Mangue Negro
Direção: Rodrigo Aragão
Brasil, 2008.
Por Marcelo Carrard
Das profundezas da região pantanosa do Espírito Santo surge um respiro, um motivo de orgulho e de esperança em meio ao deserto de burocráticas e envernizadas produções, que tem dominado a produção audiovisual brasileira. Do barro do mangue capixaba, foi moldado, pelas mãos do talentoso Rodrigo Aragão, uma das obras mais importantes e criativas dos últimos anos: Mangue Negro, que além de possuir inúmeras qualidades, acabou se tornando o primeiro longa-metragem sobre zumbis feito no Brasil, por uma equipe totalmente brasileira, com efeitos de maquiagem e até com animatrônicos feitos totalmente de modo artesanal, no melhor estilo Gianneto de Rossi, maquiador dos filmes de Lucio Fulci. Um dos poucos recursos digitais usados no filme é um recorte da cabana, cenário principal da ação, para ser inserida dentro do cenário do mangue.
A maior qualidade de Mangue Negro é que ele conseguiu se tornar um filme de horror, genuinamente brasileiro. Aragão conseguiu entremear bem universalidade dos clássicos filmes sobre mortos vivos, com elementos específicos da cultura regional capixaba. A trama coloca em cena um grupo de pescadores e moradores do mangue, que aos poucos percebem que tudo em sua volta está morrendo, se decompondo para se tornar uma ameaça ainda maior, configurada nas figuras dos zumbis carniceiros que se movem pelos cenários naturais do mangue, que colabora para a criação de uma atmosfera única. Fã confesso de Evil Dead – A Morte do Demônio, de Sam Raimi, e de Fome Animal, de Peter Jackson, Rodrigo Aragão procurou imprimir seu estilo próprio, em uma obra audiovisual que consumiu três anos de trabalho de toda a equipe, sem apoios governamentais - aliás, esse projeto jamais seria aprovado pelos anódinos pareceristas da Petrobrás, e seus similares.
No quesito diversão, Mangue Negro não decepciona os fãs. Com bons momentos do gore e efeitos especiais eficientes, tem uma montagem de ritmo cada vez mais alucinado, que diminui brevemente para a entrada em cena da Preta Velha – uma surpresa inesperada. Outra qualidade do filme é sua fácil comunicação com o público, que lhe rendeu o Prêmio do Júri Popular no Festival Rojo Sangre de Buenos Aires em 2008. Colocar Mangue Negro em um conjunto de obras pertencentes ao denominado Cinema de Bordas é algo complicado, mesmo sendo uma produção totalmente independente. Em termos de finalização técnica, o filme tem qualidades que o colocam ao lado de produções com grandes orçamentos, tornando Mangue Negro um caso muito particular dentro da atual produção audiovisual brasileira.
As últimas sequências do filme são de perder o fôlego, auxiliadas pela excelente trilha sonora. Lembra um pouco Canibal Holocausto, entre outras produções dos anos 70, ambientadas em um cenário selvagem. O desempenho dos atores está acima da média, com destaque total para o casal de protagonistas e para o ator que interpreta a Preta Velha, André Lobo. Muitas vezes a equipe se deslocou para o interior do mangue onde as águas eram bem profundas, o que exigiu um grande esforço físico dos atores.
Rodrigo Aragão planeja continuar a filmar pequenas histórias sobre sua região. Esse projeto se chamará Fábulas Negras, o mesmo nome da produtora de Mangue Negro.