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Outros Lançamentos: Cinema & DVD
Por Vlademir Lazo Correa

Cinema

O Guerreiro Genghis Khan
Direção: Sergei Bodrov
Mongol, Cazaquistão/ Rússia/ Mongólia/ Alemanha, 2007, Europa Filmes.

Superprodução asiático-européia de duas horas de duração com aparência de épico hollywoodiano, mas muito bem-cuidada e produzida. Uma envolvente reconstituição de um período histórico no século XII em torno da figura do príncipe Genghis Khan, que, quando menino, tem o seu pai assassinado e o seu trono usurpado pelo próprio irmão, vivendo os anos seguintes escondido até que volta para recuperar o seu reino e reencontrar a garota que desde criança estava prometida para ser sua noiva. A trama está imbuída de valores universais como disputas pelo poder, traições, guerras e vingança, além de não perder muito tempo com uma relação amorosa que oportunamente é relegada a segundo plano durante a maior parte da projeção. Indicado ao Oscar de filme estrangeiro, o diretor Sergei Bodrov prefere contar apenas a ascensão de Khan, que, mais tarde, depois de unificar as tribos mongóis nas estepes, conquistaria meio mundo, tornando-se dono do império com o maior território do planeta. Não está entre o que de mais interessante tem vindo do cinema asiático nos últimos anos, mas possui um excelente ritmo, nem tão apressado e veloz quanto os mais insípidos espetáculos de ação de Hollywood ao qual estamos acostumados, e nem morno e arrastado como alguns épicos que resultam mais chatos e pouco eficazes.

Horas de Verão
Direção: Olivier Assayas
L’heure d’été, França, 2008, Filmes da Mostra.

A repercussão dos recentes thrillers cibernéticos Demonlover (2002) e Boarding Gate (2007) entre muitos cinéfilos pareceu associar Olivier Assayas a uma insuspeita tradição de filmes de gênero (com influências de David Cronenberg e Abel Ferrara), o que pode pegar de surpresa o público que conheça o cineasta apenas por alguma dessas obras diante desse Horas de Verão. No entanto, um olhar atento pode aferir que esse novo filme trata de temas semelhantes aos filmes citados mais acima, só que longe dos ambientes futuristas, concentrando-se numa casa de verão e em alguns lugares da vida urbana contemporânea (como restaurantes e museus, por exemplo), ou seja, numa linha de melodrama familiar que já é cara ao diretor em seus filmes bem mais antigos, mas sempre de maneira sóbria e fragmentada como lhe é de costume. Os temas são os ambientes neutros e assépticos, a diluição histórico-geográfica, a quebra das fronteiras internacionais, com cada um dos irmãos morando em países diferentes e afastados pelo mundo, em constantes deslocamentos geográficos e existenciais e que ocasionalmente se reúnem na casa de campo da matriarca da família, a artista Héléne (Edith Scob), e que se chocam com a passividade e indiferença dos mais novos imersos em realidades cotidianas e imaginário tecnológico típico desse começo de século - jovens que na cena final tomam conta da casa que está prestes a ser vendida para que se reparta a herança, numa festa com musica barulhenta e laptops que remete a outro dos filmes de Assayas: Água Fria (1994). Como se percebe, Horas de Verão é uma espécie de síntese da obra do diretor, e poderá ser mais apreciado por quem já o admira e é familiarizado com as suas obsessões, ou quem sabe então servir de porta de entrada para quem estiver disposto a adentrar e explorar o seu universo cinematográfico. É também um filme que cresce muito com as revisões.

Paris
Direção: Cédric Klapisch
Idem, França, 2008, Pandora.

Produção francesa cujo principal atrativo para o público cinéfilo é a presença de Juliette Binoche, em mais um trabalho de valor contando com a sua participação (ela também está em Horas de Verão). Ela é Élise, uma assistente social cujo irmão, Pierre, descobre-se com problemas no coração, precisando de um transplante para muito em breve. Por estar no limiar da morte, Pierre contempla com mais interesse as vidas de pessoas comuns que circulam nas redondezas do bairro em que vive, e o filme é o desenrolar de acontecimentos envolvendo essa meia dúzia de seres (entre os quais Pierre e a irmã), em trajetórias que por vezes se cruzam, mas geralmente se desencontram e se perdem. É um filme que transborda a magnitude da cidade-título, o que o transforma em uma fita saborosa, que nos diverte com os dramas ou os incidentes por vezes anedóticos das fatias de vida que apresenta, conseguindo manter um tom de alegria mesmo com a freqüente melancolia que constantemente permeia a obra. É mais indicado para quem simpatiza com os trabalhos anteriores do diretor Klapisch (Albergue Espanhol e Bonecas Russas), agora lidando com personagens de faixa etária mais adulta. Se por um lado o filme está muito longe de ser um tratado definitivo sobre as relações humanas na capital francesa (o que de certo nunca foi a sua finalidade ou pretensão), ao menos não compromete em momento algum. Um bom programa, desde que não se exija mais do que ele pode oferecer.

