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Dossiê André Luiz Oliveira


A Lenda de Ubirajra
Direção: André Luiz Oliveira
Brasil, 1975.

Por Sergio Andrade

O segundo longa-metragem de André Luiz Oliveira foi uma adaptação do romance indianista de José de Alencar, Ubirajara. Ao contrário de O Guarani e Iracema, aqui Alencar abordava o período pré-cabralino, indo à procura de nossas raízes mais profundas.

Na trama, Jaguaré é um jovem caçador da tribo araguaia, que precisa derrotar um inimigo para alcançar a condição de guerreiro. Em suas andanças ele acaba encontrando Araci, filha de Itaquê, chefe dos tocantins. Jaguaré se apaixona por Araci, mas ela foge dele. Logo em seguida ele encontra o forte Pojucã e os dois se enfrentam numa luta corporal das mais acirradas, afinal vencida por Jaguaré, que passa então a se chamar Ubirajara. Ele faz de Pojucã seu prisioneiro, e consegue a permissão de Itaquê para disputar a posse da virgem Araci num combate nupcial. Ubirajara vence a disputa, mas o que ele não sabia é que Pojucã era irmão de Araci, e agora terá que declarar guerra aos tocantins para poder ganhar o amor de sua amada.

Claro que, como um verdadeiro autor, Oliveira tomou várias liberdades em sua adaptação. Para começar, ele evita tanto uma visão romântica dos indígenas, como vista nas várias adaptações de O Guarani (desde o cinema mudo, passando por uma dirigida pelo italiano Riccardo Freda (!) em 1950, outra feita na Boca do Lixo, com direção de Fauzi Mansur e tendo David Cardoso no papel de Peri (!!), até a absurda versão de Norma Bengell com Márcio Garcia (!!!), um dos maiores fracassos de nosso cinema), ou de Iracema (duas versões de Vittorio Capellaro no mesmo ano, 1919; uma em 1931; outra em 1949, marcando a estréia de Ilka Soares no cinema, aos 17 anos, com direito a um banho de rio completamente pelada que causou o maior alvoroço na época; e a última de Carlos Coimbra, com a rainha das pornochanchadas Helena Ramos na pele da virgem dos lábios de mel). Oliveira evita também fazer uma leitura antropofágica da obra, não seguindo o exemplo de Nelson Pereira dos Santos em Como era Gostoso o meu Francês.

Apesar do acréscimo de “A lenda de...” no título, o filme adota uma, digamos assim, visão mais realista dos fatos. Os diálogos são no dialeto carajá, com legendas em português. Há uma preocupação quase antropológica em retratar usos e costumes de nossos primeiros habitantes.

Mas, acima de tudo, o que mais salta aos olhos é o modo poético em que Oliveira utiliza para nos contar essa lenda. Cores, sons e silêncios da floresta, a própria sonoridade das palavras, a pintura nos corpos e o gestual dos atores, todos esses elementos são trabalhados de forma arrebatadora. Para usar um exemplo bem claro ao leitor, poderíamos dizer que o estilo de A Lenda de Ubirajara se assemelha aos filmes de Terrence Malick, como Terra de Ninguém e Cinzas no Paraíso. Mas vejam bem, isso apenas como uma aproximação, não queremos dizer que Oliveira tenha se inspirado em Malick, mesmo porque ele não precisa disso. O que importa é que o filme tem força própria, sem deixar de lado os experimentalismos do diretor (inclusive com uma polêmica sequência passada em Brasília).

Belo filme, talvez o melhor já feito sobre nossos índios.



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