html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Inventário Grandes Musas da Boca
Agora, todo mês, uma dama do cinema paulista

Sandra Bréa

Por Adilson Marcelino
Exuberante! Essa é a melhor palavra para expressar o que foi Sandra Bréa na cena brasileira.

Sandra Bréa nasceu no Rio de Janeiro, no dia 11 de maio de 1952. Sex Simbol e uma das mulheres mais desejadas das décadas de 70 e 80, Sandra Bréa começou a carreira artística como modelo ainda na adolescência. Foi, porém, no Teatro de Revista, onde reinavam outras deusas como Leila Diniz, que encontrou o lugar certo para configurar sua persona artística. Sua beleza e presença esfuziantes fizeram dela uma atriz perfeita para o gênero, o que foi constatado no prosseguimento com os musicais na tela da TV Globo, como os números apresentados no programa Sandra & Miéle, em 1976.

Antes dos musicais, atuou em novelas, a primeira como Babi em Assim Na Terra Como no Céu, de Dias Gomes, exibida entre 1970 e 71, já na Globo – em que desenvolve toda a sua carreira televisiva. Sandra Bréa fez várias novelas e com muitos sucessos na carreira, como a Telma Paraguaçu de O Bem Amado, outra de Dias Gomes, em 1973, e a primeira em cores da emissora; a cantora Isadora de Corrida do Ouro, 1974/75, de Lauro Cesar Muniz e Gilberto Braga; a sofrida protagonista Lívia de Memórias de Amor, 1979, de Wilson Aguiar Filho, baseada no livro O Ateneu, de Raul Pompéia; o sucesso com a Wanda de Elas Por Elas, 1982, de Cassiano Gabus Mendes; a Rosita de Felicidade, 1991/92, de Manoel Carlos; e muitas outras.

Se Sandra Bréa era sucesso e sinônimo do universo carioca nas novelas da Globo, foi em São Paulo que se eternizou nas telas do cinema paulista e como uma das mais desejadas musas da Boca do Lixo. A estréia em longas foi com o saudoso Flávio Tambellini no filme em episódios Um Uísque Antes... Um Cigarro depois, em 1970. No filme, ela atua no segmento Vingança, baseado em conto de Orígenes Lessa. Em 1972, que ela tem grande destaque como Clara em Cassy Jones, O Magnífico Sedutor (1972), dirigido pelo genial cineasta paulista Luís Sérgio Person. Ambientado no Rio de Janeiro, o filme é uma anárquica e divertida aventura de um sedutor (Paulo José) atordoado pelos assédios e encontra na bela Clara o seu possível repouso do guerreiro – o filme possibilita, inclusive, Sandra mostrar seu talento do teatro de revista.

Em 1973, Sandra Bréa atua em mais um filme em episódios, dessa vez dirigida pelo paulista Pedro Carlos Rovai, um dos pais das comédias de costumes e diretor de clássicos como Lua- de- Mel e Amendoim, A Viúva Virgem e Ainda Agarro essa Vizinha – as duas últimas com a deusa Adriana Prieto. O filme é Os Mansos (1972), dirigido por Rovai, Braz Chediak e Aurélio Teixeira. O segmento de Sandra é A B... de Ouro, de Rovai, em que é uma mulher casada às portas do adultério.

Sedução, em 1974, marca o encontro de Sandra Bréa com um dos mestres da Boca do Lixo, Fauzi Mansur. O filme foi um grande sucesso de público, deu o prêmio de Melhor Atriz para Sandra no III Festival de Cinema do Guarujá, além de outros prêmios para o filme, o diretor, a fotografia e para o ator Ney Latorraca. Em Sedução, Sandra Bréa é Flametta, a filha de um poderoso viúvo siciliano que chega ao Brasil com a filha viúva a tiracolo. Flametta tem que dar um sucessor para o patriarca, mas o problema é que ela tem que encontrar um pretendente com o mesmo tipo sanguíneo que o seu, o raríssimo fator K. O filme reúne nomes importantes da Boca do Lixo, que além de Mansur tem o fotógrafo Claudio Portioli, Marcos Rey, Ary Fernandes e Jean Garret na ficha técnica, e o ator David Cardoso no elenco.

