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Retomada: começo e meio. Fim?

Por Madson Hudson Moares, especialmente para a Zingu!*

Que é verdade que o cinema nacional cresce, isso ninguém duvida. De 1997 a 2004, foram sete anos consecutivos de crescimento do público. Mas, ainda assim, menos de 10% dos municípios brasileiros tem salas de projeção - o estudo divulgado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2008 atesta que 91,3% dos municípios brasileiros não tinham nenhuma sala de cinema. Ainda por cima, a relação de salas por habitantes no Brasil é uma das mais baixas no mundo. Em 2006, existia uma sala para cada 91,9 mil habitantes, sendo que o ideal seria uma sala a cada 30 mil habitantes.

Números à parte, o fato é que grandes bilheterias como Cidade de Deus, Dois Filhos de Francisco e Se eu Fosse Você 2, só para ficar nesses três, deram novo fôlego à cinematografia do país. Prêmios e o reconhecimento mundial vêm no pacote, evidentemente. Mas, desde Carlota Joaquina – A princesa do Brazil, de Carla Camurati, tido como marco zero da retomada do cinema, questões sobre uma cinematografia verdadeiramente nacional voltaram à tona. Ou seja, existe um conjunto de filmes capaz de expressar uma nação inteira?

Truffaut diria que isso não existe, salvo raríssimas exceções. Talvez o cinema norte-americano, algumas produções locais específicas como as vanguardas russas, o neo-realismo italiano do período pós-Segunda Guerra Mundial, seriam circunstancialmente nacionais, por assim dizer. A analisar pelo rótulo Cinema da Retomada, logo percebemos a multiplicidade dos filmes. O próprio termo “Retomada”, em sua acepção, significa algo anteriormente interrompido e que teve seu processo reativado. Muito distante, então, das comédias populares da Atlântida, da ‘estética da fome’ dos cinemanovistas e dos filmes do Movimento Marginal na década de 1970. Resumo da ópera: não há uma posição ideológica definida, não existe um projeto para o cinema nacional, não há a união sob um signo estético ou temático. Retomada, acima de tudo, denota algo que vai. Saber para aonde, é o xis da questão.

Não custa lembrar que, no fim da década de 1970 e começo da década de 1980, entre 70 e 110 filmes eram lançados por ano. E logo após a extinção da Embrafilme durante o governo Collor, o baque final viria em 1994, quando apenas treze longas chegaram ao circuito nacional. Como já se disse, um ano depois o cinema nacional iria se reencontrar, mas esse reencontro se deu de maneira atrapalhada, confusa e experimental. Mas deu certo com Carlota Joaquina e isso não impediu que as diversas faces dos Brasis espalhados fossem representadas de lá para cá.

O cinema de hoje está mais preocupado em mostrar um determinado corte da realidade do que se unir sob algum conjunto preciso de regras. Revela-se grupos de operários, presos em situação desumana, seca no nordeste, tráfico de drogas, a corrupção viral das instituições do país, etc. Mais: não seria absurdo dizer que o cinema nacional que é feito hoje pode ser denominado como um cinema de nicho. Desenterra-se ou descobre-se uma fatia nunca ou pouco explorada no mercado cinematográfico, aposta-se e, caso seja de êxito comercial, trabalham-se as películas dentro desse prisma até esgotarem-se todas as perspectivas temáticas. Exemplos desse cinema de nicho seriam as comédias nacionais que ganham novo fôlego, assim como os filmes/documentários sobre personalidades artísticas que, muitas vezes, resgatam do ostracismo indivíduos que marcaram época seja em rebeldia ou polêmica. Arrisco-me citando o verbo esgotar tratando-se de cinema. A própria definição da palavra já inviabiliza a ideia de estatização porque cinema é, sobretudo, a relação imagem-movimento. O caso é que o cinema no Brasil está profissional – em todos os sentidos – como nunca esteve. A pergunta ainda é pertinente: se é Retomada, até quando? Seria esse período parte de um processo em busca de uma nova identificação para o cinema tupiniquim?

*Madson Hudson Moraes é poeta e jornalista pela Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo. Defende com unhas e dentes o cinema nacional.



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