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Dossiê Cinema de Bordas

Entrevista com Rodrigo Aragão

Por Gabriel Carneiro
Imagens: Acervo pessoal de Rodrigo Aragão

Rodrigo Aragão é autor de um dos filmes independentes mais ousados e interessantes da atualidade, no panorama do cinema brasileiro. Mangue Negro é um filme de zumbi que se passa no manguezal de Guarapari, no Espírito Santo, cidade natal do diretor. Com 32 anos, Rodrigo, além de cineasta, é um prodígio da maquiagem e dos efeitos especiais artesanais – o grande chamariz de seus filmes.

Aragão começou com experimentos e diversas tentativas, aprimorando sempre. Nunca fez um curso profissionalizante; tudo foi sempre realizado com o trabalho árduo, como conta. Foi para o teatro, e depois para o cinema. Seu primeiro curta-metragem, Chupa-cabras, de 2004, foi um hit no Youtube. Filmou dois outros curtas em 2005 e 2006, Peixe Podre e Peixe Podre II. Em 2008, estreou no longa-metragem, com Mangue Negro. O universo retratado por Aragão é fantástico, relacionado ao horror e criaturas monstruosas, com mensagens um tanto ecológicas – sem nunca cair na pieguice e no discurso moralista. Para ele, a morte está em tudo.

Em entrevista por email para a Zingu!, Rodrigo Aragão conta um pouco dos percalços da profissão, em situações hostis para cineastas fora do eixo.

Zingu! - Quando começou seu interesse pelo cinema de terror? E em criar cinema?

Rodrigo Aragão - Olha, eu sempre amei cinema, mas acho que minha vida mudou quando assisti um documentário sobre a produção de O Império Contra Ataca. Ali percebi que a profissão mais legal do mundo era produzir efeitos especiais; o gosto pelo terror veio com o tempo - sempre adorei monstros. Os filmes dos anos 80 marcaram definitivamente minha vida, como A Hora do Espanto, A Volta dos Mortos Vivos, Evil Dead – A Morte do Demônio e Aliens - O Resgate. Os monstros exagerados, os banhos de gosma e efeitos artesanais típicos dos filmes splatter me encantam profundamente.

Z - Você chegou a fazer cursos profissionalizantes na área de cinema, de maquiagem e/ou efeitos visuais?

RA - Não. Sou totalmente autodidata, desenvolvi técnicas através de tentativas repetidas e assistindo a muitos filmes e making of’s .

Z - Quais são suas principais influências?

RA - Sou um grande fã de cineastas como Sam Raimi (Evil Dead – A Morte do Demônio), de Peter Jackson (Fome Animal); de profissionais como os maquiadores Rick Baker, Dick Smith, e do faz-tudo Tom Savini, que além de responsável pela maquiagem e pelos efeitos especiais de vários filmes, ainda é ator. Esses caras sempre foram meus heróis.

Z - Você acha que o fato de ter nascido e sido criado em Guarapari influenciou seus filmes?

RA - Sim, moro em um lugar lindo, com locações fantásticas, personagens incríveis e tranqüilidade para criar. Considero-me um artista regionalista - retrato de forma fictícia o local onde cresci!

Z - Como é fazer cinema fora do circuito no Brasil?

RA - É realmente muito difícil. Trabalhamos em regime de mutirão, todos fazem várias funções na equipe e recebem quase nada. É um trabalho todo movido pela paixão mesmo. Além do mais, eu não tenho referência do que é fazer um filme dentro do circuito, pois eu nunca entrei nele.

Z - Como surgiu sua produtora, a Fábulas Negras?

RA - Na verdade, ela está surgindo. Um núcleo de produção de vídeos e efeitos, assim como espetáculos de terror é um sonho antigo. Estou muito feliz de estar conseguindo realizá-lo. Hoje com muito suor temos uma boa oficina de efeitos e uma boa ilha de edição, espero nunca mais parar de produzir.

Z - Quanto em média você gasta num projeto seu, contando produção e marketing?

