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O gosto do choque ou:
Quando amadurecem as idéias

Por Filipe Chamy

Recentemente vi La luna, de Bernardo Bertolucci.

OK, o filme é bem arranjado, fotografado, produzido. Mas sempre Bertolucci me parece vazio, irrelevante, supérfluo. A principal polêmica de seus filmes mais famosos consiste em explorar o aspecto incômodo da sexualidade na hipócrita sociedade em que vivemos. Bacana, mas o resultado sempre fica aquém da intenção. Seus admiradores gostam de falar de sua alegada coragem em explorar tabus de maneira supostamente chocante: a vulva em close de Eva Green em Os sonhadores, o pênis de Michael Pitt, a mãe que masturba o filho em La luna e se mostra a ele explicitamente com uma reveladora calcinha branca, Marlon Brando “amanteigando” o ânus de Maria Schneider em O último tango em Paris e pedindo que lhe faça por sua vez o famoso “fio-terra”. Todos temas capazes de assombrar os pesadelos de senhoras religiosas por incontáveis séculos, mas o que exatamente há de mérito nisso?

Chocar por chocar, me impressiona mais o choque das pequenas coisas, das relações, o que se faz por conflitos. A relação conturbada da encantadora Sandrine Bonnaire com sua família disfuncional em Aos nossos amores, de Maurice Pialat; a serena entrega ao desequilíbrio que Gena Rowlands retrata magnificamente em Noite de estréia, de seu genial marido John Cassavetes; a loucura passional que toma conta de Lon Chaney em um dos mais perturbadores filmes do mestre Tod Browning, The unknown.


The unknown

Cada vez mais me afasto do choque gratuito, da simples descrição de algo incomum e abjeto; se admiro John Waters não é por suas grotescas anormalidades, mas por seu insólito humor e sua galeria de personagens exóticos. Os filmes ditos extremos, com cenas horrendas de violência, me agradam na medida em que deles extraio algo que me satisfaça como espectador de uma obra de arte, e não como uma hiena ao sentir o cheiro de sangue da carniça podre. Quando vejo Funny games, não me excito com a violência, mas com o drama; não me deixam feliz as imagens de tortura, mas o desenvolvimento do medo dos personagens, as decisões narrativas que fazem o filme de Michael Haneke ser tão honesto no combate à agressividade assim como Saló ou Os 120 dias de Sodoma é um libelo antifascista, não um mostruário de podridões para sádicos ejacularem.

Há uma corrente de pessoas que vêem filmes exatamente com esse fim em mente, de levar choques. O cinema de emoções vem sendo preterido ou até ridicularizado, pois o máximo da emoção, para essa gente, não vem de sentimentos. Chegamos ao ápice da cultura bagaceira ao louvar seres de obras execráveis como as de Sady Baby: claro que é impactante (negativamente) uma mulher fazer sexo bestial ou um homem defecar durante a relação sexual; mas o que há de bom em se mostrar isso? Qual o prazer advindo dessa prática cinematográfica? Não sei, não saberia responder. Vejo alguns desses filmes apenas por curiosidade, não pretendendo procurar qualquer fagulha de ousadia elogiável em qualquer deles. São apenas várias cenas toscas filmadas de modo esculachado e feitas de maneira a chocar e escandalizar. A mim, servem como desestímulo e parâmetro de (má) qualidade. Sim, são coisas chocantes. Mas por que algo é bom por ser chocante?

É uma questão complicada e aberta. Eu já tenho meu código, que não me permite aclamar uma obra apenas por ela ser chocante. O choque em si é bobo. Eu preciso de material humano para gostar de algo em arte. Aliás, não só em arte. Mas enquanto houver quem precise de amparos para pensar, o choque é uma opção fácil para substituir emoções mais profundas e é uma boa saída para disfarçar a falta de importância de uma obra ou a falta de talento de quem a fez.




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