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Dossiê André Luiz Oliveira

Entrevista com André Luiz Oliveira

Parte 3: A Lenda de Ubirajra e o afastamento do cinema

Por Gabriel Carneiro
Fotos: Dênis Arrepol

Zingu! - Por que resolveu filmar uma obra de José Alencar?

André Luiz Oliveira - Porque ele é louco, é rejeitado pela elite cultural brasileira, porque gostei do seu texto, porque vi nos seus livros algo profundamente popular, porque ele fala metaforicamente de arquétipos coletivos relacionados à origem da raça brasileira, porque fiz uma viagem ao Amazonas de carro em 1971, porque queria fazer algo diferente do que esperavam de mim, porque queria fazer algo diferente para mim mesmo.

Z - Por que o interesse especial pelas raízes brasileira?

ALO - Depois de Meteorango e as conseqüências da vida que estava levando, eu precisava aterrissar, precisava de chão, de raiz. Eu estava inteiramente envolvido com o consumo de drogas e sentia necessidade de parar para preservar a minha vida. Precisava me afastar do Rio de Janeiro, onde morava, e as filmagens de Ubirajara no Rio Araguaia, em Goiás, me ajudaram nesse sentido. Eu era um sobrevivente do apocalipse e fazer este filme no interior do Brasil me propiciava um reencontro comigo mesmo, com a natureza, com o índio, com minhas crenças, com tudo isso.

Z - Como nasceu a idéia de filmar A lenda de Ubirajra?

ALO - Nasceu de uma viagem de carro que fiz com meu pai para o Amazonas em 1971. A viagem foi uma estratégia do meu pai para nos reaproximarmos, após sérios conflitos e impossibilidade de comunicação - afinal eu estava mergulhado em drogas. A primeira e mais importante coisa que aconteceu foi a nossa reconciliação. Isto quer dizer que integrei partes fragmentadas de mim mesmo e tive a chance de começar uma nova etapa de vida, mais maduro, mais apaziguado interiormente. Outra coisa foi vivenciar “in loco” a exuberância da floresta amazônica e sentir a importância vital e curativa da natureza. Descobri uma parte de mim e do Brasil até então desconhecidas, eu que combatia o Brasil grande (dos militares) e as relações familiares ‘esquizofrenizadas’ pela sociedade. Foi um momento de reencontro pai e filho, homem e natureza, vitais naquele momento.

Z - Por que filmar usando a língua indígena? Quais as dificuldades disso?

ALO - Era mais verdadeiro. Foi uma sugestão de um cineasta latino-americano radicado no Brasil desde sempre chamado Lionel Luccini. A filmagem em língua Macro-Gê Karajá foi o de menos. Tudo foi difícil em A Lenda de Ubirajara. Não houve preparação nenhuma, além de na época não haver pessoas especializadas como temos nos filmes de hoje, eu apenas instruía o que eu queria e saia filmando na intuição. Era tudo muito precário, porém repleto de criatividade e magia.

Z - Quais as diferenças de um filme financiado pelo seu pai e um pela Embrafilme?

ALO - Nenhuma.

Z - Por que passou 19 anos sem filmar um longa?

ALO - Foram muitos os motivos e estão sendo enumerados, em detalhe, no meu próximo livro, Sagrado Segredo, ainda sem previsão de publicação, pois estou sem tempo para terminá-lo - escrevi 70% e a cada dia aumenta mais. Não queria mais ser cineasta, queria mudar, mudar de vida, de rótulo, de profissão, me libertar, buscar novos horizontes. Porque meus esforços não foram suficientes para produzir novas oportunidades de realização de filmes, ou seja, eu já não estava me empenhando com a energia necessária. Porque eu queria me conhecer melhor, me ver em outras atividades, desenvolver outros talentos como a música, por exemplo. Porque me dediquei com grande intensidade à educação da minha filha e não sobrava tempo para projetos cinematográficos, que são muito absorventes. Enfim, porque estava conectado com uma escola de autoconhecimento e desenvolvimento espiritual que descobri ser muito mais importante do que filmes e outras atividades do gênero.

Z - Por que o espiritual tem grande importância a você?

