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Especial José Agrippino de Paula


Hitler IIIº Mundo
Direção: José Agrippino de Paula
Brasil, 1968.

Por Sérgio Alpendre, especialmente para a Zingu!*

Deflagrador de um tipo de cinema que não se faz mais, ao menos desde que Rogério Sganzerla morreu, um cinema que pretende utilizar como arma sua montagem, intercalando ruídos com um fiapo de história para incomodar, Hitler IIIº Mundo não perdeu nada de sua virulência após mais de 40 anos.

José Agrippino de Paula, o homem de um filme só, é o cara que tem a ousadia de colocar Frank Zappa & the Mothers em uma cena de perseguição, o cara que demonstra em todas as cenas (todos os planos) que tem um tesão irrefreável por cinema, mas não qualquer cinema, e sim um cinema possível, terceiromundista, pilantra, calhorda, desbocado, desconectado, alienado?, perigoso, subversivo em sua celebração do caos.

Hitler IIIº Mundo não precisa ser entendido, não carece de bula, nem de um manual escrito por críticos para o espectador comum. É filme que confronta, e com isso empurra as pessoas para outros confrontos. É uma perigosa arma, diriam os militares, pois é estimulante, propaga a indignação, mesmo que às avessas. Suas imagens contrastadas parecem clamar por sangue, um sangue de lutadores, de pessoas encurraladas pela máquina do sistema. É nesse sentido que me parece impossível afirmar que o filme é datado. Não é datado justamente porque ainda comove, ainda afronta, ainda não foi superado pelos von Triers e Hanekes da vida, polemistas de meia pataca.

É uma maravilha, então? Certamente que não. Por vezes o caos provoca um afastamento. Fica aquela cacofonia que só parece interessante de longe, sem que nos aproximemos. É um dos efeitos colaterais da busca incessante pela transgressão. Mas é um filme necessário. É fundamental voltar a ele para entender algumas coisas do processo artístico brasileiro - para entender o porquê da transgressão hoje soar tão perfumada, tão bem vestida, cheirando a Shopping Center. Ou para descobrir que Jô Soares tinha versatilidade o suficiente para interpretar um marido boçal (em A Mulher de Todos) e uma drag-queen apocalíptica (em Hitler IIIº Mundo). Eram tempos muito mais livres, definitivamente.

*Sérgio Alpendre é crítico de cinema. Escreve para a Contracampo, para o Cineclick e para o Guia da Folha - Livros, Discos, Filmes. Editor da finada Paisà.



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