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Carta ao leitor.

Na edição #34, damos continuidade ao universo do chamado Cinema Marginal, priorizando quem ficou na marginalidade. No dossiê de agosto de 2009, João Silvério Trevisan, autor do ótimo Orgia ou o Homem que Deu Cria, é perfilado, através de longa entrevista, em que não poupa o cinema brasileiro de hoje – nem o Cinema Novo e nem o Cinema da Boca do Lixo. Trevisan, que despontou como um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos, começou fazendo cinema, e continua com a mesma prerrogativa: cinema, no Brasil, tem que ter baixíssimo orçamento, para poder se pagar.

É curioso pensar que um cinema autoral como o de Trevisan e de seus colegas da dita marginalia, com exceção de um ou outro, tivesse alguma preocupação na questão financeira: a linguagem rebuscada, que se re-inventava a cada quadro, afugentava o espectador médio; e, será que havia tanta gente interessada em pagar para ver filmes mais ousados? Houve filmes ‘marginais’ que se pagaram, mas por flertar muito com o popularesco, como O Bandido da Luz Vermelha, do Sganzerla, ou O Pornógrafo, do Callegaro, ou mesmo os que tinham um texto mais apelativo, como As Libertinas, do Carlão, Callegaro e Antonio Lima, mas Orgia ou o homem que deu cria, por melhor que seja, foge bastante disso. É um filme feito com seu risco, como muitos outros foram feitos. Mas todo mundo precisa de dinheiro, se sustentar, talvez por isso muita gente tenha abandonado a sétima arte. Como chegar ao meio termo entre cinema comercialmente viável e cinema autoral e pessoal?

Pensando nos dias de hoje, os melhores filmes brasileiros lançados comercialmente fazem uma merreca de bilheteria, alguns inclusive com pretensão de grande público (como Encarnação do Demônio, do Mojica). Outros, mesmo que flertando com o comercial, afundam na própria concepção mercadológica. No ano passado, ninguém deu bola para Falsa Loura, de Reichenbach, ou para Onde Andará Dulce Veiga?, de Guilherme de Almeida Prado, entre outros. O hoje chamado cinema de baixo orçamento – convenhamos, um filme que custe mais de um milhão de reais não pode ser chamado de baixo orçamento – é inviável, porque ninguém toma conhecimento dele, e, conseqüentemente, ninguém vai ver. A não ser que ganhe alguma chancela: Cannes, Veneza, Berlim, e afins. A chancela dá um fôlego para ser possível se pagar. O que dá dinheiro mesmo é o cinemão comercial, feito com bastante dinheiro, como os filmes da Globo ou da Conspiração. Sem problemas, acho justo e que deve ser feito, acho inclusive que há bons filmes nessa safra (A Mulher Invisível, A Máquina, Redentor...). O que acho um absurdo é um filme desses vir com a logomarca da Ancine e afins antes de começar. Lei Rouanet e verba pública para bancar um filme que todo mundo sabe que vai se pagar, ainda mais dominado por um conglomerado da comunicação, tal qual a Rede Globo, é um grande absurdo. Bancar completamente projetos independentes e autorais, que não procuram se viabilizar comercialmente, apenas pelo seu caráter ‘artístico’, já é complicado aceitar (ainda mais se o governo não fizer questão de exibir – a TV Brasil não tinha surgido para isso?), imagina verba pública bancando o Daniel Filho (e mais uma bomba a vir, com pretensões de drama histórico). Parece uma política deveras caótica.

Em contrapartida, há uns 40 anos atrás, as picardias e libertinagens começaram a render muito dinheiro no cinema. Um gênio das letras, Nelson Rodrigues, viu-se abocanhado pelo filão, que rendeu excelentes filmes e grandes engodos. Mas algo tinham em comum: a polpuda bilheteria. Certo que boa parte contava com apoio da Embrafilme, mas ainda assim balanceavam o cinema popular com o autoral. Exemplo disso são as duas transposições de Arnaldo Jabor fez de Nelson Rodrigues, Toda Nudez Será Castigada e O Casamento. Eram filmes que se pagavam facilmente – e os que contavam com a Embrafilme, tinham-na como co-produtora. Para lembra o grande Nelson, e as adaptações que o nortearam, preparamos o Especial Nelson Rodrigues no Cinema, que, além do ótimo texto da sempre ótima Andrea Ormond, que introduz o tema, trazemos resenhas de 8 filmes, tentando compor um mosaico dessa produção. Nelson Rodrigues tem ganho prestígio com o passar dos anos, mas ainda tem quem ache que ele só falava de sacanagem, de sexo e de perversões. Não é bem assim, Nelson tinha muito mais em seu texto – e teve gente que soube captar isso muito bem.

A edição de agosto traz muito mais, espero que gostem. João Silvério Trevisan é um cineasta que precisa ser (re)conhecido - e para isso trouxemos uma vasta entrevista exclusiva, resenha de filmes, de livros, e um artigo elucidativo.

Boa leitura!

Gabriel Carneiro
Editor-chefe da Zingu!

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PS 2.: O curta Minami em close-up – a Boca em revista, dirigido por Thiago Mendonça, foi selecionado para o 20º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo que acontececerá entre os dias 20 e 28 de agosto, com entrada franca - 21/08, às 21h, no CineSESC; 23/08, às 20h, no CCSP; 24/08, às 18h, no Cineclube Grajaú; e 26/08, às 21h, na Cinemateca.



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