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A ficção científica B dos anos 50
parte 4 de 4

Por Gabriel Carneiro

A influência da Guerra Fria no cinema B

Godzillas e afins

“Começamos a aprender sobre a água e seus segredos há pouco e ainda engatinhamos na descoberta do espaço. Não descartamos totalmente a possibilidade de haver alguma forma de vida em outro planeta. Por que não haveria uma forma de vida totalmente diferente num mundo em que sabemos que está habitado por milhões de criaturas vivas?”: frase que disseca a exploração no mundo. A questão de mal conhecermos pouco a Terra dava vazão à incerteza quanto ao espaço. Tal dizer é proferido no filme O Monstro da Lagoa Negra, que aborda uma equipe de cientistas que vêm para a parte brasileira da Amazônia e descobrem um ser de características pré-históricas, meio homem, meio peixe, de força descomunal. A Lagoa Negra do título é um poço de sedimentos, caracterizado como paradisíaco, mas que conserva seres de outras eras.

O confronto com o desconhecido era também abordado através de seres não-humanos e não-civilizados (concepção vigente). Seres selvagens, brutos, que mesmo que vivessem em sociedade, eram incapazes de sensibilidade. A Revanche do Monstro, continuação de O Monstro da Lagoa Negra, trata da mesma criatura, dessa vez capturada e levada para os EUA. The Mole People fala de uma sociedade de extrema sensibilidade à luz e de seus escravos, os homens-toupeiras. Ambos grupos vivem a quilômetros de profundidade na terra, sem contato com nossa atmosfera. Um grupo de pesquisadores acaba se defrontando com eles e tem grandes problemas para saírem de lá.

Com a sensação do filme japonês Godzilla, que trata de um lagarto gigante acordado pela bomba atômica e começa a destruir tudo, os americanos não perderam tempo. Isso mostra que desde aquela época Hollywood não deixava uma oportunidade ganhar dinheiro escapar. Hoje há muitas refilmagens de terrores asiáticos, e filmes como O Monstro que Desafiou o Mundo e Gorgo provam que isso já é um procedimento padrão. Ambos tratam de super-seres, monstros derivados de lagartos, com enorme estatura, que são despertados por algum motivo em particular e destroem tudo a sua volta.

Quanto a Gorgo, há uma curiosidade quanto à sua concepção. Diz-se que originalmente não haveria interferência militar e não haveria uso de armas, pois, segundo o diretor, o monstro seria destruído de qualquer jeito. Porém os produtores vetaram essa idéia, e armas foram inclusas. (ADOROCINEMA.COM). Curiosidade bem interessante na lógica militar da Guerra Fria.

O monstro dos efeitos especiais

Um grande colaborador para os filmes B de ficção científica foi o escultor, miniaturista e animador Ray Harryhausen. Seus efeitos especiais eram revolucionários para época, e dotavam de um grande efeito artístico. Com sua participação na equipe, os monstros não eram bonecos com cordinhas penduradas ou pessoas fantasiadas. Praticante assíduo da arte do stop-motion, criada por Willis O’Brien, seu mestre, em King Kong, ele fazia diversos efeitos dessa maneira. O stop-motion é a técnica de filmar a cada quadro bonecos (nesse caso, de massinha), para criar movimento. Para aumentarem os monstros e deixarem-nos em diferente proporção das cenas de pessoas, ele usava o Rear Projection. Com essas duas técnicas, criou fascinantes histórias durante mais de 30 anos.

Harryhausen fez os efeitos de, pelo menos, quatro grandes filmes simbólicos da Era de ouro do Filme B: O Monstro do Mar, O Monstro do Mar Revolto, A Invasão dos Discos Voadores e Vinte Milhões de Milhas da Terra. O primeiro trata de um dinossauro que acorda com teste nucleares, apareça na superfície terrestre e mate deliberadamente (prenúncio de Godzilla). O segundo aborda um polvo gigante de seis patas – Harryhausen só pode filmá-lo dessa maneira -, que ataca São Francisco. O terceiro fala de uma invasão alienígena com intuito de dominação mundial, e o quarto de um homem de Vênus que chega aqui por acidente, cresce assustadoramente e aterroriza a cidade de Roma.


