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Dossiê João Silvério Trevisan

Em Nome do Desejo, de João Silvério Trevisan

Por Gabriel Carneiro
“- O que Tiquinho mais amava em Abel?

- Seu jeito de caminhar como leão novo, sem embaraço. Seus olhos cujo brilho transmitiam uma irresistível bondade. E, naturalmente, seu peito de esportista – não largo em demasia, mas sobressalente, convidativo; e rijo sem ser árido, porque o amaciavam os pelos negros de cigano espanhol.”

Em Nome do Desejo é o primeiro romance publicado de João Silvério Trevisan, em 1983, pela editora Codecri – edição que o autor refuta. Anteriormente, lançara o livro de contos Testamento de Jônatas deixado a David (1976) e o infanto-juvenil As incríveis Aventuras de El Condor (1980). Em Nome do Desejo é um belo exemplo de como funciona a escrita de Trevisan, importante nome da literatura contemporânea, que se dedicou primeiramente ao cinema. Homossexual assumido, seu primeiro romance traz uma carga (homo)erótica muito forte, e, a partir disso, discorre sobre a descoberta sexual de dois jovens seminaristas, envoltos no amor a Cristo e ao próximo, um amor muito passional, que os dilacera por dentro enquanto os fazem experimentarem a puberdade e o mundo.

Dessa forma, a herança de seminarista do autor reflete-se em duas posições: numa clara descrição de como funcionava o seminário, os processos e ritos dos jovens estudantes, suas relações com os padres e com os outros estudantes, ao longo da infância e da adolescência; e em como um determinado personagem, Tiquinho, o narrador-protagonista, se envolve com aquele mundo, com as descobertas e com conflitos de ordem amorosa e espiritual.

Usando do jogo de perguntas e respostas, presentes no catecismo, Trevisan conta a história de um homem, então conhecido como Tiquinho, que visita o local onde 30 anos antes era o seminário que participou. Agora, transformado em orfanato, esse homem relembra o passado, em especial de sua paixão por Abel, outro seminarista. A estrutura usada pelo autor permite um acesso rápido à mente do personagem, quase como uma conversa aberta entre duas pessoas, sendo uma delas ávida por descobrir o que rodeou a cabeça daquele jovem – e ainda assim, brincando com as práticas católicas, que permeiam o romance.

Deveras polêmico por associar o sexo, entre jovens do sexo masculino, ao catolicismo, Em Nome do Desejo é um belo libelo contra o preconceito, e uma maneira de expor a iniciação sexual, seja ela homossexual ou não. As controvérsias entre o sagrado e o profano ganham um interessante olhar com Tiquinho, pois, para ele, seu amor por Abel – que o motivava à descoberta sexual – era tão ou mais sagrada que Cristo, mesmo que isso o atormentasse e o amedrontasse profundamente. Amava Abel com gosto, e seu amor era belo e comovente; mas também amava a Cristo, e essa dualidade o deixava confuso, e fragilizado. A verve humanista que se desenvolve com o livro é justamente por atribuir um senso real e comum a quem passou pela puberdade – independente da ligação à religião propriamente dita.

A carga erótica leva o leitor à sua iniciação sexual, aos seus desejos, à ingenuidade disso tudo. Sexo puro, ligado a um amor puro, passional – por isso forte e descriminado. Assim como qualquer ritual de passagem marcante, a sexualidade é probatória e misteriosa. A visão pecaminosa dos desejos só o tornam mais interessantes, quase como um segredo, sagrado, da paixão por Cristo – paixão que tende a ser física.

Com uma deliciosa narrativa, que flui para o leitor, deveras cinematográfica, até – por se valer muito da descrição e do imagético; sua narrativa atravessa facilmente a mente em imagens -, João Silvério Trevisan perpetua, com olhar maduro e sofrido, a juventude – uma juventude perene, implacável, e saudável, envolta por turbilhões emocionais, sofrimentos e ainda assim bela, como os amores imperfeitos do passado.



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