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Fragmentos Literários
Por Stefanie Gaspar
The Watsons e Sanditon, de Jane Austen

A obra da escritora britânica Jane Austen prima pela perfeição da escrita, pela ironia sutil e mordaz utilizada pelo narrador onisciente e pelo aparente conservadorismo de seus temas – que escondem, na verdade, um apreço por toda linguagem que não fosse composta por clichês e moralismos tacanhos. Se a obra de Austen parece, a primeira vista, restrita por lidar com narrativas que envolvem sempre a classe média e poucas famílias tradicionais inglesas, a partir de uma leitura mais minuciosa é possível detectar como seus escritos são bastante diferentes entre si e lidam com diversos temas - Orgulho e Preconceito fala do perigo de se acreditar nas primeiras impressões e propõe um balanço entre sabedoria e vivacidade; Mansfield Park apresenta uma heroína complexa e honesta que precisa suportar enfrentamento em todos os momentos de sua vida; Emma traz uma protagonista orgulhosa e atrevida cujo passatempo é planejar casamentos; Northanger Abbey traz uma sátira à literatura gótica e uma defesa do valor dos romances como literatura; Razão e Sensibilidade mostra o relacionamento entre duas irmãs de temperamentos opostos; e Lady Susan traz como protagonista a hilária e perigosíssima Lady Susan, que manipula com seu charme e habilidade todas as pessoas com as quais se envolve. Se essa pequena definição de seus principais romances (além de suas histórias escritas na juventude, que ironizam temas como amor, amizade e até mesmo alcoolismo) não é suficiente para mostrar a variedade de assuntos que Austen foi capaz de abordar em sua obra, talvez suas duas histórias inacabadas, Sanditon e The Watsons, consigam dissipar a dúvida. The Watsons é um fragmento escrito por Austen em sua juventude, que conta a história da bela mas pobre Emma Watson que, acostumada com uma vida de conforto e riqueza na casa da tia que a havia adotado, se vê obrigada a retornar a casa de seu pai após sua guardiã casar-se novamente. Ao contrário de todos os outros romances de Austen, The Watsons mostra uma heroína cujas origens beiram a pobreza total, e cujas esperanças de uma vida melhor estão vinculadas exclusivamente ao casamento. Também é um fragmento bastante austero - afinal, não havia muito humor em descrever a história de uma heroína honesta, inteligente e sensível, mas cuja situação beirava a indigência. Por motivos não conhecidos, Austen abandonou o fragmento, e nunca retomou-o novamente, embora tenha dito a sua irmã, Cassandra, como seria o final da história. Mesmo sendo uma história inacabada e mais "séria", The Watsons traz inúmeras características que permeiam suas obras futuras, como diálogos nos quais os personagens revelam seus preconceitos e idiotices por meio de frases aparentemente sem importância. Tudo, em Austen, está no discurso, nas falas aparentemente ingênuas e despreocupadas dos personagens.

Se The Watsons é um trabalho da juventude, Sanditon é a obra derradeira, que ficou incompleta devido a morte de Austen em 1817. Mesmo sofrendo da doença que acabaria por matá-la (os estudiosos especulam que seria síndrome de Addison), a autora foi capaz de escrever uma obra na qual satiriza os exageros da hipocondria, e encarna o mal das doenças imaginárias em um hilário trio de doentes profissionais, que professam estar fadados a morte mas são perfeitamente capazes de viajar, por exemplo. Além disso, Austen retoma a crítica que fez em Northanger Abbey sobre as novelas góticas, criando um vilão absolutamente delicioso, que tenta conquistar suas "vítimas" a partir de frases feitas e clichês de gosto duvidoso e pretende conquistar o coração da bela e desafortunada Clara, que vive de favor com sua tia rica. Além disso, Austen também satiriza a opinião estabelecida de que um resort perto do mar é capaz de curar qualquer moléstia - e Sanditon é uma cidade cuja economia depende das famílias que procuram locais de veraneio para descansar do agito da metrópole e das doenças que multiplicam-se em Londres.

Em The Watsons e Sanditon, Jane Austen escolhe temas inéditos para suas ironias inteligentes. Infelizmente, nenhuma das duas obras encontram-se em um estado que seja possível analisar algum aspecto específico das narrativas - o máximo que conseguimos é tentar adivinhar o desenvolvimento das histórias e lamentar que estes esboços não tenham se tornado obras completas. Mas ambos os fragmentos mostram, com riqueza de detalhes, que o trabalho de Jane Austen é muito mais do que, como ela mesmo ironicamente definia seus temas favoritos, "3 of 4 families in a Country Village (...) the little bit of Ivory on wich I work with so fine a Brush, as produces little efect after much labour".



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