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Dossiê Cinema de Bordas

Manifesto Canibal,
de Petter Baiestorf e Cesar Souza


Por Gabriel Carneiro

Lançado pela editora achiamé, na quinta edição (anteriormente em fanzines), o livro Manifesto Canibal, de Petter Baiestorf e Cesar Souza se propõe a destrinchar e formular o cinema independente, de baixíssimo orçamento. Escrito com muito bom humor, Petter fala das vantagens do Kanibaru Sinema, o nome dado pelos autores ao cinema quase amador (quando não é), feito com muita coragem, sangue e safadeza.

Não só entender, mas como aprender a fazer, a divulgar e a pensar tal cinema. Influenciado por diversas áreas do pensamento, Manifesto Canibal pode lembrar a antropofagia de Oswald de Andrade (mesmo que não citado) – não à toa, parece-me, que o canibal que assombra alguns dos seus filmes e intitula a produtora Canibal Filmes seja um ser que se alimenta de outros humanos e deles lhe toma referências. Da teologia à filosofia política, Petter Baiestorf e Cesar Souza (Baiestorf em especial) regurgitam conteúdo de maneira deglutida, de forma muitas vezes poética. Creio que comparar a escrita e a proposta de Manifesto Canibal com o livro/bíblia do dito cinema marginal Cinema de Invenção, do crítico e cineasta Jairo Ferreira, não seja desmedida – mesmo que o livro de Jairo seja muito mais analítico e producente na questão poética do cinema em questão, o livro de Baiestorf e Souza se apropria da linguagem usada pelos marginais para transformar, com menos dinheiro e mais grotesco, o Kanibaru Sinema.

A sinergia entre as obras é fundamental para entender a vontade desses cineastas que surgem em diferentes cantos do país. Ao escreverem o livro, já pregam o cinema feito individualmente ou coletivamente como processo de criação aberto, que ainda pode ser pensado e transfigurado e transformado. Eles mostram meios e não exatamente fórmulas. Tudo, para eles pode ser reinventado. Na introdução do livro, os autores já clamam “deixaremos bem claro aos capachos do sistema que Kanibaru Sinema não se pretende um movimento de vanguarda! Aliás, o Kanibaru Sinema não pretende ser um movimento. O Kanibaru Sinema pretende ser o nada e que cada guerrilheiro Kanibaru crie/recrie/repense o Kanibaru Sinema à sua Maneira!”

Talvez, dentro de todo experimentalismo que se promove o Kanibaru Sinema, há algo que me parece um tanto controverso. Há constantes citações ao anarquismo, ao cinema anárquico – como nos tempos dos marginais -, mas nesse campo, um anarquismo quanto às produções, não temáticas. Colocam em questão o cinema patrocinado pelo governo, mas não é por isso, parece-me, que o cinema produzido por patrocinadores seja pior ou menos merecedor do status artístico do que o feito apenas pela vontade, mesmo que sem recursos. Assim como os limites entre o avacalho na arte e da arte com o avacalho de tudo que se está ao redor. Petter Baiestorf dedica um capítulo inteiro de Manifesto Canibal ensinando e pregando como detonar e usurpar um festival de cinema – o que me parece muito mais um vandalismo com a própria arte e uma depreciação do seu trabalho do que uma manifestação anárquica-revolucionária.

Dentro do panorama do cinema de bordas, parece-me que Manifesto Canibal é um belo começo para se entender o que e como se pretende subverter o cinema televisivo.

*O livro está esgotado na editora, mas pode ser lido no site da Canibal Filmes.




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