html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Dossiê André Luiz Oliveira

Meteorango Kid, O Herói Intergalático
Direção: André Luiz Oliveira
Brasil, 1969.

Por Filipe Furtado especialmente para a Zingu!*

Bem no começo de Meteorango Kid, nosso herói Lula acorda e aponta o dedo para câmera reclamando: “tira isto daqui!”. É um momento que diz muito sobre o que o torna um filme especial, mas não é a óbvia quebra da quarta parede que nos delicia, mas o que se segue: André Luiz Oliveira corta para um ângulo de câmera do lado oposto do quarto revelando-o na sua extensão e claro sem nenhuma câmera presente no rosto de Lula. É um corte simples, básico até, mas neste movimento de validar a vontade do seu personagem, o filme nos ganha e garante que estamos diante de um objeto audiovisual incomum.

A verdade é que não há no cinema brasileiro qualquer filme como Meteorango. Claro que temos outros filmes tão irreverentes quanto, mas há uma exuberância própria em Meteorango Kid. Diante de um Bang Bang ou um A Mulher de Todos, a irreverência surge numa outra chave, é quase um distanciamento do cineasta, Meteorango não, está ali ao lado do seu jovem protagonista, num pacto com ele a cada momento, seja este de curtição ou de completa crueldade e o filme é refrescante entre outros motivos porque estes dois movimentos são contínuos, sem nenhuma grande diferenciação entre eles.

E está aí o grande desafio de escrever sobre esse filme: eu poderia passar parágrafos falando sobre tropicalismo e antropofagia, Caetano e Oswald, Glauber e Sganzerla e tudo faria sentido, mas ao mesmo tempo seria uma quase traição ao filme. Ao que ele tem de único, que é a energia que parece pulsar de cada plano. Meteorango Kid é o único filme do cinema brasileiro que parece existir no mesmo plano dos primeiros longas de Marco Bellocchio e Nagisa Oshima, ratos de cinemateca que aplicavam a gramática do cinema moderno para filmes jovens e de uma crueldade juvenil.

Os primeiros filmes de Bellocchio, em especial, têm uma semelhança muito forte com Meteorango Kid, o herói intergalático na maneira como a forma do filme parece gritar contra todo um peso sócio-familiar. São filmes que parecem partir da mesma pergunta – feita em tom raivoso – “como conciliar minha posição de artista progressista quando venho de um meio tão arcaico?”. Só que André Luiz Oliveira cultiva uma energia de filme B totalmente alienígena ao cineasta italiano. Parte do charme de Meteorango é que por vezes pensamos que poderia mesmo se tratar de um filme da AIP, menos pela forma ou conteúdo, mas pelo tom. Muitos destacam que as fantasias de Lula incluem Tarzã e Batman, mas isso entra no filme menos através de algum tipo de desconstrução, mas porque são mesmo parte do universo que o cineasta, seu protagonista e seu filme saboreiam.

Se há algo que diferencia Meteorango Kid de, por exemplo, Bang Bang é que sua câmera parece sempre estar ali na primeira pessoa. Vendo o filme nunca temos dúvidas de que André viu a O Bandido da Luz Vermelha e disse “ok, agora vou pegar aquela mesma câmera e filmar os meus amigos”. Ao longo de todo o filme a câmera parece sempre em sincronia com Lula, íntima dele e do seu mundo, seja nos momentos reais, seja nas fantasias - e não faz muito sentido tentar diferenciá-los. O espaço cênico do filme parece sempre em constante mutação, acompanhando os humores de Lula – herói, mártir, sonhador, piadista, etc. – e o filme o acompanha sempre. É raro vermos um filme tão apegado à sua figura central e ao mesmo tempo tão relaxado e seguro.

Meteorango Kid não é um filme tão encoberto de glórias como outros contemporâneos seus, mesmo entre os filmes do tal “Cinema Marginal”, mas sempre que indico para algum amigo, ele não falha: dias depois o sujeito agradece e diz que nunca teria o descoberto sozinho. É um filme por demais contagiante para não envolver o espectador e sua posição relativamente marginalizada só se explica por Oliveira não ter uma obra extensa reconhecível como Sganzerla, Bressane, Carlão, etc. Os seus filmes posteriores têm muitos méritos, mas não se alinham perfeitamente como Meteorango. Percebo agora que Meteorango Kid completa 40 anos, é estranho constatar isso, o mais honesto elogio que cabe a ele é justamente constatar sua eterna adolescência.

*Filipe Furtado é crítico de cinema. Foi editor da Paisà e crítico da Contracampo, e atualmente pode ser encontrado na Cinética e em seu blog, Anotações de um Cinéfilo.




<< Capa