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Dossiê Cláudio Cunha

E Então, Como Ficamos?...

Por Cláudio Cunha
Seleção e transcrição: Matheus Trunk

Prezados senhores:

Ao que se sabe, existe um órgão que rege todos os interesses do cinema brasileiro. Este mesmo órgão, que tem recebido especial carinho por parte do Ministério competente, através não só de verbas bastante confortadoras, mas também de um apoio irrestrito na luta pela imposição do produto brasileiro no mercado exibidor, tem por resolução do antigo INC (Instituto Nacional de Cinema) a obrigação de premiar anualmente com uma quantia fixada em 300 (trezentos) salários mínimos, doze das melhores fitas produzidas no país, lançadas no ano anterior.

O critério de julgamento do chamado “Prêmio de Qualidade”, obedece a princípios básicos: contribuição cultural, nível técnico e artístico, empenho artesanal, etc. Este prêmio, que vem sendo distribuído há alguns anos, sempre gerando controvérsias entre os próprios produtores, tomou este ano um caráter bastante comprometedor.

A relação dos filmes contemplados com o prêmio de qualidade não foi publicada por nenhum jornal do eixo Rio-São Paulo. Estranho, não? Senão, vejamos: numa relação de doze fitas, que este ano passaram a ser treze, graças à criação de um prêmio extra ao melhor filme do ano, cinco são distribuídas pela distribuidora Ipanema Filmes (O Predileto, Guerra Conjugal, O Casamento, O Caçador de Fantasmas e O Casal), sendo que dentre as cinco, três foram co-produzidas pela R. F. Farias, cujo titular é curiosamente o Diretor Geral do órgão responsável. Sete das fitas (Lição de Amor, O Desejo, O Rei da Noite, Ovelha Negra, O Pistoleiro, Pecado na Sacristia, A Lenda de Ubirajara), são surpreendentemente, co-produzidas ou distribuídas pela Embrafilme, que outras não é, senão o órgão responsável.

Passe Livre, também contemplada com o prêmio de qualidade, é uma obra com exibições restritas a cineclubes e cinematecas, devido à sua bitola de 16 mm, mas teve como padrinho o coordenador das comissões da Embrafilme, sendo o mesmo agraciado com o prêmio de melhor montador, também pelo referido filme.

Importante informar que geralmente as distribuidoras fornecem um adiantamento em dinheiro ao produtor, por conta das futuras rendas a serem auferidas na comercialização do próprio filme. Estes adiantamentos conhecidos como “avanços sobre distribuição”, nem sempre retornam imediatamente ao lançamento do filme. Será que tanto os prêmios a que nos referimos acima, quanto os prêmios percentuais sobre as rendas (em geral distribuídas com atraso de um trimestre), não seriam a solução da amortização mais rápida dos débitos?

Senão, como explicar a não inclusão de vários filmes de outras distribuidoras, fitas do porto de Lilian M (Brasil-Internacional), A Extorsão (CIC), Intimidade (Cinedistri), Lucíola (Servicine)?

Será que a sonegação da informação da lista dos contemplados com o “Prêmio de Qualidade” não foi a intenção de confundir o público, para que este julgasse a comissão que outorgou o “Coruja de Ouro” e os “Prêmios de Qualidade”, no valor de Cr$ 160.000,00 (cento e sessenta mil cruzeiros)- para cada fita- por uma comissão exclusivamente carioca?

Mesmo assim, os críticos de todo o Brasil fizeram o seu julgamento sobre as cinco fitas já previamente selecionadas e impostas pela comissão permanente da Embrafilme, que, de certa forma, é concorrente comercial dos demais produtores brasileiros.

Importante informar, também, que várias produções contempladas não foram lançadas comercialmente em sessões normais durante o ano de 1975. Valeram-se de recursos estratégicos de sessões especiais à meia-noite ou pré-estréias.

Diante de tudo isso, o paulista pergunta:

1º Quantas indicações tiveram os filmes Ovelha Negra, Pecado na Sacristia e outros, presenteadas com o prêmio de qualidade?

2º Sendo o “Prêmio de Qualidade” um incentivo à produção de filmes, porque restringir a premiação a um maior número de produções cariocas, uma vez que São Paulo representa mais de 40% (quarenta por cento) do mercado? (das treze fitas premiadas, apenas três são produções paulistas).

3º Por que uma pessoa, inimiga declarada do cinema paulista (cegou a escrever no semanário “Opinião” que o Brasil se situa no Rio de Janeiro para cima, e que de São Paulo para baixo se situa a Argentina) foi o coordenador das comissões da Embrafilme, enquanto o seu Diretor Geral, oportunamente, viajava para Salvador, na Bahia?

4º Por que a solenidade de entrega dos prêmios nunca foi realizada em São Paulo?

5º Levando-se em conta que todo o critério seletivo é arbitrário e que depende, inclusive, de amizades e gestos ultra-pessoais, por que não destinar esta verba (mais de dois milhões de cruzeiros) aos filmes que possuem valores artísticos explícitos e que não tenham atingido um teto mínimo de arrecadação, durante o ano de lançamento normal? Incentivar-se-ia, assim, o produtor que mais carece de recursos e que procura através do cinema, contribuir com a cultura brasileira.

Finalizando, gostaria de deixar claro que estas observações têm apenas a intenção de procurar algumas respostas que vários produtores não conseguido obter nas infindáveis e dispendiosas viagens ao Rio de Janeiro, capital onde está situada a matriz do órgão que rege os destinos do cinema nacional.

*Publicado originalmente no Anuário Cinema Em Close Up de 1977



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