Tókyo
Direção: Michel Gondry, Leos Carax, Bong Joon-ho
Idem, França/ Japão/ Alemanha/ Coréia do Sul, 2008, Califórnia.

Três visões muito particulares da cidade de Tóquio, em um filme dividido em episódios dirigidos por cineastas de nacionalidades diferentes, cada um acrescentando o seu olhar de estrangeiro à metrópole japonesa. No primeiro segmento, Interior Designe (o mais fraco dos três), o francês radicado na América Michel Gondry (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças) conta uma história banal, que descamba para um surrealismo canhestro e sem sentido, em torno de um casal do interior que tenta se adaptar na cidade, e cujo marido busca o envolvimento com cinema, enquanto a mulher sente-se cada vez mais deslocada ao ponto de passar por uma verdadeira metamorfose. O segundo episódio, Merde, dirigido pelo também francês Leos Carax (Os Amantes de Pont-Neuf) consegue com muita mais eficácia inserir o fantasioso dentro do real, com um homem que vive nos esgotos subterrâneos e de lá sai para aterrorizar a população, numa mescla de contenção e exuberância visual que cativa facilmente, e cujo auge é o julgamento que se revela insólito e hilário como todo o segmento no geral. É o que mais se sai melhor na crítica à modernidade entrevista em cada um dos episódios. O terceiro e último, Shaking Tokyo, concebido pelo coreano Bong Joon-ho (O Hospedeiro), também é bastante feliz ao contar sobre um rapaz que vive isolado na própria casa sem manter contato com ninguém (só por telefone) e evitando enxergar quem quer que seja, até o dia em que encomenda uma pizza, e se apaixona pela entregadora, saindo atrás dela após um terremoto, numa abordagem minimalista e sensível que, se não tem o impacto do segundo episódio, ao menos fecha dignamente o longa-metragem. O filme está previsto para estrear no Brasil nesse mês de julho, mas ainda sem data definida (ao menos até o fechamento dessa edição).

DVD

Bandeirantes do Norte
Direção: King Vidor
Northwest Passage, EUA, 1940, New Line Home Video.

Infelizmente já faz um bom tempo que as distribuidoras majors (Warner, Columbia, Paramount, Fox, etc.) perderam o interesse em continuar lançando dvds de clássicos da era de ouro da Hollywood, dos anos 30 aos 50, o que torna ainda mais oportuno o lançamento dessa aventura colonial à moda antiga, filmada em Technicolor. O filme narra a história de um grupo de bandeirantes ingleses encarregados de uma expedição militar que atravessa as selvas rumo ao Canadá para liquidar uma tribo indígena aliada dos franceses e abrir caminho aos colonizadores para seguirem até o Pacifico e o Oriente, através da difícil passagem pelo Noroeste, em um território hostil disputado por ingleses e franceses. É uma visão um tanto pueril desse período histórico da exploração e formação do interior da América, porém o que interessa é o bom gosto e o refinamento de King Vidor para as composições visuais e o senso de aventura, nos rios cheios de corredeiras (incluindo uma grande cena em que empurram os barcos montanha acima), e nos vales e regiões pantanosos, acossados pelos soldados franceses, sem suprimentos e com a comida acabando, mais traições entre colegas e outras adversidades que vão dizimando a tropa após vários combates e massacres, com os sobreviventes feridos e mutilados tentando chegar ao ponto de encontro com o exército inglês. Baseado em livro de Kenneth Roberts, foi planejado para ser rodado em duas partes, mas por ser um projeto caro demais, desistiram da continuação, que seria a parte da passagem do noroeste propriamente dita.

Blaise Pascal
Direção: Roberto Rossellini
Idem, França/ Itália, 1972, Versátil Home Vídeo.

