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Carta ao leitor.

Cinema Marginal, underground, udigrudi, de invenção, do lixo, cine-poesia, cinema atormentado e tantos outros nomes deram a esse tipo de cinema feito no Brasil, no final dos anos 60 e começo dos 70, que era irreverente, debochado, antropofágico, de montagem não-linear e desprendido de uma clara linha narrativa. Eram filmes contraculturais, surgidos da Tropicália e de Oswald de Andrade. Na Zingu!, já tratamos de alguns cineastas que flertaram ou tiveram filmes integrantes dessa estética (Ivan Cardoso, Ozualdo Candeias, Jairo Ferreira e José Mojica Marins). Com a edição 33, nos entregamos novamente ao movimento, menos em decorrência do importante trabalho da Heco Produção e da Lume Filmes, de recuperação e lançamentos desses filmes DVD, e mais da importância de resgatar alguns nomes esquecidos, principalmente pela curta carreira cinematográfica. Nessa edição, falamos da marginália baiana, com Dossiê André Luiz Oliveira e o Especial Cinema ‘Marginal’ Baiano, focado em Álvaro Guimarães. Nas próximas edições, traremos outros nomes.

É um tanto difícil de compreender porque a memória do cinema nacional seja tão curta, e se relegue a algumas produções e profissionais. Falar genericamente de cinema nacional, que não sejam as comédias atuais, as globochanchadas, termo cunhado por Guilherme de Almeida Prado, e os filmes de espetáculo da miséria, é falar de meia-dúzia de realizadores: Glauber Rocha e o Cinema Novo, Rogério Sganzerla e o Cinema Marginal, e o amontoado que são as chanchadas e as pornochanchadas. Há muito mais por trás, há muita gente que fez e faz cinema, com dificuldades. André Luiz Oliveira, em quarenta anos de carreira, fez 4 longas-metragens, sendo que o último, Sagrado Segredo, só foi exibido no Festival de Brasília do ano passado. Nem por isso deixou de marcar uma geração, com seu avacalhado Meteorango Kid, o herói intergalático.

Existem muitos cineastas perdidos na história, e creio que a recente valorização do cinema brasileiro seja a melhor maneira de colocá-los em seu devido lugar, devemos dar-lhes o valor merecido. Não só através da internet, com publicações, sites e blogs, com pessoas que se debruçam sobre o assunto e dão depoimentos significativos, mas também a possibilidade de ver impresso livros como os dois Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antonio Leão da Silva Neto, que fez um precioso levantamento dos curtas, médias e longas-metragens produzidos no Brasil – e que acabou de lançar a segunda edição, atualizada, do livro sobre Longas-metragens. Nessa mesma década, foi lançado a Enciclopédia de Cinema Brasileiro, organizada por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda. Fora toda Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

O que tentamos fazer na Zingu! é um começo, uma tentativa de resgate e de memória: devolver a importância de fazer cinema no Brasil. Existem muitas pessoas preocupadas com o que se produz agora, e de fato, tem sua importância – sem a reflexão sobre o novo, não teríamos como olhar o passado -, mas parece-se esquecer do que veio antes. Relembrar o que já foi feito é muito importante. Sinto uma grande falta de ver um curso livre sobre cinema nacional – se não fizer faculdade de cinema, que tem aulas curtas sobre o assunto, o meio é a auto-suficiência, pesquisar por conta, buscar filmes, livros sobre a cinematografia tupiniquim. Nesse intuito, existe a Zingu! – e espero que o leitor aprecie o conteúdo, que além do cinema nacional, tenta trazer textos sobre filmes obscuros e agora fazer a memória do atual, do factual e pontual, com a coluna Lançamentos.

Importante é dar-se conta de que há muito a ser feito, e muitos personagens deixados para trás devem ser trazidos para o hoje, tendo filmes revistos e reavaliados, com distanciamento histórico. A marginália obscura é uma delas. Revivamos a memória do nosso cinema.

Gabriel Carneiro
Editor-chefe da Zingu!



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