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Dossiê Cinema de Bordas

Patricia Gennice
Direção: Felipe M. Guerra
Brasil, 1998/2008.

Por Gabriel Carneiro

Felipe M. Guerra é um dos mais interessantes diretores fora do circuito. Mesmo com uma produção deveras amadora, ele consegue transformar suas limitações em qualidade, utilizando-se de artimanhas dignas de um cinéfilo ardoroso e com gosto pelo trash. Patricia Gennice é o primeiro longa-metragem do diretor, de 1998, e que foi reeditado e “universalizado”, como diz, no ano passado. Nele, já se vê as qualidades do cinema de Guerra – roteiro cheio de situações absurdas, apoiadas nos clichês do gênero terror, com muito exagero e bem cômico; uso constante da metalinguagem; forte apelo juvenil; muitas referências a filmes que poucos conhecem; e, o mais importante, um filme que não se leva a sério.

A história do filme é simples e, como o diretor diz, é uma versão juvenil de Depois de Horas, de Martin Scorsese. Lucas é um rapaz barbosense como todos os outros: sai toda a noite, e sempre volta sozinho. As mulheres nunca querem nada com ele. Um dia, revendo os conceitos de sua curta existência, uma bela garota o acha simpático e o chama para ir à casa dela. Quando ela diz seu nome, Patricia Gennice, Lucas quase entra em colapso, afinal, não é todo dia que “a mulher mais boa de Barbosa” te chama para sair. Após essa premissa, tudo dará errado com Lucas – no caminho para a casa de Patricia, ele é assaltado, enganado, seqüestrado, ameaçado de morte, e o pior, não encontra camisinha.

As desventuras de Lucas por uma noite de sexo com Patricia ilustram o mote de sua existência, pelo menos naquela noite. Por ela, está apaixonado, e seu desejo é possui-la – e claro, o período de seca do personagem atesta a paixão voluntária: como diria Joel Barish, no longa Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, “porque eu me apaixono por toda mulher que me dá o mínimo de atenção?”. O aspecto regional do filme, devido aos fortes vínculos da cidade gaúcha Carlos Barbosa, fica em segundo plano perto da cruzada pelo amor de Patricia Gennice.

O longa-metragem mostra-se uma excelente comédia de costumes. As situações exageradas e improváveis com que Lucas passa para ter sua amada aproveitam-se do absurdo: sua comédia está na incoerência com a realidade, com a fantasia que cria em torno de problemas banais, por mais que sua fantasia não se ampare em seres fantásticos. Exemplo disso é quando, todo molhado, Lucas aceita entregar sua roupa a uma completa estranha para que ela a seque – por mais estapafúrdia que a situação seja, brinca-se com diferentes conceitos da sociedade atual: confiar nos estranhos e ficar seminu publicamente são características que já demonstram a comicidade por saber reverter a situação cotidiana através de uma possível ingenuidade. Outro exemplo seriam os próprios personagens com quem Lucas se depara: um assassino profissional, um bandido, traficantes, um travesti que é líder criminoso da cidade, um homossexual que ataca no banheiro, entre outros. São personagens que de fato existem no mundo “real”, mas com uma carga muito forte do non sense, do fator fantástico em si.

Nesse caráter fantasioso que emoldura seus personagens e situações, Felipe M. Guerra traz uma vertente que se desdobrará em sua cinematografia: a comédia romântica embebida de sangue. O objetivo de Lucas, desde o começo do filme, é consumar essa paixão por Patricia Gennice, e os obstáculos criados existem para aumentar a tensão dramática (no caso, cômica) do filme. Ou seja, o sangue serve o amor! (ou uma noite de sexo alucinante; isso varia com olhar do espectador).

Felipe M. Guerra pode fazer filmes rechaçados de sangue, de bizarrices e de nuances do gore e do splatter, mas no fundo, é um romântico. Seus melhores filmes, Patricia Gennice e Canibais & Solidão, são verdadeiras declarações de amor a uma mulher – e é essa mistura que torna tudo tão interessante.




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