Existem cineastas de renome que com o tempo vão se tornando mais lembrados por um ou dois filmes mais célebres, os quais não estão necessariamente entre os seus melhores trabalhos. É o que acontece com Roberto Rossellini, cujo filme mais visto e comentado é Roma, Cidade Aberta (o marco inicial do neo-realismo italiano, do que sobretudo decorre a sua fama para a posteridade), mas o qual o diretor excederia em muitas outras oportunidades, como na fase em que trabalhou com Ingrid Bergman, desde o encantador Stromboli, a extraordinária pureza de Francisco, Arauto de Deus (este sem Ingrid), o humanismo sem paralelo na história do cinema de Europa 51 e a obra-prima absoluta Viagem à Itália. Depois de outro período após a separação com Ingrid, descontente com os rumos da indústria cinematográfica, Rossellini decide se dedicar à televisão, realizando filmes para canais italianos e franceses, geralmente em torno de assuntos pedagógicos, históricos ou científicos, mas não de maneira didática, chata ou documental, e sim essencialmente cinematográfica, despindo seus filmes de floreios ou excessos, reduzindo-os apenas ao essencial. Blaise Pascal pertence a essa fase, em que, numa encenação belíssima, conta a trajetória do pensador francês, desde a sua genialidade precoce até a morte igualmente prematura, ilustrando o pensamento do século clássico, o momento em que a razão do homem, autônoma, sobrepõe-se às verdades da Igreja, descrevendo também, com austeridade e ternura, a humanidade do personagem. Nos extras do dvd, depoimento do prof. Franklin Leopoldo e Silva (USP). A Versátil também incluiu o dvd num box intitulado Os Filósofos de Rossellini, com mais três filmes (Sócrates, Santo Agostinho e Descartes).

O Curioso Caso de Benjamin Button
Direção: David Fincher
The Curious Case of Benjamin Button, EUA, 2008, Warner Home Video.

Um dos filmes mais discutidos do começo desse ano, aguardado com grande expectativa. À época da estréia, houve uma onda tão negativa por parte do público mais cinéfilo, que mesmo os que o haviam apreciado passaram a também, mais tarde, ignorá-lo solenemente. Uma adaptação bastante livre de um conto de F. Scott Fitzgerald, que se arrisca no perigoso terreno da fantasia, é também um verdadeiro olhar sobre o Tempo, os estragos e seus efeitos devastadores sobre a vida e os sonhos, os desejos e as ilusões, a coragem e a persistência, em torno de um casal perdido no desencontro de suas ordens cronológicas, que não podem se casar aos 20 anos, porque ele é velho demais para ela, e não podem aos 60, depois de todas idas e vindas da vida, porque ele é pouco mais que um garoto. Um romance digno de lenda e mitologia. Os dois primeiros terços confirmam David Fincher como um dos um dos grandes diretores do novo milênio, capaz de arquitetar uma sequência impressionante de cenas realmente memoráveis (ele é um dos poucos cineastas ianques atuais que consegue fazer um plano sem parecer acadêmico), mas quando o personagem principal chega à idade que bate com a idade real de Brad Pitt (em atuação segura), o encanto diminui e o filme se torna mais banal, devendo ter sido mais sucinto dali em diante - sintetizado através de elipses ou fusões que indicassem a passagem dos fatos, abreviando as situações seguintes em algumas poucas sequências -, mas ao invés disso o filme se estende por cerca de uma hora, criando uma nítida “barriga” que arranha, mas não apaga o brilho da obra. A lamentar também algumas das cenas do presente (com a voz irritantemente artificial de uma Cate Blanchet envelhecida e moribunda em seu leito de morte no hospital) e uma das cenas finais que praticamente reproduz um comercial publicitário qualquer, a que antecede o último plano (esse sim, belíssimo) da enchente invadindo o quarto que guarda um velho relógio cujos ponteiros se dirigem ao lado contrário. Por fim, acerca de tudo de bom e de ruim que se falou sobre o filme de David Fincher, resta deixar que o tempo, o elemento primordial de O Curioso Caso de Benjamin Button, se encarregue de reavaliar, para o bem ou para o mal, a sua importância para o cinema desse começo de século XXI.

O Espírito da Colméia
Direção: Victor Erice
El espíritu de la colmena, Espanha, 1973, Cinemax.