RA - Em 2004, fiz meu primeiro curta com 300 reais, chamado Chupa cabras. Para minha surpresa, ele ganhou vários prêmios e virou hit no YouTube. Em 2005, comecei a filmar Mangue Negro sem um centavo no bolso, com uma câmera emprestada. Após produzir sozinho 12 minutos, mostrei o material a um empresário chamado Hermann Pidner. Ele decidiu produzir o resto do longa, e assim consegui 50 mil ao longo de 2 anos de trabalho. Sobre marketing, na verdade, nunca gastamos nada, ele sempre veio naturalmente.

Z - Como você recruta atores?

RA - Todos que participaram do filme são antes de tudo bons amigos. Alguns são profissionais com outros filmes no currículo, outros são apenas do teatro e a maioria nunca havia atuado antes. O filme se tornou uma espécie de filme-escola, não só para os atores, mas para toda a equipe técnica. Aprendemos muito sobre cinema ao longo destes anos.

Z - Como faz os efeitos especiais e a maquiagem?

RA - Comecei a fazer maquiagens com 12 anos, para assustar os amigos e minha família - adorava assustar minhas tias com ferimentos falsos. Usava massa de trigo, papel, tinta guache... Apesar de o resultado não ser dos melhores, funcionava bem. A evolução foi ao longo de anos de tentativas e erros. Comecei a trabalhar profissionalmente com teatro na minha adolescência, e tive que desenvolver técnicas para fazer tudo com pouco custo já que o teatro sempre teve pouco orçamento. Hoje, aos 32 anos, eu escrevo meus roteiros com desafios em efeitos e maquiagem, sempre pensando em ampliar meu limite. Creio ser isso que faz meu trabalho sempre evoluir.

Z - Como surgiram seus filmes?

RA - Comecei a escrever roteiros com 13 anos, tenho uma pilha deles em minha gaveta. Sempre tive facilidade em criar historias, e visualizá-las em uma tela.

Z - O que te faz filmar algum roteiro em particular?

RA - Já escrevi muitos roteiros, sempre sonhando em filmá-los. Imagino até os movimentos de câmeras e efeitos - gostaria de filmar tudo. Já tive várias experiências fracassadas, principalmente por falta de equipamento. Muitas dos roteiros não sendo realizados em determinada época, perderam o sentido, ou o encanto pra mim. Hoje em dia, porém, tento escrever menos e melhor.

Z - Por que filma terror?

RA - Terror é o tipo de filme mais divertido de todos, em que você pode trabalhar com o absurdo, o exagerado, criar monstros estranhos e banhos de gosma. Fazer a platéia pular da cadeira e rir no minuto seguinte, eu acho tudo isto ótimo!

Z - Como transformar os parcos recursos em qualidade?

RA - Trabalhando muito mais que o normal. Não existe formula mágica, supera-se o que não tem, melhorando ao máximo tudo que podemos construir com trabalho!

Z - Como surgiu seu primeiro curta-metragem, o Chupa-cabras?

RA - Meu desejo de fazer curtas de terror começou na infância. Eu chamava crianças para brincar de fazer filmes, mas sem câmera. Na adolescência, fiz as primeiras tentativas com filmadoras emprestadas, mas nunca deram certo. Sempre algum ator desistia ou o dono da câmera a levava embora. O Chupa-cabras aconteceu após muitas tentativas frustradas. Pensei em fazer um vídeo o mais simples possível, com poucos atores, sem som, todo filmado no sítio de minha família, em apenas um final de semana. Nem roteiro tínhamos.

Z - Por que o interesse em realizar um filme sobre o chupa-cabras? É uma lenda forte em sua região?

