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Grandes Filmes Perdidos da Boca Before XXX

Por Matheus Trunk

Muitas pessoas pensam que o cinema da Boca do Lixo só produziu pornochanchadas. Trata-se de um grande erro. Durante a segunda metade dos anos 70 e início dos 80, a produção paulista foi bastante diversificada. A chegada do filme de sexo explícito desencadeou o final desta indústria cinematográfica.

Dos diretores que aderiram aos filmes hardcore, muitos permanecem esquecidos. Porém, antes de aderirem ao gênero, vários deles fizeram filmes diferentes e originais. Esta lista reúne parte desta produção, que permanece esquecida

E Ninguém Ficou em Pé, de José Vedovato (1973)
Nos anos 70, os spaghetti westerns faziam grande sucesso nos cinemas. Isso levou os cineastas paulistas a fazerem vários exemplares do gênero. Em 1975, o ex-cenógrafo José Vedovato (1921-?) dirigiu uma sátira aos faroestes. Comédia rodada em uma cidade cenográfica, E Ninguém Ficou Em Pé detinha personagens inusitados como Flic, Floc, irmãos Tropeço e Orelha de Lata. Segundo o Anuário em Close-Up, o filme teve em seu lançamento um total de 7155 espectadores.

O Menino Jornaleiro, de Alcides Caversan (1980-82)
Alcides Caversan (1944-) foi técnico e diretor de fotografia em alguns filmes da Boca. Trabalhou com Rubens da Silva Prado, Agenor Alves, Edward Freund, José Adalto Cardoso, entre outros. Chegou à direção cinematográfica no início dos anos 80 com o drama rural O Menino Jornaleiro, que contava no elenco com a dupla Tonico e Tinoco. O filme era baseado numa música dos artistas. Tentando fazer apelo da fita com o público caipira, a gravadora Chantecler chegou a lançar um LP com a trilha sonora desta película.

A Igrejinha da Serra, de Henrique Borges e Alberto Rocco (1979)
Pouca gente sabe, mas existia realmente todo tipo de produtor na Boca do Lixo paulistana. Alguns realmente amavam a sétima arte e a cultura, outros queriam tornarem-se famosos e muitos somente queriam ganhar dinheiro. Natural de Rio Verde, interior de Goiás, Alberto Rocco (1947-), sempre fez um cinema sertanejo em sua terra natal. Ingressou na Boca para realizar este A Igrejinha da Serra, drama romântico católico, que foi inteiramente filmado em Goiás com técnicos paulistas. A direção de fotografia e co-direção do filme ficou com o experiente Henrique Borges (1943-).

Terra Quente, de Custódio Gomes (1976)
Natural de Lins-SP, Custódio Gomes (1942-) foi um dos nomes mais ativos do período explícito da Boca. Para a Alfa Filmes, dirigiu diversos títulos como Aberrações Sexuais de Um Cachorro; Meu Cachorro, Meu Amante (ambos com o astro Bernardão) e gozou Spielberg com Etesão. Porém, antes de toda a safra XXX, Custódio dirigiu dois westerns. O primeiro foi completamente rodado em preto-e-branco, Meu Filho, Cruel Aventureiro (1969). Porém, o que teve maior dificuldade de produção foi este Terra Quente. “Misturava índio, cowboy, tudo num filme só. Tivemos muitos problemas com falta de grana. Nós levamos cerca de cinco anos para terminar esse filme. Para você ter idéia, a gente não teve assistente, eletricista, nada. Eu e o Custódio fizemos toda a parte técnica”, explica Dionísio Tardoque, diretor de fotografia e assistente de direção neste filme. Terra Quente chegou a ter seu roteiro publicado como livro pela lendária revista Cinema Em Close Up, em que Custódio era fotógrafo.

Casais Proibidos, de Ubiratan Gonçalves (1981)
Paulistano, Ubiratan Gonçalves (1938-1997) iniciou sua carreira como ator no rádio. Nos anos 50, já estava na TV Tupi, trabalhando principalmente com humor. Segundo seus familiares, Ubiratan chegou a ser conhecido como uma espécie de Jerry Lewis brasileiro. Aventurou-se no cinema, tornando-se uma figurinha carimbada no “quadrilátero do pecado”. Este Casais Proibidos é um drama erótico com roteiro assinado pelo ex-professor de inglês Russel da Silva Ribeiro, conhecido pelo pseudônimo de Julius Belvedere. De formação intelectual, Belvedere participou da fundação do PDT (Partido Democrático Trabalhista) e foi amigo de personalidades como Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Segundo ele, o filme apresenta três casais que possuem relacionamentos que não são aceitos pela sociedade.

