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Coluna do Biáfora

VERDADES E MENTIRAS

Por Rubem Biáfora, artigo selecionado por Sergio Andrade

“Apenas três estréias na semana. Duas nacionais (“A Dama do Lotação”, “Jeca e seu Filho Preto”) e um franco-irano-alemão (“Verdades e Mentiras”), este de Orson Welles e que numa quase alegórica coincidência, trata precisamente de fraude e de impostura, de mentiras e de corrupção em matéria de arte.

VERDADES E MENTIRAS (Vérités et mensonges)

“A princípio um filme que o “nouvelle vague” François Reichembach pretendia fazer para a televisão e para o qual já haviam sido impressionados milhares de metros de película; depois com a predominante presença de Orson Welles, uma obra fora de série (realizada em co-produção franco-irano-germânica e “rodada” também em outros países) a pretexto de uma investigação entre enigmática, cínica e fantástica sobre o notório Elmyr de Hory, o falsificador que por mais de 20 anos enganou “marchands”, críticos, “entendedores” e Museus internacionais com suas imitações (ou “recriações”?) dos pós-impressionistas Modigliani, Braque, Matisse, Dufy, Van Dongen, Picasso, Vlaminck. O próprio de Hory aparece, tem papel de absoluto destaque na ação (uma perversidade, um acinte ou mais, um cabotinismo que mais uma vez Welles resolve colocar em pauta?) como se comprazendo em reiterar a viabilidade de determinadas façanhas. E não só ele, mas também o casal Clifford-Edith Irving, que igualmente com grande êxito falsificou uma autobiografia de Howard Hughes, bem como a húngara Oja Kodar, modelo de Picasso e que também se prestou à falsificação das obras do pintor espanhol. Todos comparecem, todos se prestam a desmistificar suas próprias mistificações – o que é a melhor maneira de legitimá-las, de mostrar como são possíveis e até mesmo aceitas e bem-vindas. Da mesma forma Welles não se furta – ao contrario, participa do jogo – revelando como aos 16 anos no teatro em Dublin apresentando-se falsamente como um ator da Broadway e todos acreditaram. E como continuou a mistificar iniciando sua carreira de diretor-autor radiofonizando uma “Guerra dos Mundos” do Welles (George), onde inventava a invasão de Nova Jersey pelos marcianos. E narcisicamente continua sua investigação-revelação-embuste com “um toque de mestre” fazendo até o final o papel do charlatão dos charlatões, o rei dos embusteiros num mundo de erros, combinando “uma deslumbrante ironia a uma pudica realidade”, conforme acentua o folheto publicitário numa conceituação visivelmente retirada daquelas elucubrações, brilhantismos convencionais, daquelas fórmulas literárias de cumplicidade e “enganação” em que é perito certo tipo institucional de crítica francesa. De certo modo o “Verdades e Mentiras”(nos EUA e Inglaterra “F. for Fake”) parece ser um misto entre “Monsieur Arkadin”, de e com o próprio Orson e do filme belga “Malpertuis”, no qual ele só apareceu como intérprete. No elenco, presenças e cumplicidades familiares: os cineastas Reichembach e Richard Wilson, o falecido ator (e também diretor) Laurence Harvey, os amigos e atores Joseph Cotten e Paul Stewart, fotos ou “inserts” de Howard Hughes, bem como as vozes de Peter Bogdanovich e William Alland.”

*Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 16 de abril de 1978



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