Outros Lançamentos: Cinema & DVD
Por Vlademir Lazo Correa
Cinema
O Exterminador do Futuro: A Salvação
Direção: McG
Terminator Salvation, EUA/ Alemanha/ Reino Unido, 2009, Sony.
Prosseguimento da saga de uma implacável perseguição através do tempo, tendo em vista a luta dos homens contra as máquinas, dessa vez sem o andróide interpretado por Arnold Schwarzenegger, o que possibilita que esse episódio se concentre mais no verdadeiro herói de toda a série, John Connor (Christian Bale), o líder da resistência contra a empresa de inteligência artificial Skynet. A falta de um personagem bem definido, no lugar de um grupo de pessoas lutando contra a fatalidade que toma conta do planeta, prejudica a muitos na devida apreciação desse quarto longa. É o que mais se utiliza da desolação de um cenário devastado e desértico, o que o torna o mais apocalíptico da franquia, embora no geral o filme não tire proveito de todo o potencial que o cerca, parecendo o produto incompleto de algo maior e mais bem-acabado, como se trabalhasse mais com recortes e fragmentos para a criação de um objeto conceitual, na linha do estilo de McG. Pena que Bryce Dallas Howard e Helena Bonham Carter estejam desperdiçadas em papéis insípidos. Mas grandes chances de ser o melhor blockbuster da temporada.
Os Falsários
Direção: Stefan Ruzowitzky
Die Fälscher, Áustria/Alemanha, 2007, Europa Filmes.
A história verídica do trambiqueiro Salomon Sorowitsch (Karl Markovics), conhecido como o rei das falsificações e requisitado por diversos vigaristas. Sobrevivente de um campo de concentração na Segunda Guerra, relembra o seu envolvimento na maior operação de falsificação de todos os tempos, quando foi forçado pelos oficiais nazistas, com seus colegas, a produzir milhares de notas de dinheiro falso, no intuito de financiar a guerra e melhorar a economia alemã, dividindo os prisioneiros no dilema de obedecer ou não as ordens para não serem mortos, mas se o fizessem ajudariam a prolongar a guerra e a chacina de incontáveis vítimas. Ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado, uma trama nazista que aborda um episódio pouco lembrado e discutido, um filme de muita correção e pouco brilho. Tem o mérito de não apelar e não escorregar no dramalhão como ocorre em muitas produções que retratam esse período, pois se mantém sóbrio a maior parte do tempo, o que no final das contas tampouco acrescenta muito ao resultado geral do filme. Indicado especialmente aos mais interessados no tema.
A Onda
Direção: Dennis Gansel
Die Welle, Alemanha, 2008, MovieMobz.
A premissa é inquietante: um professor encarregado a contragosto de lecionar por uma semana sobre autocracia em uma escola do segundo grau reproduz em sala de aula (para vencer o desinteresse inicial de seus alunos sobre o tema, e fazê-los compreender como funciona os mecanismos do fascismo) a aplicação de uma severa disciplina, o uso de slogans que remeta a poder e superioridade, e a instituição de um uniforme padrão como quebra da individualidade alheia. Tudo na tentativa de conscientizar os estudantes sobre o perigo dos movimentos doutrinários, políticos e religiosos que podem se estabelecer dessa maneira. Porém, o entusiasmo dos alunos os leva a organizarem um grupo denominado “A Onda”, com o qual começam a propagar o poder da unidade e ameaçar os demais no colégio e até nas ruas, inclusive com a criação de um símbolo gráfico para representar o grupo. O acontecimento vai de encontro a jovens que não sabem e se perguntam contra o quê realmente se deve rebelar hoje em dia, na procura de um objetivo comum que una a todos em oposição aos prazeres individualistas de cada um. É também uma reflexão do próprio povo alemão em torno de fantasmas do seu próprio passado, e contando com ecos de O Senhor das Moscas e Clube da Luta. Curiosamente, existe uma outra adaptação do romance do escrito nova-iorquino Todd Strasser (do qual se originou esse Die Welle), um pequeno filme norte-americano dos anos 80 (The Wave), na época exibido com frequência na TV brasileira.
A Partida
Direção: Yojiro Takita
Okuribito, Japão, 2008, Paris Filmes.
Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro desse ano, parece mesmo filme talhado para ganhar o prêmio, com muita “emoção” e pouco cinema realmente autêntico, cuidadoso na parte técnica, porém escorado em demasia em seu enredo, o que o torna uma experiência pouco estimulante (embora não totalmente desprezível). Um jovem sonha em ser violoncelista, mas se defronta com os seus limites e esbarra em sua própria falta de capacidade (e oportunidade) depois que a orquestra onde toca é dissolvida. Ao voltar com a esposa para a cidade natal, só o que consegue é um emprego numa agência funerária, que no começo apenas lhe traz transtornos e constrangimentos (alguns em sequências engraçadas ou mesmo um tanto quanto tolas). O filme até que se mantém sóbrio por um bom tempo, porém perde-se no sentimentalismo que se intensifica na meia hora final, depois de uma sucessão de funerais, que servem para o protagonista aceitar e até se orgulhar de sua nova profissão, ao mesmo tempo em que recupera a dignidade por assumir um emprego tão pouco distinto aos olhos da esposa (que com o seu desconforto representa o ponto-de-vista do público, pego de surpresa com o que se torna o centro do filme). Mais uma vez confirma-se que produções indicadas ao Oscar de filme estrangeiro poucas vezes são garantias de excelência, por que da mesma forma que no Brasil quase sempre o filme inscrito para concorrer ao prêmio geralmente não está entre o que de melhor se produz entre nós, nos outros países ocorre o mesmo, sempre obedecendo a critérios e fins obscuros e discutíveis.
DVD
Cassy Jones, o Magnífico Sedutor
Direção: Luís Sérgio Person
Idem, Brasil, 1971, Videofilmes.
Mais conhecido pelos brilhantes São Paulo Sociedade Anônima (1965) e O Caso dos Irmãos Naves (1967), essa é mais uma oportunidade de conferir o talento do grande Luís Sérgio Person, morto precocemente em 1976, aos 40 anos de idade. Uma rara e bem-sucedida adaptação de Lima Barreto para o cinema, no caso o conto Clara dos Anjos, só que Person atualiza a história para o Rio de Janeiro do começo da década de setenta, e assume o ponto-de-vista do personagem masculino, o mulherengo irresistível que, mesmo com todas as garotas que quer à sua disposição, cai de amores pela órfã Clara dos Anjos (Sandra Bréa, em sua estréia no cinema), que ele passa a acreditar ser a mulher da sua vida. É o pretexto para uma comédia sofisticada e coloridíssima (em luxuoso Eastmancolor), com Paulo José repetindo o papel de paquerador que já havia interpretado nos filmes de Domingos de Oliveira, só que aqui bem mais sedutor e cafajeste. Único filme de Person na Boca do Lixo, é um dos percussores da chamada pronochanchada. O dvd lançado pela Videofilmes (responsável também pelos dvds da obra de Joaquim Pedro de Andrade) traz um curta inédito, L’Ottimista sorridente, que Person realizou na Itália na época em que fez curso de direção no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma.
Coleção Cinema Marginal Brasileiro
Lume Produções Cinematográficas
Bang Bang, Brasil, 1971, Andréa Tonacci
Sem Essa Aranha, Brasil, 1970, Rogério Sganzerla
Os Monstros de Babaloo, Brasil, 1971, Elyseu Visconti
Meteorango Kid – O herói Intergaláctico, Brasil, 1969, André Luiz Oliveira.