RA - Acho a figura do chupa-cabras fascinante: é um monstro ainda sem face. Tenho grande interesse em realizar um trabalho mais elaborado sobre ele, um curta ou mesmo um longa. No auge da lenda, no meio dos anos 90, houve boatos aqui e ali, mas o que mais me marcou é que no quintal de minha casa, numa noite, quatorze galinhas foram mortas. Eu ouvi o barulho às 3 da manhã e fui investigar, morrendo de medo do chupa-cabras. O chupa-cabras acabou sendo o cachorro do vizinho, mas a experiência de medo me animou trabalhar na lenda.

Z - E Peixe Podre?

RA - Peixe Podre surgiu quando estávamos nos preparando para rodar um roteiro meu chamado Círculo do Poder. Como de costume, o dono do equipamento desistiu poucos dias antes das filmagens, e então resolvemos filmar alguma coisa de brincadeira, com o que tínhamos disponível no momento, e assim consegui terminar meu primeiro vídeo, depois de quase 20 anos tentando.

Z - De onde veio a idéia de um peixe que contamina as pessoas e as transforma em zumbis?

RA - Sempre costumo pensar em perigos mais próximos. Acho contaminação alimentar bem mais plausível do que ataques alienígenas. Como eu moro em uma aldeia de pescadores, o peixe era inevitável.

Z - Por que resolveu fazer uma continuação desse curta?

RA - Filmar Peixe Podre sempre foi mais festa do que trabalho - um dia, bons amigos, algumas cervejas, uma câmera na mão e muitas gargalhadas. Mas devo dizer, em primeira mão, que vamos refilmá-lo neste ano, com um roteiro legal, bons efeitos e vastos banhos de sangue. Já estou trabalhando no roteiro e nos primeiros efeitos.

Z - Por que o universo dos mortos-vivos te interessa tanto?

RA - Adoro a decomposição, isto sempre me fascinou. Quando criança, tinha meu próprio cemitério de bichinhos, e, de tempos em tempos, fazia algumas autópsias. Meu primeiro trabalho com zumbis foi em 2000, com o espetáculo de terror Mausoleum, em que eu interpretava um feiticeiro que utilizava o sangue de um demônio para ressuscitar seres humanos. O espetáculo ficou mais de 2 anos em cartaz em Guarapari, Belo Horizonte e Salvador, com mais de 30 mil espectadores.

Z - Existem fortes crenças sobrenaturais na região do mangue, no bairro dos pescadores?

RA - Existem, principalmente histórias de pescadores. Há também alguns mentirosos famosos, como o Mane Turéco, que tem causos passando por gerações verbalmente. Até o termo mentira aqui é chamado de “turecagem”.

Z - Que tipo de causos ele conta?

RA - O Mané Turéco é uma figura. Ele conta umas histórias inacreditáveis. Diz ele que, um dia, foi pescar em uma ilha aqui perto [de Perocão, distrito de Guarapari], e colocou o relógio de pulso em uma plantinha ao seu lado. Dez anos depois, ele voltou ao lugar e ouviu um barulho. Subiu em uma árvore e achou o relógio funcionando no galho mais alto da árvore (que era a plantinha crescida). Outra vez, ele estava pescando na ponte e pegou uma vitrola à pilha com o disco tocando Eu não sou cachorro não, do Waldick Soriano. Dentro da vitrola tinha um peixe. Mas a melhor é sobre a vez que ele encontrou um caminhão quebrado na estrada. Ele amarrou uma corda em sua bicicleta, rebocando o caminhão. O motorista gritava para ele pedalar mais devagar, pois estava com medo do caminhão tombar pela alta velocidade de sua bicicleta.

Z – Como surgiu Mangue Negro?

RA - Sempre amei zumbis, e sempre achei o mangue um lugar perfeito para seres gosmentos. Passei boa parte da infância brincando ali, entre as raízes do manguezal, e sempre imaginai monstros surgindo da lama. Acho que chegar ao Mangue Negro era inevitável.

Z - Quanto tempo você demorou para filmar e editar Mangue Negro?

RA - Mangue Negro levou 3 anos. Construímos cenários, bonecos, máscaras, efeitos especiais complicados, e, como muitas pessoas da equipe só podiam filmar no final de semana, pois tinham trabalhos “normais” para ganhar o pão de cada dia (!), também fazia tudo demorar mais.