Belíssimo filme espanhol da década de setenta, pode-se dizer que é um filme político, que não resulta em um filme chato, porque o diretor Victor Erice constrói uma fábula que serve como metáfora política da Espanha da época, mas que funciona perfeitamente mesmo para os que não percebem ou não conhecem suas conotações políticas. O Espírito da Colméia é uma alegoria tão interessante, que funciona na própria lógica, como se a história fosse aquele absurdo mesmo, e é muito bem conduzido, um belo desenvolvimento do drama. Uma das primeiras cenas é sobre um bando de crianças assistindo num cinema ambulante ao clássico Frankenstein (1931), de James Whale. A história gira num vilarejo espanhol próximo do campo logo após a Guerra Civil Espanhola, e o centro do filme são duas meninas irmãs, ambas passando por uma fase de descoberta do mundo, que se fascinam com a projeção do filme de James Whale, em especial a garotinha Ana (interpretada por Ana Torrent), que insere a película como uma realidade alternativa em sua vida. A recente obra de Guillermo Del Toro, O Labirinto do Fauno, aproveitou muitas das idéias (e até cenas) dessa obra de Victor Erice para fazer um filme de terror com toques políticos. Em O Espírito da Colméia, realidade e imaginação se mesclam quando a garotinha Ana encontra no campo um homem desconhecido, um refugiado político, que é quando o paralelo com Frankenstein se torna mais forte e evidente. O filme de Victor Erice funde realismo mágico com a descrição da miséria e opressão que assolava o povo espanhol ainda marcado pelas feridas da Guerra Civil e que começava a encarar uma ditadura que se prolongaria por tempo indeterminado. Porém, bem mais do que a política, O Espírito da Colméia nos conquista mais pelo lirismo do que pelo terror, num filme que também é um dos que melhor capturaram a expressão poética e misteriosa do mundo infantil.

Leonera
Direção: Pablo Trapero
Idem, Argentina /Brasil /Coréia do Sul, 2008, Walt Disney.

Bom exemplar do cinema argentino, numa co-produção internacional (Walter Salles é um dos produtores). Julia é uma universitária condenada pela morte do namorado, que trouxera seu amante para morar em sua casa, num triângulo amoroso cujo fim se deu tragicamente, e que é por onde começa a penitência de Julia, encarcerada mesmo se dizendo inocente e se descobrindo grávida sem saber qual dos dois ex-companheiros é o pai da criança que nasce e com ela viverá na cadeia até completar quatro anos. O grande trunfo de Leonera é ser um filme que escapa de algo meramente banal. Narrado com câmera na mão, é uma produção realista que, mais do que se concentrar nos clichês do gênero, dedica-se ao processo de adaptação e amadurecimento da garota dentro do presídio, do qual desconhece quando poderá se encontrar livre. Uma crônica da vida por trás das grades, com uma ótica predominantemente feminina, e quase que um tratado sobre a maternidade, em torno de uma mãe que em certo ponto só tem ao seu bebê como companhia, e cuja falta poderá transformá-la em um animal feroz inconformada pela ausência de seu rebento. Há também uma discreta descrição dos relacionamentos amorosos que se formam entre as detentas, e as cenas em que Julia e sua companheira de cela se tocam e se beijam impressionam pela delicadeza. Em suma, um drama humano dentro de um filme de prisão, com uma temática não engolindo a outra, e sim com ambas se conciliando satisfatoriamente, tudo com admirável contenção e exatidão.

O Passageiro da Chuva
Direção: René Clément
Le Passager de la Pluie, França/ Itália, 1970, Wonder Multimídia.

Rene Clement (O Sol Por Testemunha) nunca conquistou a confiança absoluta da crítica internacional, pelo fato de que muitos não viam com bons olhos o que se enxerga como concessões comerciais em sua obra, mas poucos cineastas eram capazes de criar suspenses tão primorosos quanto esse O Passageiro da Chuva, que vem a calhar em ser também uma das melhores fitas estreladas por Charles Bronson. É um dos papéis mais bidimensionais do ator, que praticamente não pega em armas e, com exceção de uma única cena, não desfere socos em ninguém, apenas destila uma verve surpreendente e inesperada para os que nunca acreditaram em seus dotes interpretativos, numa performance mais calcada nos diálogos e no duelo de interpretações com a bela Marlene Jobert (Nous ne Vieillirons pas Ensemble), a verdadeira dona e alma do filme no papel de uma jovem e convencional mulher casada que depois de matar o estranho que a estuprou, esconde o cadáver pensando em se livrar do problema, mas é perseguida por outro homem misterioso (Bronson) que aparece repentinamente não se sabe de onde, por trás do qual parece haver grandes segredos e intenções ocultas e que diz saber do acontecimento e pressiona a mulher para que revele os detalhes que envolveram o crime. Ela se recusa a dizer o que houve, e o sujeito (que possui o que a protagonista chama de “sorriso sujo de gato”) não desistirá tão fácil, provocando o surgimento de um verdadeiro jogo de gato e de rato, que envolve também os familiares da mulher bem como a polícia e outras figuras que também estão relacionadas ao mistério do criminoso desaparecido. Um dos grandes trunfos desse thriller psicológico francês é o inteligente argumento e os brilhantes diálogos escritos por Sébastian Japrisot, autor consagrado de romances policiais.



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