Possivelmente o lançamento em dvd mais importante do ano, com filmes nacionais da maior relevância que só existiam em bootlegs de qualidade sofríveis. O Cinema Marginal brasileiro raramente mereceu atenção das mídias mais notórias do país, por que, com exceção de O Bandido da Luz Vermelha (sucesso de bilheteria na estréia, e depois com ocasionais exibições na TV aberta e lançado em vídeo anos mais tarde, junto com alguns títulos de Julio Bressane), todos os outros filmes do movimento durante muito tempo estiverem escondidos num submundo o qual raramente se conseguia ter acesso (alguns dos filmes nem chegaram a ser lançados comercialmente nos cinemas). Por tudo isso, a coleção da Lume é mais do que bem-vinda, até mesmo por se tratar de filmes excelentes e imprescindíveis para o acervo de qualquer cinéfilo que se preze. Sem Essa Aranha é uma das mais radicais experiências de linguagem do cinema mundial, que desconcerta até mesmo quem já viu outros filmes de Sganzerla, e no qual o diretor aboliu a intriga, não conta uma história, sem um possível enredo que possa ser descrito no papel em branco, mas quem superar uma provável estranheza inicial vai se envolver com uma das mais surpreendentes obras do cinema brasileiro, um painel dos que vivem à margem de tudo. O filme é um campo de batalha e um escarro, protagonizado pelo Jorge Loredo, ator mais conhecido como o Zé Bonitinho (sim, ele mesmo, o da TV) e por Helena Ignez, e mais um povo todo da favela, num autêntico carnaval surrealista. Mas o melhor da Coleção é Bang Bang (talvez o mais emblemático do movimento, depois de O Bandido da Luz Vermelha), uma das mais perfeitas experiências de como se fazer um trabalho genial com o mínimo de elementos, uma narrativa pulsante com apenas uma câmera e alguns poucos atores, quase todos com trejeitos e interpretações divertidas, num filme lúdico como poucos. Os Monstros de Babaloo é outra das obras mais debochadas, irreverentes e delirantes já feitas no Brasil. É um filme de casa de família que mais parece uma casa-da-mãe-joana, onde impera a desordem e a loucura, num ataque frontal à classe média brasileira, com personagens tresloucados, como o doente mental que chega a ser mantido preso dentro de uma gaiola gigante (e que é seviciado numa rede por dois sujeitos, entre risadas, escárnios e sem constrangimentos, com a inocência consentida do doente). Nem tão erótico como parece, mas extremamente ousado, está mais para um meio-termo entre Pasolini e os filmes da Boca do Lixo. O elenco feminino é um primor: Helena Ignez, Wilza Carla (com um visual parecidíssimo com Divine, um ano antes da “atriz” dos filmes de John Waters tornar-se famosa mundialmente), Zezé Macedo e Betty Faria (bem jovem e sedutora). Encerra esses quatro primeiros volumes da coleção Meteorango Kid – O Herói Intergaláctico, representante máximo do cinema marginal baiano, menos furioso do que os títulos citados mais acima, mas igualmente rebelde e inconformista, em total desacordo com as regras impostas de um mundo absurdo. Todos os dvds contam com curtas-metragens raros de seus respectivos diretores, entrevistas e depoimentos, e estão devidamente acompanhados de livretos belamente ilustrados e com informações e textos críticos. Agora é aguardar pelos próximos volumes.
O Lutador
Direção: Darren Aronofsky
The Wrestler, EUA, 2008, Paris Filmes.
The Wrestler, com toda a sua truculência nos ringues, nos traz um tipo de enfoque melancólico que não se vê mais com tanta frequência no cinema americano e que fala da desilusão perante vida, o mundo dos perdedores com as horas contadas, e esse é o grande mérito do filme de Darren Aronofsky, embora não seja a grande obra que muitos têm alardeado desde o prêmio em Veneza. Mickey Rourke interpreta a si mesmo, numa caricatura do que foi se transformando ao longo do tempo, e assim agrada até aos que nunca o admiraram. O artifício de Aronofsky é exibir à exaustão o seu astro nas mais diferentes situações o tempo todo nos 110 minutos de metragem, num show particular de Mickey Rourke que se converte em uma verdadeira overdose, até nos habituarmos com o intérprete ao ponto de a platéia simpatizar e ser cativada por ele, sendo que os demais personagens (incluindo o da ótima Marisa Tomei, que concede sinceridade à sua stripper igualmente sofredora e sem horizontes) existem unicamente para interagir e servir de escada aos dramas do protagonista, na maioria das vezes em situações-clichês (como a sua relação com a filha). Uma artimanha semelhante ao que o diretor havia feito anteriormente com Ellen Burstyn em Réquiem para um Sonho, em detrimento aos maneirismos narrativos e visuais de seus outros filmes (o que torna Réquiem e The Wrestler os seus mais bem-sucedidos trabalhos até o momento).
A Troca
Direção: Clint Eastwood
Changeling, EUA, 2008, Universal.
