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Dossiê Cinema de Bordas

Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado
Direção: Felipe M. Guerra
Brasil, 2001.


Por João Pires Neto
Um filme 100% barbosense

Discutir sobre o gênero horror parece ser um tema recorrente nos trabalhos do cineasta amador Felipe M. Guerra. Entrei Em Pânico Ao Saber O Que Vocês Fizeram Na Sexta Feira 13 do Verão Passado, como denuncia o extenso título, é uma espécie de “tratado caseiro bem humorado” sobre o boom de produções que seguiram o rastro de sucesso deixado pelo slasher adolescente Pânico (1996), de Wes Craven. Filmando com o idealismo apaixonado de um verdadeiro fã, Felipe tece uma divertida combinação que mistura paródia, homenagem e crítica de uma forma no mínimo curiosa. O roteiro emenda propositalmente uma série de clichês e citações que convidam o espectador a participar, desvendando qual repertório cinematográfico serviu de referência para a sua construção.

Obviamente Entrei em Pânico... apresenta algumas limitações que são inerentes às chamadas produções amadoras, como por exemplo, a fotografia carente de uma iluminação mais profissional. Mas estas são questões que se mostram irrelevantes dentro do contexto de um filme que custou pouco mais de 250 reais, gravado com uma câmera VHS doméstica e editado manualmente, sem a ajuda de um computador.

Neste cenário artesanal, torna-se comum uma única pessoa acumular o máximo de funções possíveis, o que muitas vezes faz a obra ainda mais fascinante. No caso de Entrei..., além de dirigir, o exército-de-um-homem-só Felipe edita, escreve o roteiro, seleciona a trilha sonora, filma, divulga, compra a cerveja e ainda confecciona os efeitos de maquiagem, não necessariamente nesta ordem.

As citações em Entrei Em Pânico Ao Saber o Que Vocês Fizeram Na Sexta-Feira 13 do Verão Passado têm inicio antes mesmo da abertura, quando são reproduzidos os primeiros segundos do então maior sucesso da época, A Bruxa de Blair (1999). Um letreiro introduz o caso de alguns jovens que desapareceram nas proximidades da floresta de Burkstiville, enquanto filmavam um documentário. Mas num corte rápido, uma nova mensagem alerta sobre o possível equívoco: “Isso não tem nada a ver com o filme que será exibido agora. Portanto esqueçam.” Em seguida temos uma sequência que é uma espécie de refilmagem parodiando o prólogo do filme Pânico. É interessante observar que tanto o filme do Felipe quanto o original derivam de uma mesma idéia, ou seja, homenagear filmes de terror (ainda que em Pânico a abordagem seja diferente). No momento seguinte somos apresentados a Cíntia (a versão barbosense da personagem de Drew Barrymore, interpretada por Cíntia Delposso). Aqui um adendo importante, Felipe contou com uma legião de amigos caras-de-pau para montar o elenco. E se não são atores profissionais, alguns se destacam por serem “engraçados por natureza” (no caso de Rodrigo, o galã irmão do Felipe e de Eliseu Demari) ou pela beleza (a morena Niandra Sartori). Voltando à trama: Cíntia está em casa se preparando para assistir alguns filmes de terror com o namorado, quando toca o telefone. Do outro lado da linha, um assassino (mascarado, lógico) começa um jogo mortal idêntico ao proposto pelo serial killer de Pânico, ou seja, responda corretamente a uma pergunta sobre filmes de horror ou alguém morre. Ele ameaça primeiramente a vida do namorado (e também do amante) de Cíntia, que serão mortos caso ela erre a resposta. Devido à “complexidade” da questão (“Pânico 3 tem roteiro?”), Cíntia recorre a um artifício um tanto inusitado: pede a ajuda das universitárias (numa alusão direta ao fenômeno televisivo Show do Milhão). Surgem então três lindas loiras, supostamente alunas da UFRS. Indecisas, elas não conseguem ajudar em nada Cíntia. Resultado: o assassino ceifa violentamente a vida das universitárias e dos namorados da garota, com direito a motosserras, braços decepados e os baldes de sangue dignos de um verdadeiro filme de horror. Impaciente, o serial killer pede para Cíntia explicar o final de A Bruxa de Blair. A jovem se desespera e diz que há tempos tenta entender o final do filme, mas não consegue. Resposta errada e morte certa.

Neste trecho, além das dezenas de citações, diretas e indiretas, como as fitas de VHS do acervo pessoal de Felipe espalhadas por todo lado (Halloween, A Hora do Pesadelo, Ratos, Demons, entre outros), um famoso Guia de Vídeo Terror (lançado pela editora Escala em 1999) que Cíntia lê antes de responder as perguntas do assassino, um diálogo entre a jovem e o assassino chama atenção. Por telefone eles discutem a qualidade do longa anterior do Felipe, chamado Patrícia Gennice (1998). A garota afirma que o filme é amador e muito ruim, mas o assassino serial rebate indignado que a produção exigiu horas e horas de dedicação do seu idealizador. Neste momento, a própria “voz” do Felipe incorpora a argumentação do assassino, representando não só a si mesmo, mas a toda uma “classe” de aficionados por cinema que um dia resolveram bancar o seu próprio filme.

Após o massacre inicial, as câmeras voltam-se para um grupo de estudantes que planeja uma festa regada a sexo, drogas, filmes pornôs e de terror. O que se segue então é uma matança típica das obras do gênero, acrescentada do humor escrachado proposto pelo roteiro. Um a um, os jovens gaúchos descerebrados vão sendo mortos, de todos os modos possíveis, com facas, machados, torneiras e o que aparecer pela frente. Vale tudo, desde que jorre sangue na tela e sejam expostos os órgãos internos das vítimas. E seguindo a cartilha dos slashers, o assassino em série psicopata assume uma postura sobrenatural, retornando da morte várias vezes seguidas.

Embora tudo pareça uma grande brincadeira, foram 8 meses de muita sujeira, gravações, encontros e desencontros que resultaram em 120 minutos de filme. Mas o esforço do cidadão mais conhecido da pequena cidade de Barbosa foi reconhecido. A exibição de estréia de Entrei Em Pânico Ao Saber o Que Vocês Fizeram Na Sexta-Feira do Verão Passado foi um verdadeiro evento na pequena cidade gaúcha: foram duas sessões seguidas com a lotação máxima. Felipe M. Guerra acabou conhecido nacionalmente, com direito a matéria na revista SET e diversas reportagens de televisão, entre elas uma para o Fantástico, da Rede Globo.

Felipe promete para 2011, quando Entrei em Pânico... completa 10 anos, uma continuação e uma nova edição do diretor. Nós estaremos aqui, aguardando ansiosamente mais um banho de sangue e de bom humor.

*O filme pode ser adquirido diretamente com Felipe M. Guerra, por R$ 10,00, pelo email necrofilosfilmes@hotmail.com.




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