Outro encontro fundamental na Boca é com outro mestre: o extraordinário Cláudio Cunha. Com esse talentoso cineasta, que também vai moldar essa persona torturada e dramática da atriz, Sandra Bréa faz dois filmes ambientados no Rio de Janeiro. São eles, Amada Amante (1978) e Sábado Alucinante (1979). Em Amada Amante, ela é Fátima, a filha mais velha de um pai austero, vivido com brilho por Rogério Fróes, e assediada incansavelmente pelo playboy mulherengo Tuca, de Luiz Gustavo. È impressionante a transformação da personagem durante o filme, que começa como uma recatada menina do interior para, aos poucos, revelar-se uma pantera, e, por fim, a vingativa filha de um pai adúltero. A personagem Fátima revela todo o potencial da atriz e também o quanto Cláudio Cunha é um ótimo diretor de atores.

Amada Amante foi um grande sucesso de bilheteria. O filme rendeu polêmica entre Cláudio Cunha e Bruno Barreto, já que Barreto tinha o direito da música de Roberto Carlos, mas Cunha o direito do nome. Como a quantia dos direitos da música era alta, Cláudio Cunha não conseguiu obtê-la. Daí, Roberto Carlos deu o direito da música para Bruno Barreto, só que Cunha foi o primeiro a se interessar, e, inclusive, registrou do nome. Barreto brigou com Cunha na imprensa, mas de nada adiantou, já que Cunha tinha mesmo chegado primeiro.

Já em Sábado Alucinante, Sandra Bréa é a atormentada Laura, uma mulher fatal que incendeia uma pista de dança nos frenéticos tempos da discoteca, para depois chorar sozinha no apartamento pela ausência do amante. Assim como Amada Amante, Sábado Alucinante é mais um grande filme de Cláudio Cunha, que compõe um poderoso mosaico sobre personagens urbanos e solitários – e ainda tem outras deusas no elenco: Simone Carvalho, Djenane Machado, Silvia Salgado e uma aparição arrebatadora de Neusa Borges, como a vamp que foge às pressas ao ver o carro fuleiro de Maurício do Valle, como sempre impagável.

1978 e 1979 foram anos especiais para Sandra Bréa, já que tantos filmes sensacionais estrelados por ela são lançados. Ainda em 1978, ela atua em um filme dirigido por outro mestre da boca, o cineasta, e também ator, Adriano Stuart. Stuart é um diretor que precisa ser revisitado, pois é dono de um talento grandioso – seu Kung-Fu Contra as Bonecas é uma das mais deliciosas comédias da década de 70. Com o diretor, ela atua em A Noite dos Duros. Sandra é dirigida por mais um mestre, o grande Carlos Reichenbach, em Capuzes Negros – Sede de Amar. No filme, ela é a protagonista Tânia, ao lado de Luiz Gustavo, que faz Jairo, empregado de seu marido, um empresário. Capuzes Negros – Sede de Amar é o terceiro longa solo dirigidos por Carlão.

Dois filmes fundamentais em sua carreira marcam o encontro com aquele que vai eternizá-la como musa altiva e um tanto inacessível, como se pairasse acima de tudo e de todos: o cineasta Walter Hugo Khouri. Khouri realizou dois filmes na Boca, e nos dois Sandra é a personagem fetiche Ana, ao lado do alter-ego Marcelo, de Roberto Maya. Os filmes são O Prisioneiro do Sexo (1979) e O Convite ao Prazer (1980). No primeiro, ela vivencia um triângulo amoroso com Maya e a estonteante Kate Lyra; já no segundo é a esposa contida e à margem da vulgaridade insaciável do marido.

