html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net

Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Morituri
Direção: Bernhard Wicki
EUA, 1965.

Atualmente, a guerra é disseminada como algo negativo, pesaroso, pelo valor que a vida humana adquiriu com a revolução sanitária, entre outras benesses da ciência nos dois últimos séculos. Porém, a guerra já foi vista como algo mais do que necessário, deveras comum. A guerra tinha seu intuito. Com as duas grandes guerras do século XX, houve um contraponto entre o valor humano individual e coletivo, em especial na Segunda Guerra Mundial. O esforço de algumas pessoas era visto com bons olhos pela sociedade – já que a destruição em massa era para um bem maior. Não me parece à toa que os filmes comecem a aparecer em grande quantidade nos fim dos anos 30/começo dos 40 – pelo menos o que conheceríamos como filme de guerra. Hollywood soube como pouco explorar esse gênero emergente, que rende frutos até hoje.

Boa parte dos filmes de guerra é sobre a Segunda Grande Guerra (ou de ações derivadas dela). E, geralmente, são muito bons – seja na reconstrução, na energia e pulsão, no caos ou sentimento, e até na propaganda descarada de um ideal (na maioria das vezes, antibelicista). As produções do gênero foram bem altas nos anos 40, 50 e 60, e tornaram-se sazonais com a Guerra do Vietnã (1965-75), com respostas posteriores agressivas da indústria cinematográfica, que dura até os dias atuais.

Morituri, que no latim significa “aqueles à beira da morte”, vem de uma saudação dos gladiadores romanos ("Morituri te salutamus" – Nós, que estamos prestes a morrer, saudamos-te), e tem um emprego bem original à temática deste longa de 1965. Morituri, o filme, narra a história de um cargueiro alemão com 7 toneladas de borracha que deve percorrer o caminho Japão-França, sem sofrer danos. Os aliados, sabendo do plano nazista, chantageiam um alemão contrário à guerra que vive ilegalmente na índia britânica. A morte iminente sustenta todo o longa, saudando os tripulantes do barco.

Dentro dos percalços de uma situação delicada em que se deparam – o espião que deve sabotar o barco e o comandante alemão que não trai o país e não se junta aos nazistas -, cria-se a tensão. Não tanto entre os dois protagonistas, que dividem mais semelhanças do que diferenças, mas quando são submetidos ao convívio com marinheiros das mais diversas estirpes. De um lado há o Primeiro Imediato, um seguidor das doutrinas de Hitler, e de outro os traidores, pessoas que não acreditam na guerra como meio. A tensão não vem da impossibilidade de os aliados não se sucederem na missão – obviamente, num filme americano, eles atingirão seu objetivo -, mas de como se saíra o comandante, um homem perturbado por fazer algo em que não acredita – está na guerra para lutar pelo país, não para aniquilar a humanidade.

O diretor Bernhard Wicki, austríaco, vinha de A Visita (1964) e O Mais Longo dos Dias (1962), que, com Morituri, formam a tríade de filmes americanos de Wicki. Algo não espantoso, já que o filme aqui em questão foi um completo fracasso de público, mesmo sendo estrelado por Marlon Brando (que, fato, já não estava mais em seu auge) e Yul Brynner. Começou como ator no pós-guerra em pequenos papéis, até começar a dirigir – fez também um documentário premiado e bem comentado, A Ponte (1959). Competente, especializou-se nos filmes que abordavam a guerra. Passado inteiramente num navio, Morituri, é tradicionalista em sua linguagem, mas um tanto ousado no conteúdo. É interessante notar, talvez por não ser americano e ter pouco produzido lá, que Wicki toma certas liberdades, ao acrescentar algumas brutalidade e opções não convencionais de redenção e conclusão. Em especial na derrocada, quando “mocinhos” e “bandidos” se enfrentam.

É estranho que esse filme não tenha sido redescoberto pelos fãs do gênero. A Fox Classics, ao menos, fez um belo serviço em lançá-lo em DVD.




<< Capa