Os anos em que a Terra parou

Os medos da década de 50 nunca foram tão bem refletidos no cinema quanto nessas ficções, feitas por homens corajosos, com pouquíssimo dinheiro e recursos. A paranóia e a angústia de um mundo de transformações, dividido em dois pólos opostos que se confrontavam e se ameaçavam destruir. Alienígenas, seres das entranhas da Terra, seres mutantes eram medos, e metáforas.

Metáforas de incertezas quanto ao futuro, quanto à capacidade do homem avançar tanto na ciência a ponto de explorar o espaço e de aniquilar a humanidade, criando armas de destruição em massa. Fato evidenciado nesses filmes feitos com intuito de divertir, mas que dizem muito do período histórico. Um exemplo disso são os protagonistas, geralmente médicos – que, se não são protagonistas, são sempre procurados como fonte de confiança na ciência e nos enigmas do mundo – ou cientistas. São pessoas fortemente ligadas à razão, ao mundo da experimentação, desbravadores dos mistérios mundiais e espaciais. Há sempre também a interferência da polícia ou do exército, símbolos norte-americanos de bravura, sempre com o intuito de proteger a população. As armas são colocadas como destruidoras, seja para o mal - aquelas que visam à destruição de alguma forma da humanidade -, seja para o bem – aquelas que destroem os causadores de caos.

Também se vislumbra o fato da população heróica, pois a maioria dos eventos ocorre em cidades pequenas, com sua tradicional população local, em que todos se conhecem. Há sempre o herói – geralmente médico ou cientista – que confronta o perigo maior em nome do bem da nação estadunidense.

Dentre as diversas produções realizadas na época, algumas foram abordadas aqui. Muitas de qualidade duvidosa, seja pela pouca engenhosidade do diretor ou da equipe. Mas não se pode negar que, dentro dessas produções de geralmente má qualidade, surgiram filmes, cujo aspecto artístico e visionário fizeram delas obras-primas do cinema. Filmes de diretores-autores como Jack Arnold, Roger Corman, Don Siegel, Robert Wise e alguns outros entraram para história do cinema. Se não foi por algumas dessas singelas obras B, foi por algo a vir na carreira. Siegel se enveredou para o cinema policial e faroeste, realizando várias parcerias com Clint Eastwood, seja nos seus westerns, seja nos filmes policiais. Wise ganhou quatro Oscar por dois musicais que também fizeram história: Amor, Sublime Amor e A Noviça Rebelde. Corman e Arnold sempre se mantiveram na esfera da produção B como estilo de vida e de cinema

Certamente, filmes como O Incrível Homem que Encolheu, O Monstro Sanguinário, Vampiros de Almas, O Homem dos Olhos de Raio-X, entre outros, nunca deixarão de fazer história e contar de um período, já relativamente longínquo, que foi a Guerra Fria.

Filmografia citada:

A Vinte Milhões de Milhas da Terra (20 Million Miles to Earth, 1957, Dir.: Nathan Juran)
Amor, Sublime Amor (West Side Story, 1961, Robert Wise & Jerome Robbins)
Godzilla (Gojira, 1954, Dir.: Ishirô Honda)
Gorgo (1960, Dir.: Eugène Lourié)
Homem dos Olhos de Raio-X, O (X, 1963, Dir.: Roger Corman)
Incrível Homem que Encolheu, O (The Incredible Shrinking Man, 1957, Dir.: Jack Arnold)
Invasão dos Discos Voadores, A (Earth vs. the Flying Saucers, 1956, Dir.: Fred F. Sears)
King Kong (1933, Dir.: Merian C. Cooper & Ernest B. Schoedsack)
Mole People, The (1956, Dir.: Virgil Vogel)
Monstro da Lagoa Negra, O (Creature from the Black Lagoon, 1954, Dir.: Jack Arnold)
Monstro do Mar, O (The Beast from 20,000 Fathoms, 1953, Dir.: Eugène Lourié)
Monstro do Mar Revolto, O (It came from beneath the Sea, 1955, Dir.: Robert Gordon)
Monstro que Desafiou o Mundo, O (The Monster that Challegend the World, 1957, Dir.: Arnold Laven)
Monstro Sanguinário, O (Monster on the Campus, 1958, Dir.: Jack Arnold)
Noviça Rebelde, A (The Sound of Music, 1965, Robert Wise)
Revanche do Monstro, A (Revenge of the Creature, 1955, Dir.: Jack Arnold)
Vampiros de Alma (Invasion of the Body Snatchers, 1956, Dir.: Don Siegel)




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