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À Meia Luz

Por Filipe Chamy

À meia luz
Direção: George Cukor
Gaslight, EUA, 1944.

(Contém spoilers)

À meia luz prova muitas coisas, como, antes de mais nada, o talento de seus responsáveis — notadamente o diretor George Cukor e os atores sob sua batuta, sendo o cineasta um grande regente de elenco. Prova também que há homens que acham jóias mais úteis que mulheres, que a decoração de uma casa pode acelerar um processo de loucura (ou se tornar parte dele), que sempre há alguém disposto a esclarecer algo que não é lá muito de sua conta, que sempre vai haver uma comadre fofoqueira por perto (mesmo que ela não entenda nada do que se passe e não tenha importância alguma), que devemos escolher bem nossos cônjuges — o que não era lá muito comum nos filmes da época —, que um grito contido é mais assustador que um berro alto, que a maldade pode estar nas coisas insuspeitáveis, pequenas torturas.

É muito simples: um sujeito assassina uma rica madame para conseguir suas jóias, só que não as encontra. Então casa-se com a sobrinha da mulher — e sendo a sobrinha ninguém menos que Ingrid Bergman (em atuação exemplarmente intensa), o vilão une o útil ao agradável — e muda-se com ela para a casa da finada ricaça, tendo todo o tempo (e disposição) para procurar seus brinquedinhos caros. Para a esposa não desconfiar de nada, ele executa disfarçadas e cruéis ações — e encenações — para que Paula, a ingênua, acredite estar ficando louca, dando a ele uma bela desculpa para se livrar dela, internando-a num manicômio. O plano vai muito bem até que um detetive curioso entra na história e resolve desvendar o mistério da morte da senhora; no decorrer das investigações, liga uma coisa a outra e vê que Gregory, o marido da moça, matou a tia da própria esposa, e que a frágil Paula corre risco de vida (ou de morte, claro). Então ele alerta a mulher, que sempre ficava ressabiada porque a luz do seu quarto diminuía — é um filme de época, entenda-se — sem motivo aparente. O detetive Cameron esclarece: era o marido dela, no sótão, procurando as jóias da falecida. Quando ele acendia a luz de lá, por conta da estruturação da iluminação a gás, a luz no quarto de Paula diminuía. O que contribuía para sua loucura: ora, ninguém via luz alguma diminuir; e Gregory sempre inventava uma desculpa qualquer para evadir-se do lar — a esposa nunca desconfiaria que ele saía e entrava por um lado secreto da mesma casa. Tudo resolvido, o marido vai preso, não sem antes Paula declamar um belo e vingativo monólogo para o canalha, lavando sua alma de todas as humilhações sofridas. Dá-se a entender que a jovem iniciará um romance com o detetive. Fim de tudo.

É um roteiro simples, muitíssimo bem estruturado e conduzido. A melhor cena do filme, riquíssima de subtextos inteligentes, é quando Paula diz que vai à festa de uma socialite. Gregory diz que não, que já mandou avisarem que a mulher está indisposta — uma de suas desculpas prediletas para os outros não conferirem o evidente estágio de tortura mental a que submetia sua esposa —; fala sem nem olhar para ela, com desprezo. A surpresa é quando a insegura moça responde: "Vou sozinha, então". E sai do cômodo. O marido ainda espera um pouco, pois sabe que ela é fraca para resistir por conta própria tanto tempo. Mas passam alguns segundos e ele percebe que ela não vai voltar. Faz uma expressão indizível (melhor atuação de Charles Boyer?) e chama Paula novamente. Disfarçando, diz que estava brincando. A jovem, mostrando que apenas foi um "ensaio de poder", respira aliviada quando o companheiro diz que vai com ela à festa. Foi um sopro de potência emanado da apática figura de Paula. Só no fim do filme ela realmente conseguiria enfrentar Gregory. Passagem brilhantemente dirigida, fotografada e interpretada; extrema competência cinematográfica. Um filme com pouca luz e muito brilho.




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