Z - Quanto tempo demorou para criar a maquiagem dos zumbis?

RA - Tive que desenvolver uma técnica rápida e barata para maquiar até 20 zumbis no mesmo dia. Uma das mais usadas foram as maquiagens de gelatina, combinada com gosma a base de polvilho.

Z - Como desenvolveu os animatrônicos?

RA - Fazer animatrônicos é uma paixão antiga. Eles foram as primeiras coisas a serem produzidas, levando 3 meses cada. Usei uma estrutura de alumínio, silicone, borracha, cabos e muita mão de obra.

Z - Por que usar uma maquiagem tão carregada para compor os personagens velhos em Mangue Negro?

RA - Eu adoro maquiagem que dê sensação de efeitos, sei que isso é um de meus carros chefes. Então já escrevo pensando em fazê-las.

Z - E por que usar homens no lugar de mulheres?

RA - É por que eu realmente tenho mais amigos homens do que mulheres. Portanto, eles são mais fáceis de recrutar.

Z - Onde você arranjou os atores que fazem o seu Agenor e a dona Benedita? Eles são espetaculares.

RA - Dona Benedita é interpretada com maestria por André Lobo. Eu o conheci em 1998, numa peça teatral maravilhosa chamada A tímida luz de vela das últimas esperanças, em que o André fazia uma senhora e eu era o responsável pela maquiagem. Infelizmente, essa peça não foi muito bem de publico. Quando surgiu a idéia de colocar uma preta velha no filme, não pensei em outra pessoa para o papel. Também conheci Markos Konka no teatro. É o ator com mais experiência em cinema. Ele tem pérolas no currículo, como o papel do macaco chefe de Os Trapalhões no Planalto dos Macacos.

Z - Em filmes de terror, é muito comum o uso desmedido da nudez. Você não usa esse artifício por quê?

RA - A atriz é esposa de meu melhor amigo (risos). Mas não é nada ideológico, apenas o roteiro não pedia nudez.

Z - Você usa muitos cortes bruscos no meio do clímax. Por quê?

RA - Não sei bem. Tudo em Mangue Negro foi muito intuitivo. Mas eu penso no ritmo de um filme como em uma música de metal, com crescidas clímax e anticlímax.

Z - Quando você se interessou pela música metal? Como ela influencia e interage nos seus filmes?

RA - Depois de uma infância difícil, na adolescência fiz parte de um grupo de jovens desajustados que ouvia metal: “os metal peroca” (risos). Hoje, todos estão casados, com filhos, e ainda sou amigo da grande maioria. Muitos deles, inclusive, estão em meus filmes. Como eu disse antes, faço roteiros como o Sepultura faz música!

Z - Você acha que um filme de zumbis com características bem brasileiras, como Mangue Negro, pode ser interessante para cinematografia nacional?

RA - Olha, realmente fiz um filme que eu sempre quis ver, por isso digo que fiz o filme pra mim. Não sei se é interessante para a cinematografia nacional, se for... ótimo! Mas não pensei nisto enquanto filmava.

Z - Você já tentou lançar Mangue Negro no circuito comercial? Quais as dificuldades de conseguir distribuição?

RA - Infelizmente, colocar Mangue Negro no circuito brasileiro se mostrou uma tarefa extremamente ingrata. Corremos distribuidoras por mais de um ano com o filme e só tivemos portas fechadas.

Z - Os seus filmes alcançam retorno financeiro?

RA - Ainda não, mas espero ter em breve.

Z - Tem novos projetos?

RA - Tenho. Na verdade, serão vários contos de terror chamado As Fábulas Negras. São histórias cheias de criaturas fantásticas, lendas e superstições. Todas se passando no mesmo universo do mangue negro, um interior brasileiro meio atemporal, sem referências de progresso ou modernidades, com paisagens regionais e personagens típicos, e, claro, muito sangue!



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