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Fragmentos Literários

Por Stefanie Gaspar

Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger

Jovem de classe média, boas notas na escola e comportamento aparentemente normal. Bem vestido, aparência respeitável – o tipo do cara que você convidaria para uma festa na casa dos seus pais sem pestanejar. Não o convidaria para uma das suas, claro, porque, apesar das características normais, ele é um pouco chato. Na verdade, chato não é a palavra correta – porque o diagnóstico não pode se restringir a apenas esse indivíduo, considerando que ele é apenas uma criatura vinda de estruturas culturais que envolvem milhares de outras pessoas. Não é chatice o problema de Holden Caulfield – é o total desinteresse pela vida. Vendo de perto, logo a definição inicial se invalida, já que seu comportamento normal é, como a frase anuncia, apenas aparente. Já foi expulso de outras escolas, apresenta comportamento inquieto, por vezes agressivo e, na maior parte do tempo, simplesmente pára de viver. Fato. Holden Caulfield não vive – espera a vida passar, desinteressado de tudo, cansado da existência, torcendo para que tudo mude: ou torcendo para que simplesmente acabe de uma vez. O livro de J.D Salinger sugere que o comportamento de Holden é sistêmico. Mais do que isso, é sintoma de uma época.

Se o livro diagnostica uma juventude americana cansada de obedecer a valores familiares e regras sociais que não fazem sentido em suas vidas – funcionando mais como dogmas do que como modelos de comportamento –, Holden Caulfield pode, de fato, ser considerado como o anti-herói da época, que, com sua linguagem natural, descuidada e repleta de palavrões, subverteu a idéia de protagonista adolescente edificante. Entretanto, todo o discurso colocado sobre o livro de J.D Salinger só é válido se o leitor realmente acreditar que Caulfield é o anti-herói da América derrotada e que procura sentido para sua própria existência. A partir dessa visão, teríamos interpretações engajadas de qualquer obra de arte, já que elas são naturalmente decorrentes do período histórico, social e político no qual são produzidas. Todo autor está inserido em algum contexto, e não pode fugir das influências externas – mas entre uma influência normal e um engajamento político existe um hiato enorme.

Apanhador no Campo de Centeio pode ser um diagnóstico de um problema social, de um desânimo em relação à vida que atinge muitos jovens. Mas o que Holden Caulfield parece simbolizar, acima de tudo, é uma esperança perdida que não é típica da época, e sim da humanidade. Holden é indiferente a tudo, menos a sua irmã mais nova, Phoebe. Ela o encanta, o diverte – com uma impertinência e uma candura típicas das crianças que povoam o imaginário dos livros. São insuportáveis, difíceis de lidar e chatas, mas ao mesmo tempo são fascinantes, inteligentes, criativas e atrevidas. Se esse retrato do mundo infantil corresponde à realidade é outra questão, mas é fato que Holden acredita na pureza dele. Phoebe é seu ideal de nobreza, de inteligência e de inocência. Phoebe é a esperança de Holden, já que ele mesmo está corrompido pelo que conhece da sociedade. Ele não desistiu da vida simplesmente porque decidiu não vivê-la, e sim porque acha que já conhece o bastante dela para afirmar que não vale a pena. Phoebe pode descobrir e viver a vida em sem lugar, já que ele já ficou para trás. A geração de Holden, a dos jovens, seria a responsável por mudar o mundo e melhorá-lo. Como ele e seus contemporâneos fracassaram, é a vez de Phoebe tentar – motivo pelo qual Holden não deixa que ela fuja com ele.

A mensagem final do livro, vista por esse prisma, parece ser positiva. Entretanto, a tristeza do texto e o abandono de Holden à sua melancolia e desespero indicam que Phoebe era sua última esperança – mas que, no fundo, ele não acreditava que isso era verdade. Assim como ele, ela vai falhar; e tudo continuará igual. Ou pior.




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