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John Hughes (1950-2009)


Por Vlademir Lazo Correa

A morte do diretor e produtor norte-americano John Hughes é uma daquelas notícias que nos pegam de surpresa e desnorteiam a consciência cinéfila das gerações que cresceram e se tornaram adultos assistindo os seus filmes, fazendo repensar no quanto ele influenciou decisivamente no período de formação de tanta gente, não apenas nas clássicas exibições da Sessão da Tarde aqui no Brasil, mas também na programação vespertina de emissoras de TV pelo mundo inteiro (sem contar os sucessos de bilheteria nas estréias no cinema ou nos lançamentos em vídeo).

É difícil fazer um levantamento do que eram os filmes adolescentes antes do Hughes, mas pode-se dizer que, até os anos oitenta, muitas vezes o estilo era representado por comédias adultas como A Primeira Noite de um Homem, com um ator de trinta anos (Dustin Hoffman) fazendo o papel do rapaz recém-saído da adolescência. O subgênero começou a se delinear mais ou menos por volta de 1978, com o genial O Clube dos Cafajestes, de John Landis, que mostrava um bando de rapazes em uma república, entretanto, era um filme basicamente sobre anarquias, bagunças e zoeiras, e dali proliferou uma série de imitações que em uns cinco anos praticamente esgotaram o filão. Foi nesse período que John Hughes apareceu com o seu primeiro roteiro para o cinema, o do fraco A Reunião dos Alunos Loucos (1982), de Michael Miller, que inclusive era uma continuação do próprio O Clube dos Cafajestes, seguindo fielmente as pegadas do filme anterior. Em seguida diversificaria o seu trabalho como roteirista alçando vôos maiores com o script de Mr. Mom (1983), de Stan Dragoti, cujo roteiro trata com sensibilidade a relação entre marido e esposa numa família de classe média, mesclando com inteligência e bom humor observações sociais e psicológicas em um filme que rendeu mais de cem milhões de dólares no lançamento e foi tido como a melhor comédia do ano. Paralelamente, adaptando um conto de sua autoria, Hughes desenvolveu o roteiro de Férias Frustradas (1983), de Harold Ramis, que se tornaria uma das comédias mais populares do cinema contemporâneo, tanto que o fracasso de um outro filme com roteiro de Hughes, Piratas das Ilhas Selvagens (1983), de Ferdinand Fairfax (e estrelado por Tommy Lee Jones), não mancharia a reputação do talento emergente de Hughes, que possibilitou que a estréia na direção fosse o próximo passo em sua carreira.

Era natural que Hughes estreasse como diretor em uma comédia para adolescentes, mas se por um lado o gênero àquela altura estava desgastado com as incontáveis imitações de O Clube dos Cafajestes, por outro era sinônimo de variações ainda mais escatológicas, como os exemplares grosseiros da série Porky’s, em que com muita irreverência e deboche, baseava-se nas humilhações que os mais fortes impingiam ao tirar vantagem dos mais fracos e ingênuos. Foi com um contraponto sensível a esse tipo de abordagem que Hughes revolucionou o gênero e surpreendeu com toda a originalidade do seu primeiro filme, Gatinhas e Gatões (1984), um belo retrato do universo jovem, em torno da decepção de uma garota sonhadora da qual ninguém se lembra do aniversário de dezesseis anos e ao mesmo tempo em que o rapaz por quem ela está apaixonada nem toma conhecimento de sua existência, num papel defendido com muita garra pela sua descoberta Molly Ringwald, que fugia dos padrões de gostosura que começavam a virar tendência na épica, porém virou estrela da noite para o dia com esse filme e capa da revista Time, que apelidou Hughes de o “Steven Spielberg das comédias adolescentes”. A confirmação do cineasta como um gênio para esse tipo de filme veio com O Clube dos Cinco (1985), sua obra-prima, em que evidenciou ainda mais o dom para criar o diálogo realista e natural de uma geração e de como ela realmente fala e pensa, num filme que aposta em tiradas inteligentes em vez de ação ou estripulias, concentrando em uma biblioteca todos os arquétipos mais básicos da adolescência, sob o olhar vigilante de um professor recalcado e severo. Foi o auge do retrato das angustias existências do adolescente dentro do cinema americano, além de ter destacado um ótimo elenco jovem, entre os quais os atores-fetiches do diretor nessa época, Ringwald e Anthony Michael Hall.

