

É Tempos modernos um filme de denúncia? Uma obra panfletarista? Uma ode ao socialismo, pelo menos aquele teórico, o “puro”, dos livros célebres? Tanto faz, encaixar uma obra deste quilate em qualquer rótulo não apenas a diminui como comprova falta de ânimo para enxergar mais que o aparente. Seja qual discurso for, qual corrente e teoria seguida, veja-se o filme pelo que ele é, um filme. E isso não é desprezá-lo, mas apreciar a obra de Chaplin como ele originalmente a concebeu, com toda a beleza e o brilhantismo que isso implica.




<< Capa