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Dossiê Cinema de Bordas 2


Sangue de Tatu
Direção: Marcos Bertoni
Brasil, 1986.

Por João Pires Neto

(Contém spoilers)

Existe certo mistério acerca do super-8. Uma espécie de distúrbio que confere uma atmosfera melancólica às produções rodadas neste formato. Este é o caso de Sangue de Tatu, curta-metragem filmado pelo paulistano Marcos Bertoni em 1986. A película engrandece a atmosfera documental e realista do filme, como se o drama narrado realmente tivesse acontecido.

O roteiro aborda o medo mais clichê dos idos anos 70 e 80: o temor da energia atômica e das conseqüências de uma possível contaminação. Na trama de Sangue de Tatu, após um vazamento nuclear, um técnico da usina Angra I procura desesperadamente a esposa grávida e acaba perdido em meio às montanhas da região.

O primeiro grande mérito do curta é embaralhar ficção com imagens reais e entrevistas. No entanto, o tom cinema-reportagem vai sendo consumido aos poucos pela fantasia, ou melhor, pelo medo, até o momento em que a entonação documental se dissipa, com o acidente radioativo desencadeando a jornada obsessiva do protagonista em busca da mulher. O temor que era apresentado por moradores e ambientalistas que participavam de manifestações, que são mostradas no filme, torna-se o medo do personagem, que acaba aprisionado numa espécie de labirinto, depois de decretada a quarentena do local.

Dentre diversos bons momentos, uma sequência causa tanto estranhamento como um prazer nostálgico (com certeza não existe outra semelhante na história do cinema). É a inusitada perseguição entre dois ‘Gurgéis’. Para os que não se lembram, o Gurgel é um saudoso modelo automotivo, que era totalmente fabricado e projetado em solo tupiniquim.

O desfecho monumental exagera pessimismo, de um modo surreal e um tanto mórbido. O técnico finalmente encontra a mulher nas montanhas. E enquanto a Usina de Angra I explode como uma verdadeira bomba atômica, ele assiste a esposa dar a luz a diversos tatus.

Antes do encerramento, uma entrevista com um trabalhador rural explica o título do curta. Ele afirma não ter medo de nada e estar protegido de qualquer coisa, inclusive de uma bomba atômica, pois foi banhado em sangue de tatu quando criança.

Embora tenha ficado datado (hoje em dia, a energia nuclear é considerada uma solução ambiental e não um bicho papão como na época), o curta de Marcos Bertoni prova que bons filmes são feitos principalmente de bons roteiros acrescidos de muita criatividade. Merecidamente, Sangue de Tatu acabou ganhando, em 1989, o prêmio enredo-ficção do XII Festival de Gramado, na categoria Super-8.




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