Os primeiros minutos de A Troca representam uma espécie de idílio e paz que no restante do filme não será mais do que uma vaga lembrança, pois depois que a tragédia se instala, não existirá mais. Seco e melodramático ao mesmo tempo, e narrado com aquela cadência clássica que já é característica de algumas obras do cineasta, A Troca se revela um filme de terror assustadoramente real (é baseado em história verídica) em torno da impossibilidade de se manter uma coesão existencial e humana diante de uma perda tão inesperada e esvaziadora de sentido. A partir daí, como um músico de jazz que parte das mesmas notas para criar sons diferentes e surpreendentes, Clint constrói seu filme como uma investigação policial que se prolonga por um largo espaço de tempo e com uma primorosa reconstituição de época da Los Angeles dos anos 20/30, quase sempre lidando com falsas induções e jogando de modo cruel e brutal com aparências e verdades, e perpassando uma dúvida moral constante sobre a função da policia e o papel da justiça dentro da sociedade, em torno do olhar corroído por uma existência emocional falida da protagonista. A Troca se impõe como uma junção de thriller e melodrama, embora nem sempre a mistura resulte equilibrada e coesa, mas é o filme de horror de Clint Eastwood, repleto de monstros e fantasmas inseridos num contexto rigorosamente fidedigno.
A Vida É Um Romance
Direção: Alain Resnais
La Vie Est Un Roman, Alemanha/ Bélgica/ França Itália, 1983, Cinemax.
A Vida é um Romance é o filme que assinalou uma virada na carreira de Alain Resnais. Desde então, vem aprimorando um estilo bastante particular, geralmente partindo de materiais semelhantes, às vezes próximos, para lapidar peças de forma, brilho e beleza diferentes, e que culminaria na obra-prima Medos Privados em Lugares Públicos (2006), o ponto alto desse longo período. Em A Vida é um Romance, o tempo é subvertido por um elo comum, com a ação se desenrolando em duas épocas distintas (1914 e 1982), mas sempre no mesmo local (um castelo), em torno da discussão, num plano utópico, sobre a tentativa de moldar uma existência perfeita, com a possibilidade de se excluir da vida cotidiana as angústias, desesperos e problemas inerentes ao comportamento humano. As cobaias dessa experiência são homens e mulheres convocados para se reeducarem e debater temas como felicidade e imaginação, e que acabam caindo numa ciranda de amores e desencontros, em papéis defendidos por um elenco maravilhoso, que mescla nomes consagrados (Vittorio Gassman, Geraldine Chaplin e Fanny Ardant) com atores (Sabine Azéma, Pierre Arditi, André Dussollier) que dali em diante se tornariam presença constante e obrigatória nos filmes do diretor. Enquanto isso, paralelamente três crianças imaginam uma lenda medieval. Alguns dos personagens reapareceriam numa espécie de “continuação” que Resnais dirigiria no ano seguinte, L’amour à mort.
Weekend à Francesa
Direção: Jean-Luc Godard
Weekend, França/ Itália, 1967, Cinemax.
O mais selvagem dos filmes de Jean-Luc Godard começa com um longo e francamente pornográfico diálogo sobre sexo extraconjugal entre Roland (Jean Yanne) e sua esposa Corinne (Mireille Darc). Eles são um casal burguês que num fim-de-semana decidem viajar de carro até a casa dos pais dela no interior da França, para tentar conseguir tomar posse de uma polpuda herança. Os protagonistas nunca conseguirão chegar até o destino almejado por causa de engarrafamentos e acidentes, tornando o filme um road-movie apocalíptico e imprevisível, com destaque para o espetacular plano-sequência em que a câmera num travelling lateral acompanha um congestionamento de mais de cem carros por um trecho de 300 metros numa auto-estrada francesa. É o fim do mundo, a derrocada do capitalismo, a queda da civilização. Roland e Corinne perambulam como mortos-vivos pela estrada e pelos campos, entre carros destruídos e corpos esquartejados pelo chão, e o trajeto deles culmina no encontro com os canibais na floresta, detalhes que antecipam características dos filmes apocalípticos de George A. Romero. É o mais buñuelesco dos filmes de Godard, descendente direto dos anjos exterminadores do demônio espanhol, mas ainda assim é essencialmente Godard. Os personagens possuem a vastidão da estrada à disposição, mas não saem do lugar, pois estão presos a uma realidade da qual não conseguem escapar. Pode parecer improvável uma síntese entre Buñuel e Romero, mas se existe algo que deve se filmar em cinema, esse algo é o que Godard filma aqui: o impossível. A distribuidora Cinemax também tem lançado outros títulos do cineasta nos últimos meses.