ALO - Poderia lhe explicar de vários pontos de vista e a partir de níveis de consciência diferenciados. Mas levaria muito tempo, todo o livro Sagrado Segredo é para falar exatamente disso. Então, a sua pergunta vai estar respondida na íntegra e disponível no lançamento do livro.

Z - Você manteve contato com essas pessoas de cinema próximas a você após seu afastamento da área?

Não mantive contato com nenhuma dessas pessoas, nem com nenhum cineasta durante o meu prolongado afastamento. A maioria dos novos baianos eu não vi mais, até hoje. Quando, por sobrevivência, estive dirigindo comercias para TV na década de oitenta, reencontrei um grande amigo dessa época, o diretor de fotografia Luiz Carlos Saldanha, e daí em diante passamos a trabalhar juntos nesses comerciais. Outro que também mantive contato na década de oitenta e mantenho até hoje é o montador de todos os meus filmes, com exceção de Meteorango, Amauri Alves.

Z - Por que mudou para o vídeo no meio dos anos 80?

ALO - Não mudei nada, fiz o Louco por Cinema na década de 90 em 35mm. O que aconteceu foi que achei e acho muito chato batalhar grana para fazer filmes. O vídeo é mais prático, barato e imediato. Nunca freqüentei festivais com curtas-metragem, nem com vídeos - os fazia para não perder o contato definitivo com a criação da imagem, ou porque estava envolvido, ou apaixonado por um assunto e a seqüência lógica era fazer algo em imagem. Dia de Iemanjá, por exemplo, foi feito pela paixão e pela necessidade de estar próximo da cultura afro-baiana; Astrologia, pela paixão pela astrologia, assim como Yoga para principiantes foi pela paixão pela yoga. Antena da Raça foi a paixão por Fernando Pessoa, e assim por diante.

Z - O cinema sempre foi secundário para você?

ALO - No início não, era uma prioridade compulsória. Mas quando descobri que desejava desenvolver outras atividades, comecei a desmobilizar esse sujeito. Hoje não o priorizo, mas ele está sempre presente.

Z – Como você entrou para a Casa de Imagens?

ALO - Entrei na Casa de Imagens convidado pelo Carlão Reichenbach. A minha participação foi igual a de todos os componentes - Júlio Calasso, Inácio Araujo, Guilherme de Almeida Prado, Andrea Tonacci, Carlão e eu. Fizemos um projeto juntos, que era de uma idéia original do Carlão de fazer seis longas-metragens seguidos, quase com a mesma equipe, cada um fazendo uma função no filme do outro. Essa simultaneidade baratearia a produção e poderia viabilizar os filmes num momento em que a produção brasileira estava parada. Escrevemos o projeto e aprovamos na Embrafilme. Cada um escreveu três argumentos, e, no nosso projeto, entre os 18 argumentos um seria escolhido para ser filmado. Todos entramos no edital da Secretaria de Cultura de SP - Primeiro Projeto de Cinema Paulista. Escrevi o roteiro de uma história minha chamada A Alma que tirou o corpo fora. Eu e o Guilherme conseguimos ganhar o edital. A idéia da Casa de Imagens, leia-se de Carlão, era ótima, mas infelizmente no nosso grupo só tinha realizadores e ninguém de produção, e a coisa desandou e tivemos que fechar as portas. Foi uma vida curta que rendeu duras experiências e solidificou boas amizades.

Z – Por que não filmou A Alma que tirou o corpo fora?

ALO - Não filmei devido ao fechamento da Embrafilme. Quando acabou a Embrafilme, acabou o convênio com o Governo Paulista, através do qual eu tinha ganhado um concurso de roteiro para fazer o filme. Não filmei porque o filme era um pouco caro e o dinheiro não era suficiente, mas com parte desse dinheiro filmei Louco por Cinema em Brasília, que era mais barato.

Z - O que te levou a Brasília? Fixar residência lá?

ALO - Um dos motivos foi o desencanto com a vida urbana das grandes cidades como São Paulo, onde vivia - moro numa chácara a 20 km do Plano Piloto. Outro motivo foi a percepção profunda de que tenho necessidade de uma vida contemplativa e silenciosa. É assim que me sinto feliz e criativo. Sem falar nas qualidades do ar e da natureza. Em Brasília, encontrei o lugar ideal para viver.


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