Walter Hugo Khouri é um gênio e um dos melhores diretores de atrizes do cinema nacional - com Sandra Bréa não foi diferente. Ainda que a atriz fosse associada ao glamour, à exuberância e a uma vida extravagante nos bastidores, o cineasta contribuiu também para eternizá-la como uma persona atormentada, introspectiva e dramática. Khouri dirigiu muitas das mais belas e talentosas atrizes brasileiras e algumas estrangeiras. Cada uma delas sob a lente khouriana renderia um compêndio, e, com certeza, Sandra Bréa seria um capítulo essencial nesse recorte.

A década de 70 ainda vai reservar para Sandra Bréa mais três filmes notáveis. República dos Assassinos (1979), de Miguel Faria Jr, é, para muitos, o melhor trabalho da atriz. Clássico do cinema policial, com trabalho arrebatador e corajoso de Anselmo Vasconcellos como o travesti Eloína, no filme Sandra é Marlene Santos Graça, uma cantora e atriz em par com o terrível Mateus Romeiro de Tarcísio Meira.

Do mesmo ano é Os Imorais, dirigido por Geraldo Vietri, um dos mais belos filmes de todo o cinema brasileiro, mas que ainda não recebeu toda a distinção que merece. Tudo é notável nesse filme: a abordagem homossexual corajosa; as personagens (Glória, de Sandra; Gustavo, de Paulo Castelli; Mário, de João Francisco Garcia; Julia, de Elisabeth Hartmann; Antero, de Chico Martins; Rosa, de Aldine Muller e Ronaldo, de Denis Derkian); a fotografia de Antonio B. Thomé e o argumento, roteiro e direção de Vietri. Se Sandra Bréa não tivesse feito mais nenhum filme, bastaria Os Imorais para eternizá-la. A atriz vai da sedução e da fatalidade até o mais puro desespero e completa solidão. Sua Glória é memorável, como é memorável o trabalho de todo o elenco, com grande destaque também para Paulo Castelli, ator maravilhoso que, infelizmente, abandonou o cinema.

E, por fim, Herança dos Devassos (1979), do grande Alfredo Sternheim, um filme classudo, e que, mais uma vez, reúne a dupla khouriana Sandra Bréa e Roberto Maya – e mais uma grande interpretação de Elisabeth Hartmann. No filme, Sandra é Délia, a viúva de um primo dos irmãos Rogério e Laura, membros de uma decadente família aristocrática envolta em segredos perigosos.

A década de 80 reserva nas telas, além de O Convite ao Prazer, de Khouri, o último filme em que Sandra Bréa atuou, As Aventuras de Mário Fofoca (1983). Dirigido por Adriano Stuart, o filme é uma comédia derivada do personagem de sucesso que Luiz Gustavo interpretou na novela Elas Por Elas, de Cassiano Gabus Mendes, exibida na Globo, em 1982.

Era para a atriz ser a protagonista do segundo longa-metragem de Guilherme de Almeida Prado, cineasta revelado pela Boca do Lixo e que já tinha dirigido o filme em episódios As Taras de Todos Nós. Só que eles brigaram muito, pois Sandra atrasou tanto as filmagens e deu tanto trabalho por motivos pessoais, como porres homéricos, que Guilherme a demitiu e tomou ojeriza de sua estrela. O filme é A Flor do Desejo, e quem a substituiu foi a atriz Imara Reis.

Na década de 90, Sandra Bréa se afasta da carreira artística. O motivo estarrece e enche de tristeza o país e seus inúmeros fãs: a atriz se declara portadora do vírus da Aids. Digna e exemplar, ela é a primeira grande estrela brasileira a se declarar soropositiva, e, com esse ato, ajuda a diminuir a discriminação ao portadores do HIV.

Sandra Bréa falece no dia 4 de maio de 2000. O mesmo mês de maio que a trouxe para brilhar no teatro, na telinha e nas telas de todo o país.