Cinema
O Exterminador do Futuro: A Salvação
Direção: McG
Terminator Salvation, EUA/ Alemanha/ Reino Unido, 2009, Sony.
Prosseguimento da saga de uma implacável perseguição através do tempo, tendo em vista a luta dos homens contra as máquinas, dessa vez sem o andróide interpretado por Arnold Schwarzenegger, o que possibilita que esse episódio se concentre mais no verdadeiro herói de toda a série, John Connor (Christian Bale), o líder da resistência contra a empresa de inteligência artificial Skynet. A falta de um personagem bem definido, no lugar de um grupo de pessoas lutando contra a fatalidade que toma conta do planeta, prejudica a muitos na devida apreciação desse quarto longa. É o que mais se utiliza da desolação de um cenário devastado e desértico, o que o torna o mais apocalíptico da franquia, embora no geral o filme não tire proveito de todo o potencial que o cerca, parecendo o produto incompleto de algo maior e mais bem-acabado, como se trabalhasse mais com recortes e fragmentos para a criação de um objeto conceitual, na linha do estilo de McG. Pena que Bryce Dallas Howard e Helena Bonham Carter estejam desperdiçadas em papéis insípidos. Mas grandes chances de ser o melhor blockbuster da temporada.
Os Falsários
Direção: Stefan Ruzowitzky
Die Fälscher, Áustria/Alemanha, 2007, Europa Filmes.
A história verídica do trambiqueiro Salomon Sorowitsch (Karl Markovics), conhecido como o rei das falsificações e requisitado por diversos vigaristas. Sobrevivente de um campo de concentração na Segunda Guerra, relembra o seu envolvimento na maior operação de falsificação de todos os tempos, quando foi forçado pelos oficiais nazistas, com seus colegas, a produzir milhares de notas de dinheiro falso, no intuito de financiar a guerra e melhorar a economia alemã, dividindo os prisioneiros no dilema de obedecer ou não as ordens para não serem mortos, mas se o fizessem ajudariam a prolongar a guerra e a chacina de incontáveis vítimas. Ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado, uma trama nazista que aborda um episódio pouco lembrado e discutido, um filme de muita correção e pouco brilho. Tem o mérito de não apelar e não escorregar no dramalhão como ocorre em muitas produções que retratam esse período, pois se mantém sóbrio a maior parte do tempo, o que no final das contas tampouco acrescenta muito ao resultado geral do filme. Indicado especialmente aos mais interessados no tema.
A Onda
Direção: Dennis Gansel
Die Welle, Alemanha, 2008, MovieMobz.
A premissa é inquietante: um professor encarregado a contragosto de lecionar por uma semana sobre autocracia em uma escola do segundo grau reproduz em sala de aula (para vencer o desinteresse inicial de seus alunos sobre o tema, e fazê-los compreender como funciona os mecanismos do fascismo) a aplicação de uma severa disciplina, o uso de slogans que remeta a poder e superioridade, e a instituição de um uniforme padrão como quebra da individualidade alheia. Tudo na tentativa de conscientizar os estudantes sobre o perigo dos movimentos doutrinários, políticos e religiosos que podem se estabelecer dessa maneira. Porém, o entusiasmo dos alunos os leva a organizarem um grupo denominado “A Onda”, com o qual começam a propagar o poder da unidade e ameaçar os demais no colégio e até nas ruas, inclusive com a criação de um símbolo gráfico para representar o grupo. O acontecimento vai de encontro a jovens que não sabem e se perguntam contra o quê realmente se deve rebelar hoje em dia, na procura de um objetivo comum que una a todos em oposição aos prazeres individualistas de cada um. É também uma reflexão do próprio povo alemão em torno de fantasmas do seu próprio passado, e contando com ecos de O Senhor das Moscas e Clube da Luta. Curiosamente, existe uma outra adaptação do romance do escrito nova-iorquino Todd Strasser (do qual se originou esse Die Welle), um pequeno filme norte-americano dos anos 80 (The Wave), na época exibido com frequência na TV brasileira.
A Partida
Direção: Yojiro Takita
Okuribito, Japão, 2008, Paris Filmes.
Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro desse ano, parece mesmo filme talhado para ganhar o prêmio, com muita “emoção” e pouco cinema realmente autêntico, cuidadoso na parte técnica, porém escorado em demasia em seu enredo, o que o torna uma experiência pouco estimulante (embora não totalmente desprezível). Um jovem sonha em ser violoncelista, mas se defronta com os seus limites e esbarra em sua própria falta de capacidade (e oportunidade) depois que a orquestra onde toca é dissolvida. Ao voltar com a esposa para a cidade natal, só o que consegue é um emprego numa agência funerária, que no começo apenas lhe traz transtornos e constrangimentos (alguns em sequências engraçadas ou mesmo um tanto quanto tolas). O filme até que se mantém sóbrio por um bom tempo, porém perde-se no sentimentalismo que se intensifica na meia hora final, depois de uma sucessão de funerais, que servem para o protagonista aceitar e até se orgulhar de sua nova profissão, ao mesmo tempo em que recupera a dignidade por assumir um emprego tão pouco distinto aos olhos da esposa (que com o seu desconforto representa o ponto-de-vista do público, pego de surpresa com o que se torna o centro do filme). Mais uma vez confirma-se que produções indicadas ao Oscar de filme estrangeiro poucas vezes são garantias de excelência, por que da mesma forma que no Brasil quase sempre o filme inscrito para concorrer ao prêmio geralmente não está entre o que de melhor se produz entre nós, nos outros países ocorre o mesmo, sempre obedecendo a critérios e fins obscuros e discutíveis.
DVD
Cassy Jones, o Magnífico Sedutor
Direção: Luís Sérgio Person
Idem, Brasil, 1971, Videofilmes.
Mais conhecido pelos brilhantes São Paulo Sociedade Anônima (1965) e O Caso dos Irmãos Naves (1967), essa é mais uma oportunidade de conferir o talento do grande Luís Sérgio Person, morto precocemente em 1976, aos 40 anos de idade. Uma rara e bem-sucedida adaptação de Lima Barreto para o cinema, no caso o conto Clara dos Anjos, só que Person atualiza a história para o Rio de Janeiro do começo da década de setenta, e assume o ponto-de-vista do personagem masculino, o mulherengo irresistível que, mesmo com todas as garotas que quer à sua disposição, cai de amores pela órfã Clara dos Anjos (Sandra Bréa, em sua estréia no cinema), que ele passa a acreditar ser a mulher da sua vida. É o pretexto para uma comédia sofisticada e coloridíssima (em luxuoso Eastmancolor), com Paulo José repetindo o papel de paquerador que já havia interpretado nos filmes de Domingos de Oliveira, só que aqui bem mais sedutor e cafajeste. Único filme de Person na Boca do Lixo, é um dos percussores da chamada pronochanchada. O dvd lançado pela Videofilmes (responsável também pelos dvds da obra de Joaquim Pedro de Andrade) traz um curta inédito, L’Ottimista sorridente, que Person realizou na Itália na época em que fez curso de direção no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma.
Coleção Cinema Marginal Brasileiro
Lume Produções Cinematográficas
Bang Bang, Brasil, 1971, Andréa Tonacci
Sem Essa Aranha, Brasil, 1970, Rogério Sganzerla
Os Monstros de Babaloo, Brasil, 1971, Elyseu Visconti
Meteorango Kid – O herói Intergaláctico, Brasil, 1969, André Luiz Oliveira.