Foi com esse último que Hughes faria o seu terceiro filme, o surrealista e fantasioso Mulher Nota 1000 (1985), esculachado pela crítica na época de lançamento, porém uma das mais engraçadas comédias de todos os tempos, na qual os temas habituais do diretor mais uma vez se fazem presentes de maneira marcante: os adolescentes frágeis e inseguros que triunfam sobre a estupidez dos mais fortes, ao mesmo tempo em que passam por experiências diversas e amadurecem. Mais uma vez, com intérpretes que depois se tornariam famosos, como Bill Paxton e Robert Downey Jr. (hoje um dos melhores atores do cinema americano). Dando continuidade a esse período tão fecundo em sua filmografia, Hughes trocaria Anthony Michael Hall pelo mais célebre ator daquela geração, Matthew Broderick, com quem realizou até hoje o seu filme mais popular, o mais imortal e reverenciado em sua obra; o já clássico Curtindo a Vida Adoidado (1986), provável campeão de reprises na Sessão da Tarde, mas cultuado pelos quatro cantos do planeta, com um personagem que faz em um só dia tudo que a maioria das pessoas não tem coragem de fazer a vida inteira.

A esta altura Hughes é tão popular que resolve dar um tempo, dedicando-se mais a sua carreira de produtor, entregando dois roteiros de sua autoria para quem fossem filmados, sob suas ordens como produtor, por um pupilo que lançou como diretor, Howard Deutch, com os filmes A Garota do Rosa-Shocking (1986), uma modernização do conto de Cinderela, e Alguém Muito Especial (1987), uma ciranda de amores juvenis, tendo como protagonista um estudante de muitas qualidades, mas que não faz sucesso com as mulheres. Mas que ninguém se engane: apesar de Hughes não assinar como diretor, ambos os filmes tem o seu toque de mestre e carregam as marcas pessoalíssimas do seu estilo, apesar do trabalho de direção de pouco brilho de Deutch (que depois não faria quase nada de mais relevante), e esses dois filmes foram o último sopro do tipo de filme adolescente do qual Hughes era craque. Ele ainda escreveria e produziria uma terceira comédia dirigida por Deutch (o legal As Grandes Férias), com protagonistas mais velhos. Na mesma época, Hughes tentou diversificar sua carreira de diretor com uma comédia fora da temática adolescente, o hilariante Antes Só do Que Mal Acompanhado (1987), estrelado por Steven Martin e John Candy, e uma outra em que girava em torno de jovens envolvidos em complicações mais sérias, como casamento e gravidez, Ela Vai Ter um Bebê (1988), até uma nova reunião com Candy, Quem Vê Cara, Não Vê Coração (1989), um filme que não marcou época. Foi quando passou a intensificar o seu trabalho de produtor, dando continuidade a franquia Férias Frustradas com o terceiro da série, Férias Frustradas em Natal (1989), e confirmou mais do que nunca o seu toque de Midas com o inesperado e enorme sucesso de um dos roteiros seus que produziu, Esqueceram de Mim (1990), de Chris Columbus, num filme que transformou em astro o garoto Macaulay Culkin (que já havia trabalhado com Hughes em Quem Não Vê Cara, Não Vê Coração) e encantou uma segunda geração de cinéfilos que começava a conhecer cinema no começo da década de noventa.

Provavelmente influenciado por esse sucesso, Hughes tentou voltar à direção com um filme infantil, A Malandrinha (1991), com resultados tão aquém de sua carreira, que acabou se tornando seu último trabalho como diretor. Da mesma forma que, por exemplo, Frank Capra só conseguiu fazer grandes filmes dentro de um período que apresentava o contexto do Crack da Bolsa de 1929 e do New Deal, de 1933 até 1945/46, em que o povo americano superava as dificuldades da Grande Depressão, Hughes sabia que os filmes que dirigiu pertenciam essencialmente aos anos oitenta, e não mais dirigiu. Entretanto, continuou como produtor importante, de comédias idolatradas (algumas memoráveis), todos com roteiros de sua autoria, como: Construindo uma Carreira (1991, com Jennifer Connelly), Minha Mãe Não Quer Que eu Case (1991), De Volta Para Casa (1991), Esqueceram de Mim II (1992), Dennis, o Pimentinha (1993), Ninguém Segura Esse Bebê (1994), 101 Dálmatas (1996) e os discutíveis remakes Milagre na Rua 34 (1994) e o péssimo Flubber – Uma Invenção Desmiolada (1997). Deixou o trabalho de produtor depois dos fracassos de Nadando Contra a Corrente (1998) e do drama New Port South (2001), mas prosseguiu como roteirista de filmes como os da franquia Esqueceram de Mim e Beethoven, e até de Os Viajantes do Tempo (2000), refilmagem de um sucesso francês. No entanto, sem dúvida, sempre será lembrado pelos trabalhos que dirigiu, e seu falecimento serviu para constatar o sentimento estranho de que quando morre um ícone de nossa adolescência é que a gente começa a envelhecer ou se sentir mais velho.



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