Todos os cineastas com os quais Sandra Bréa trabalhou no cinema são nascidos no estado de São Paulo – com exceção do gaúcho Carlos Reichenbach, mas que adotou a cidade como sua casa. Portanto, ainda que seja carioca da gema, Sandra Bréa é ou não é uma autêntica Dama do Cinema Paulista?

E como dizia Luz Del Fuego sobre si mesma, Sandra Bréa é também uma luz que não se apaga.

Saudades eternas, querida!

***

Pitacos dos diretores:

“Fizemos dois filmes juntos: Amada Amante e Sábado Alucinante, nos quais ela mostrou sua versatilidade e seu talento de atriz. No primeiro, era uma menina do interior conhecendo o Rio de Janeiro, no segundo uma mulher marcada pela vida. Sempre alegre, amiga, camarada, me colocou o apelido de Popeye, pois na época eu fumava cachimbo. Apesar da fama de porra-louca, não me deu grandes problemas. Sandra era uma menina, carente, procurando viver um grande amor, pagando o preço pela sua beleza. Um dia ela me disse: "As feias são mais felizes." Realmente!”

Claudio Cunha, que dirigiu Sandra Bréa em Amada Amante e em Sábado Alucinante.

“Sandra foi um dos casos mais surpreendentes de “cinegenia” que eu vi na vida. Lembro de um episódio, durante as filmagens de Sede de Amar, que exemplifica esta afirmativa. Estávamos numa rua movimentada de São Paulo, rodando uma seqüência noturna, na qual Sandra contracenava com Luiz Gustavo e outros atores menos conhecidos do grande público. Como as filmagens eram complicadas, conforme a madrugada se aproximava, mais e mais curiosos surgiam do nada para assistir a movimentação. Luiz Gustavo e os outros atores cansaram de dar autógrafos. Em determinado momento um casal se aproximou de mim e perguntou: “Você que é o diretor? Disseram que a Sandra Bréa trabalha neste filme; quando ela vai aparecer? A gente já está aqui há três horas para conhecer ela.” O casal ficou pasmo quando eu falei que a Sandra era aquela moça magra e alta que havia acabado de sair de carro, depois de ter filmado por cinco horas naquele local.

Sandra parecia ter nascido para estar à frente das câmeras. Sabia dançar, cantar, fazer comédia e os dramas mais intensos. Era um ser cinematográfico, por excelência. Longe das câmeras, dos palcos e das luzes, era uma mulher de beleza prosaica e que no meio de uma equipe de cinema era constantemente confundida como uma assistente da produção.

No entanto, como ficou provado após seu afastamento da atividade artística, Sandra Bréa, mais que uma atriz talentosa e polivalente, foi um ser humano extraordinário. Ao assumir publicamente a sua condição terminal, numa época em que o tratamento da AIDS era uma incógnita, Sandra foi das primeiras pessoas no país a contribuir para a desdemonização da doença”

Carlos Reichenbach, que dirigiu Sandra Bréa em Capuzes Negros – Sede de Amar.

***

Filmografia

Um Uísque Antes, Um Cigarro Depois (1970), de Flávio Tambellini;
Cassy Jones, O Magnífico Sedutor (1972), de Luis Sérgio Person;
Os Mansos (1972), de Braz Chediak e Pedro Carlos Róvai;
Sedução (1974), de Fauzi Mansur;
Amada Amante (1978), de Cláudio Cunha;
A Noite dos Duros (1978), de Adriano Stuart;
Capuzes Negros - Sede de Amar (1978), de Carlos Reichenbach;
O Prisioneiro do Sexo (1979), de Walter Hugo Khouri;
Sábado Alucinante (1979), de Cláudio Cunha;
A República dos Assassinos (1979), de Miguel Faria Jr;
Os Imorais (1979), de Geraldo Vietri;
Herança dos Devassos (1979), de Alfredo Sternheim;
O Convite ao Prazer (1980), de Walter Hugo Khouri;
As Aventuras de Mário Fofoca (1983), de Adriano Stuart.

Fotos da Fachada do Cine Marabá – acervo Cláudio Cunha



<< Capa