Possivelmente o lançamento em dvd mais importante do ano, com filmes nacionais da maior relevância que só existiam em bootlegs de qualidade sofríveis. O Cinema Marginal brasileiro raramente mereceu atenção das mídias mais notórias do país, por que, com exceção de O Bandido da Luz Vermelha (sucesso de bilheteria na estréia, e depois com ocasionais exibições na TV aberta e lançado em vídeo anos mais tarde, junto com alguns títulos de Julio Bressane), todos os outros filmes do movimento durante muito tempo estiverem escondidos num submundo o qual raramente se conseguia ter acesso (alguns dos filmes nem chegaram a ser lançados comercialmente nos cinemas). Por tudo isso, a coleção da Lume é mais do que bem-vinda, até mesmo por se tratar de filmes excelentes e imprescindíveis para o acervo de qualquer cinéfilo que se preze. Sem Essa Aranha é uma das mais radicais experiências de linguagem do cinema mundial, que desconcerta até mesmo quem já viu outros filmes de Sganzerla, e no qual o diretor aboliu a intriga, não conta uma história, sem um possível enredo que possa ser descrito no papel em branco, mas quem superar uma provável estranheza inicial vai se envolver com uma das mais surpreendentes obras do cinema brasileiro, um painel dos que vivem à margem de tudo. O filme é um campo de batalha e um escarro, protagonizado pelo Jorge Loredo, ator mais conhecido como o Zé Bonitinho (sim, ele mesmo, o da TV) e por Helena Ignez, e mais um povo todo da favela, num autêntico carnaval surrealista. Mas o melhor da Coleção é Bang Bang (talvez o mais emblemático do movimento, depois de O Bandido da Luz Vermelha), uma das mais perfeitas experiências de como se fazer um trabalho genial com o mínimo de elementos, uma narrativa pulsante com apenas uma câmera e alguns poucos atores, quase todos com trejeitos e interpretações divertidas, num filme lúdico como poucos. Os Monstros de Babaloo é outra das obras mais debochadas, irreverentes e delirantes já feitas no Brasil. É um filme de casa de família que mais parece uma casa-da-mãe-joana, onde impera a desordem e a loucura, num ataque frontal à classe média brasileira, com personagens tresloucados, como o doente mental que chega a ser mantido preso dentro de uma gaiola gigante (e que é seviciado numa rede por dois sujeitos, entre risadas, escárnios e sem constrangimentos, com a inocência consentida do doente). Nem tão erótico como parece, mas extremamente ousado, está mais para um meio-termo entre Pasolini e os filmes da Boca do Lixo. O elenco feminino é um primor: Helena Ignez, Wilza Carla (com um visual parecidíssimo com Divine, um ano antes da “atriz” dos filmes de John Waters tornar-se famosa mundialmente), Zezé Macedo e Betty Faria (bem jovem e sedutora). Encerra esses quatro primeiros volumes da coleção Meteorango Kid – O Herói Intergaláctico, representante máximo do cinema marginal baiano, menos furioso do que os títulos citados mais acima, mas igualmente rebelde e inconformista, em total desacordo com as regras impostas de um mundo absurdo. Todos os dvds contam com curtas-metragens raros de seus respectivos diretores, entrevistas e depoimentos, e estão devidamente acompanhados de livretos belamente ilustrados e com informações e textos críticos. Agora é aguardar pelos próximos volumes.
O Lutador
Direção: Darren Aronofsky
The Wrestler, EUA, 2008, Paris Filmes.
The Wrestler, com toda a sua truculência nos ringues, nos traz um tipo de enfoque melancólico que não se vê mais com tanta frequência no cinema americano e que fala da desilusão perante vida, o mundo dos perdedores com as horas contadas, e esse é o grande mérito do filme de Darren Aronofsky, embora não seja a grande obra que muitos têm alardeado desde o prêmio em Veneza. Mickey Rourke interpreta a si mesmo, numa caricatura do que foi se transformando ao longo do tempo, e assim agrada até aos que nunca o admiraram. O artifício de Aronofsky é exibir à exaustão o seu astro nas mais diferentes situações o tempo todo nos 110 minutos de metragem, num show particular de Mickey Rourke que se converte em uma verdadeira overdose, até nos habituarmos com o intérprete ao ponto de a platéia simpatizar e ser cativada por ele, sendo que os demais personagens (incluindo o da ótima Marisa Tomei, que concede sinceridade à sua stripper igualmente sofredora e sem horizontes) existem unicamente para interagir e servir de escada aos dramas do protagonista, na maioria das vezes em situações-clichês (como a sua relação com a filha). Uma artimanha semelhante ao que o diretor havia feito anteriormente com Ellen Burstyn em Réquiem para um Sonho, em detrimento aos maneirismos narrativos e visuais de seus outros filmes (o que torna Réquiem e The Wrestler os seus mais bem-sucedidos trabalhos até o momento).
A Troca
Direção: Clint Eastwood
Changeling, EUA, 2008, Universal.
