Cocô Preto
Direção: Marcos Bertoni
Brasil, 2003.
Por Gabriel Carneiro
É interessante pensar no modo de produção de um filme como Cocô Preto. O filme de Marcos Bertoni é a reutilização de diversos filmes em Super-8, montados e dublados com um intuito criativo. Em tempos em que se fazer filmes em película já parece retrógrado, ainda há pessoas que usam o Super-8 para pensar o cinema. E para entender Cocô Preto, é preciso entender a forma como foi feito. Parte integrante do Dogma 2002, movimento que visa a manter o Super-8, através da montagem de filmes já existentes e da dublagem desses filmes, já que o filme e a revelação são hoje processos muito caros, Cocô Preto é o novo cinema experimental no Brasil.
Reciclando cenas que vão desde Contatos Imediatos de Terceiro Grau e Barbarella a filmes caseiros feitos no auge do Super-8, passando por trechos dos filmes anteriores de Bertoni Sangue de Tatu e Astrofagia, Cocô Preto narra a história de um ser extraterrestre (o cocô preto) que vem para Terra para destruir a humanidade e salvar o universo.
O personagem principal, segundo Bertoni, já existe há mais de vinte anos, pelo menos filmicamente. Uma sujeira entre as lentes da filmadora quando fazia Sangue de tatu virou o cocô preto. Os trechos descartados dão o tom do filme: uma mancha que de fato se assemelha a um cocô perambula por diferentes lugares, indagando como destruirá a humanidade. A narração em off serve para dar prosseguimento à missão do protagonista, em diferentes âmbitos (quando atiram nele, quando ele pede para falar com o alto comando...).
Misturando o experimentalismo do cinema marginal, que, por muitas vezes, lembra o cinema de Jairo Ferreira, com a ficção cientifica, Bertoni faz uma declaração ecológica através do deboche e do desbunde de seu protagonista: para não destruir a humanidade, tem que acabar com “transgênicos, enriquecimento de urânio e aqueles sanduíches redondos”. A preocupação com o meio ambiente é recorrente na ficção de Bertoni, em que, por meio de personificações dos problemas ecológicas na sociedade, tenta contribuir para o debate.
Cocô preto reflete os problemas dos anos 2000, cujos problemas com o meio ambiente viraram pauta mundial. Nada mais apropriado então transformar criativamente o ideal. Se em Sangue de Tatu, Bertoni faz um filme sério, sobre um problema da época, como Chernobyl e o vazamento de Angra I, mesmo que recorrendo ao gênero da ficção científica, em Cocô preto ele desconstrói a seriedade enquanto narrativa, mas, através de um personagem avacalhado, insere novamente o debate. A figura de um cocô a destruir o planeta é sintomática, pensando inclusive nos problemas de poluição e de saneamento básico. Em outro viés, quando esses problemas foram exaustivamente comentados, a ponto de virar clichê, retrabalhar o conceito na paródia é devolver o que há de importante ao assunto, sem banalizá-lo.