João de Barro, de Rafaelle Rossi (1978)
O italiano Rafaelle Rossi (1938-2007) tornou-se nacionalmente conhecido com o sucesso comercial do clássico Coisas Eróticas, o primeiro filme hardcore tupiniquim. Mas Rossi sempre foi um cineasta de diversos gêneros, trabalhando para um público popular. Explorou o mistério em O Homem Lobo e Seduzidas Pelo Demônio, a comédia erótica em Roberta, a Moderna Gueixa do Sexo e chegou a flertar com o faroeste comédia com Pedro Canhoto, o Vingador Sexual. Porém, dentro da filmografia de Rossi, um filme merece destaque. Drama sertanejo completamente rodado em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, João de Barro é um título que sempre ficou esquecido. Uma mostra sobre cinema paulista poderia incluir este título para finalmente vermos este filme. O realizador italiano falou sobre esse filme numa reportagem da edição 158 da revista Ele Ela, em 1982: “João de Barro, de censura livre, estrelado candidamente por sua própria esposa e que até hoje não conseguiu exibidor. Rossi diz numa única frase: - O povão quer mesmo é sacanagem”.

Nós, os Amantes, de Wilson Rodrigues (1979)
Com seu jeito intelectual, o mineiro Wilson Rodrigues (1953-) iniciou-se na carreira artística na televisão como ator e técnico. Com um esquema de escola de atores, chegou à direção cinematográfica. Em 1979, lançou este Nós, os Amantes com um elenco encabeçado por nomes conhecidos do cinema da Triumpho como Heitor Gaiotti e Walter Portella. Apesar disso, a película recebeu péssimas críticas em seu lançamento. “É uma realização que não se justifica. Faltam condições mínimas que tornem ao filme assistido. Primário sob o prisma técnico, é ainda pior no argumento que beira o ridículo e cultiva todos os chavões e lugares comuns conhecidos.” (Jornal do Brasil, 08/06/1979). “Ninguém, neste filme sabe qualquer coisa. O argumentista apresenta um enredo atrasado do meio século. O roteirista não sabe escrever e o nível dos diálogos que inventou é zero.” (O Globo, 05/06/1979).

Transa Brutal, de Diogo Angélica (1981)
O gênero policial foi explorado por diversos cineastas da Boca como Tony Vieira, Francisco Cavalcanti e Clery Cunha. Antes de ingressar nos filmes de zoofilia, o sumido Diogo Angélica (1949-) dirigiu um interessante filme no gênero. O argumento era bastante original: um ônibus de um conjunto musical é seqüestrado por uma gangue após uma apresentação. Mas não se trata por uma quadrilha comum. Ela é chefiada por um surdo-mudo mendigo (?), que se passa por informante da polícia. Transa Brutal foi lançado no momento em que os filmes de sexo começaram a dominar nossas telas. Uma pena, pois poderíamos ter mais um diretor de filmes de gênero de real talento.

O Poder do Desejo, de Salvador do Amaral (1975)
Salvador do Amaral (1938-) foi outra cria de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Com seu mestre, Salvadorzinho trabalhou como ator, cenógrafo, eletricista e maquinista. Depois, seguiu a carreira de técnico e foi diretor de fotografia de filmes de realizadores como Francisco Cavalcanti e Raffaelle Rossi. O primeiro filme de Amaral como diretor é um inusitado faroeste (O Poder do Desejo) rodado em Adamantina, no interior de São Paulo. Apesar de contar com produção de Cassiano Esteves e da poderosa Marte Filmes, o elenco não conta com nenhum nome conhecido.

O Dia das Profissionais, de Rajá de Aragão (1976)
Rajá de Aragão (1938-) é um dos nomes do cinema paulista que ainda esperam algum reconhecimento e estudo a respeito. Brilhante intelectual, segundo seus contemporâneos tinha grande habilidade no desenho, principalmente em imitar a assinatura de amigos e de pessoas alheias. No cinema, se impôs como roteirista de qualquer tipo de filme, sendo sempre muito próximo ao diretor, produtor e ator Tony Vieira. Bastante estimado entre seus colegas, Rajá dizia ter sido influenciado pelos roteiristas americanos Dalton Trumbo e Carl Foreman. Ao todo, ele dirigiu três fitas, tendo como primeiro trabalho O Dia das Profissionais, um inusitado filme policial lançado em 1976. Baseado na peça de teatro Anjos da Noite, de autoria de Mauri de Queiroz (o Tony Vieira), o filme abordava o comércio ilegal de pedras preciosas. No elenco, grandes nomes como Dionísio Azevedo, Walter Portela e a musa Arlete Moreira. Na parte técnica, fotografia de Pio Zamuner, montagem de Walter Wanny e trilha sonora do maestro Agostinho Zaccaro, lendário nome da comunidade italiana de São Paulo. O grande problema é conseguir ver este filme. Infelizmente, a cópia ninguém sabe, ninguém viu.




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