Canibais & Solidão
Direção: Felipe M. Guerra
Brasil, 2006.
Por Gabriel Carneiro
Há uma clara evolução técnica no cinema de Felipe M. Guerra. Não só pela mudança de equipamento – do VHS ao digital -, como também pelo próprio preparo do diretor ao realizar um filme. Assim sendo, Canibais & Solidão, a última incursão do cineasta aos filmes, é sua grande obra-prima (e provavelmente o melhor exemplar do Cinema de Bordas). Retomando elementos das comédias juvenis dos anos 80 (Porky’s e afins) e do ciclo de filmes italianos de canibais dos anos 70 e 80 (Canibal Holocausto e outros) – filmes que fizeram a adolescência do diretor -, Felipe M. Guerra cria uma das mais autênticas comédias românicas já feitas
O filme narra a história de Rodrigo, um rapaz barbosense de 18 anos, virgem, que, como diz, nunca fez nada de importante – nunca escreveu um livro, nunca fez um filme, nunca teve uma namorada... Desmotivado da vida, Rodrigo passa suas noites sozinho, assistindo a filmes de canibais, sua grande paixão e motivo de coleção (o que ele mais procura é uma cópia de Canibal Holocausto). Isso até ele ver, na locadora, uma belíssima garota, Edna, por quem se apaixona. O problema é que Rodrigo passa a experenciar uma vontade muito grande de praticar o canibalismo com seus desejos sexuais e amorosos.
Com Canibais & Solidão, Felipe M. Guerra consolida alguns pontos de seu cinema, iniciado com o ótimo Patricia Gennice. São aspectos ligados ao chamado storytelling; a narrativa é clássica, por mais haja quebras e a constante auto-paródia, em especial quanto à forma mostrada, a estrutura do cinema de Guerra visa a contar uma história bem contada, sem deixar pontas soltas. Atualmente, a reutilização dessa estrutura é muito benvinda, pois vivemos em tempos de abuso do experimentalismo formal – uma vontade de ser “cult”. As tramas de Felipe mostram um protagonista solitário cujo objetivo é conseguir a mulher desejada, e assim, completar-se – nesse meio, provações de diversas ordens encontram seu caminho. Sua narrativa é quase uma de superação, de um melodrama, porém, aqui, ela é colocada para imbuir seu protagonista de um propósito – não há o melodrama, há somente as desgraças satirizadas.
Outro aspecto dos filmes de Guerra é a solidão. Os seus protagonistas são infelizes enquanto estão sozinhos – e em sozinhos, leia-se sem namoradas. Novamente o romantismo faz-se presente na trama: enquanto não namoram, não são ninguém. A busca passa a ser então pela bela garota da locadora, de forma quase obsessiva (num dos pontos altos do filme, Rodrigo decora as paredes do seu quarto com cópias da foto de Edna). E isso não só para ele, seus dois amigos buscam o romance também, mesmo que indiretamente. Por mais que esse aspecto seja satirizado, e justamente pela maneira como é mostrado usualmente nos filmes (sem sangue, cheios de sacarina, como em Ghost, filme referência para o protagonista), é o mote do filme, a linha condutora – o diferencial no cinema de Guerra é como ele se apropria disso, para subverter, e rechaçar de sangue.
Para decantar todo romantismo num filme que não seja mais do mesmo, e aproveitando-se de suas limitações técnicas, Felipe M. Guerra cria situações absurdas, que dramatizam a vida do protagonista e serve ao espectador de muitas risadas. Sua comédia é juvenil sim, pois é baseada em piadas sobre sexo. A referência à comédia Porky’s é clara. Percussora de comédia teen dos anos 90 como American Pie, Porky’s é a busca de colegiais por sexo – não importa como e com quem, desde que seja com uma mulher. E são as chamadas aberrações sexuais que mais causam risos, justamente por estar de fora do universo daquele que assiste – vemos então uma mulher de muita idade com desejo por garotões; uma mulher com fetiche por mutilar a genitália alheia; outra que adora a sensação de ter a cabeça do namorado arrebentada pelo irmão; e, acima de tudo, o protagonista que sente prazer na idéia de comer literalmente uma mulher.
As situações inusitadas só aumentam, e ao que parece, de forma gradual ao cinema de Guerra. Enquanto continuar fazendo aquilo que lhe é único (comédia romântica embebida de sangue, auto-paródica, e sem levar-se a sério), mesmo que fora do sistema, estará fazendo o que há de melhor no cinema brasileiro. Pode não ser autoral, mas seus filmes são autênticos – e muito divertidos.
*O filme pode ser adquirido diretamente com Felipe M. Guerra, por R$ 10,00, pelo email necrofilosfilmes@hotmail.com.