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Dossiê Cinema de Bordas 2

Homens e Feras
Direção: Pedro Onofre
Brasil, 1995.

Por Gabriel Carneiro

Baseado em peça homônima do próprio Pedro Onofre, Homens e Feras é um melodrama sobre o Regime Militar (1964-1985), em especial sobre os militantes de esquerda. Com uma forte ideologia política, Onofre cria um filme essencialmente teatral, com muitas influências do melodrama americano. De difícil entendimento em seu início, o filme começa a ganhar ritmo quando o casal principal (um chefe sindical e sua esposa) é obrigado a fugir, pois está na lista negra dos militares, e num esquema armado um homem que tem influência e contatos, dirigem-se a um porão abandonado.

A eles, três outras pessoas se juntam, incluindo uma paraplégica e uma moça grávida. Enfadonho enquanto discute exaustivamente a injustiça cometida aos chamados subversivos pela ditadura, por se utilizar em demasia de um discurso ideológico repetitivo e até maniqueísta, o filme se transforma numa agradável surpresa quando o melodrama narrativo entra de fato. Com uma forte carga emocional, Homens e Feras discute até que ponto os militantes de esquerda eram criminosos e as falcatruas usadas pela polícia política para atingir os líderes dos movimentos de oposição. O melodrama, o grande fator de interesse do filme, existe justamente para humanizar os personagens – vê-los além da imagem política.

Os dramas pessoais são inseridos na narrativa simples através de flash-backs. A estrutura para o filme, apesar das precariedades técnicas e um quê um tanto amador (talvez o charme do vídeo), mostra-se muito adequada: com texto e encenação essencialmente teatrais, o longa se desenrola em um só cenário, o porão, através de diálogos. O movimento da câmera alterna entre planos gerais e closes nos falantes. A ação propriamente dita é escassa e só ocorre nos flash-backs, que tem uma narrativa mais cinematográfica, através de pequenas histórias rememorando o drama dos personagens. Ao fazer isso, é como se Pedro Onofre dissesse que a perseguição política e o futuro no exílio seriam a estagnação, que suas existências findariam enquanto atos, não só políticos, mas emocionais também.

Isso porque quando vemos, por exemplo, os diálogos entre Clóvis (o cara que os livrará da prisão e/ou morte) e o líder sindical funcionam justamente para exemplificação do que foi falado. Há os flash-backs mais elaborados também e esses são os mais interessantes, justamente pelo caráter artesanal que ganha a transição e a sensação de absurdo que fica para o espectador – e essa sensação é a mais adequada para um filme político como Homens e Feras, quase um casamento perfeito com o melodrama, pois este apropria-se de situações a ponto de torná-las um tanto exageradas e pouco palatáveis a um olhar mais crítico, assim como pensam ser a própria ditadura militar. Exemplo disso é quando, por exemplo, a moça paraplégica conta da reação de Clóvis à gravidez da outra moça que está no porão com eles. Ela conta a situação a quem está para escutar e em seguida vemos a moça com Clóvis numa cama no que parece ser as preliminares do ato sexual, porém ambos estão muito vestidos para isso, então numa atitude muita gratuita ele descobre o seio da moça e eles começam a conversar. Ela diz que o ama, ele levanta indignado, fala que aquilo não poderia ocorrer, conta os problemas e implicações disso e afins. Em seguida, para justificar suas palavras, conta a ele que está grávida. De maneira risível, ele pula e aparenta surpreso, indignado, até dizer que ela abortará a criança. Como desgraça nunca é pouca, além da moça ser perseguida política, está grávida de um homem que não a ama e quer que ela aborte.

Evitando spoilers, pois o melodrama dessas cinco pessoas se intensificará, como num Douglas Sirk artesanal dos trópicos, Pedro Onofre consegue uma proeza fantástica: realizar um melodrama sem recursos nenhum, num texto extremamente ideológico de esquerda, abordando um tema difícil e complicado para a realidade brasileira e ainda assim terminar austero, sério e com sensação de missão cumprida. Os eventuais risos estão longe de acompanhar o vídeo como um todo. Um filme que se leva a sério e não cai em armadilhas fáceis.




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