Os primeiros minutos de A Troca representam uma espécie de idílio e paz que no restante do filme não será mais do que uma vaga lembrança, pois depois que a tragédia se instala, não existirá mais. Seco e melodramático ao mesmo tempo, e narrado com aquela cadência clássica que já é característica de algumas obras do cineasta, A Troca se revela um filme de terror assustadoramente real (é baseado em história verídica) em torno da impossibilidade de se manter uma coesão existencial e humana diante de uma perda tão inesperada e esvaziadora de sentido. A partir daí, como um músico de jazz que parte das mesmas notas para criar sons diferentes e surpreendentes, Clint constrói seu filme como uma investigação policial que se prolonga por um largo espaço de tempo e com uma primorosa reconstituição de época da Los Angeles dos anos 20/30, quase sempre lidando com falsas induções e jogando de modo cruel e brutal com aparências e verdades, e perpassando uma dúvida moral constante sobre a função da policia e o papel da justiça dentro da sociedade, em torno do olhar corroído por uma existência emocional falida da protagonista. A Troca se impõe como uma junção de thriller e melodrama, embora nem sempre a mistura resulte equilibrada e coesa, mas é o filme de horror de Clint Eastwood, repleto de monstros e fantasmas inseridos num contexto rigorosamente fidedigno.
A Vida É Um Romance
Direção: Alain Resnais
La Vie Est Un Roman, Alemanha/ Bélgica/ França Itália, 1983, Cinemax.
A Vida é um Romance é o filme que assinalou uma virada na carreira de Alain Resnais. Desde então, vem aprimorando um estilo bastante particular, geralmente partindo de materiais semelhantes, às vezes próximos, para lapidar peças de forma, brilho e beleza diferentes, e que culminaria na obra-prima Medos Privados em Lugares Públicos (2006), o ponto alto desse longo período. Em A Vida é um Romance, o tempo é subvertido por um elo comum, com a ação se desenrolando em duas épocas distintas (1914 e 1982), mas sempre no mesmo local (um castelo), em torno da discussão, num plano utópico, sobre a tentativa de moldar uma existência perfeita, com a possibilidade de se excluir da vida cotidiana as angústias, desesperos e problemas inerentes ao comportamento humano. As cobaias dessa experiência são homens e mulheres convocados para se reeducarem e debater temas como felicidade e imaginação, e que acabam caindo numa ciranda de amores e desencontros, em papéis defendidos por um elenco maravilhoso, que mescla nomes consagrados (Vittorio Gassman, Geraldine Chaplin e Fanny Ardant) com atores (Sabine Azéma, Pierre Arditi, André Dussollier) que dali em diante se tornariam presença constante e obrigatória nos filmes do diretor. Enquanto isso, paralelamente três crianças imaginam uma lenda medieval. Alguns dos personagens reapareceriam numa espécie de “continuação” que Resnais dirigiria no ano seguinte, L’amour à mort.
Weekend à Francesa
Direção: Jean-Luc Godard
Weekend, França/ Itália, 1967, Cinemax.
O mais selvagem dos filmes de Jean-Luc Godard começa com um longo e francamente pornográfico diálogo sobre sexo extraconjugal entre Roland (Jean Yanne) e sua esposa Corinne (Mireille Darc). Eles são um casal burguês que num fim-de-semana decidem viajar de carro até a casa dos pais dela no interior da França, para tentar conseguir tomar posse de uma polpuda herança. Os protagonistas nunca conseguirão chegar até o destino almejado por causa de engarrafamentos e acidentes, tornando o filme um road-movie apocalíptico e imprevisível, com destaque para o espetacular plano-sequência em que a câmera num travelling lateral acompanha um congestionamento de mais de cem carros por um trecho de 300 metros numa auto-estrada francesa. É o fim do mundo, a derrocada do capitalismo, a queda da civilização. Roland e Corinne perambulam como mortos-vivos pela estrada e pelos campos, entre carros destruídos e corpos esquartejados pelo chão, e o trajeto deles culmina no encontro com os canibais na floresta, detalhes que antecipam características dos filmes apocalípticos de George A. Romero. É o mais buñuelesco dos filmes de Godard, descendente direto dos anjos exterminadores do demônio espanhol, mas ainda assim é essencialmente Godard. Os personagens possuem a vastidão da estrada à disposição, mas não saem do lugar, pois estão presos a uma realidade da qual não conseguem escapar. Pode parecer improvável uma síntese entre Buñuel e Romero, mas se existe algo que deve se filmar em cinema, esse algo é o que Godard filma aqui: o impossível. A distribuidora Cinemax também tem lançado outros títulos do cineasta nos últimos meses.