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Dossiê Cláudio Cunha

Amada Amante
Direção: Cláudio Cunha
Brasil, 1978.

Por Gabriel Carneiro

(Pode conter spoilers)

Amada Amante está longe de ser um filme convencional. O filme de Cláudio Cunha toma uma liberdade imensa das vulgas pornochanchadas da época – ao mesmo tempo em que brinca, e muito, com a questão da sexualidade, o cerne nunca deixa de ser o comportamento familiar. O roteiro de Benedito Ruy Barbosa deve muito à obra rodrigueana, em especial às suas famosas crônicas. A família como origem dos problemas – em todo seu pudor, conservadorismo e hipocrisia.

Uma família pudica do interior paulista se muda para o Rio de Janeiro, quando o patriarca é promovido no emprego. O Rio de Janeiro dos anos 70 mostrado no filme é o Rio das imagens, em toda sua glória libertina – e não havia lugar mais ideal para se homenagear o grande Nelson Rodrigues -, nas praias, nas mulheres de biquíni, na malandragem... O Rio que vemos é uma cidade liberal, desde o rapaz que paquera e persegue a moça na praia, até as meninas do prédio que trazem um interesse curioso pela atitude carola dos novos moradores.

Aparentemente, filme não se mostra consistente para percorrer seu caminho – não sabe se é uma história de adolescentes fogosos e inexperientes, se é uma história de adultério, ou se é apenas um desfile de garotas de biquíni e de peitos de fora -, mas quando encontra seu ponto, e os relacionamentos se estreitam, Amada Amante se torna uma pequena obra-prima. Logo no começo há um momento bem simbólico para o que veremos na segunda metade do longa. Os jovens recém-chegados estão afoitos pela praia – dos três filhos, duas meninas e um menino, dois resolvem comprar trajes de banho da moda, biquíni e sunga – e saem do quarto com suas novas roupas. O pai os impede de sair de casa em tão pouca roupa. Na rua, a moça de maiô causa comoção numa mesa de bar: “nossa, não vejo uma roupa dessas desde as chanchadas da Atlântida.”

Um tanto óbvio que o patriarca conservador, que não deixa os filhos usarem os trajes de banho que gostam, a ponto de serem humilhados – não acho que muitas pessoas gostam de ter seus biquínis comparados a filmes dos anos 40 e 50 -, será o primeiro a se contradizer nos seus valores de decência e moral. Quanto mais ele se aproxima da secretária, até sucumbir à sua sedução, mais o vemos distante da família – não é à toa, há toda uma repressão de si mesmo em burlar os valores em que acredita, e isso transparece quando é pego pela esposa. Porém, o desejo ainda é maior. Ele continua com aquilo, não consegue se livrar – a mulher mostrada como uma frígida e submissa dona de casa é para ele a razão do adultério, mesmo que pregue essa atitude como ideal para uma família “descente”.

A psicose de ser alguém superior moralmente, principalmente com o adultério do qual não consegue se livrar, é gradual, e é o elemento coercivo do filme. É a psicose do pai que faz com que a família comece a extrapolar em seu comportamento sexual – a moça comportada que se apaixona pelo garanhão da redondeza, o rapaz que só perde o “respeito” pela moça quando é chamada de bicha e a mais nova que se vê tentada por uma garota. A mãe que simplesmente aceita o comportamento do marido sem nunca dele suspeitar é outro motivo de inconformação. Quando a filha mais velha pega o pai na pegação com a secretária, tudo cai. Toda a moral, toda a decência são lavadas.

Ao término, quando o pai recebe uma homenagem da firma, o senso estético de Cláudio Cunha aflora, e faz uma forte e belíssima cena: ao fazer seu discurso, alternam-se os momentos paralelos com as três mulheres de sua vida (as filhas e a esposa), em cenas apaixonadamente quentes no ato sexual extravagante, que ele jamais aprovaria.

PS.: Destaque para a excelente participação de Carlos Imperial como o tarado voyeur do prédio ao lado, que só se excita quando vê mulheres nuas na janela.



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