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Lançamentos
Por Vlademir Lazo Correa

Deixa Ela Entrar
Direção: Thomas Alfredson
Låt den rätte komma in, Suécia, 2008.

Há anos que nos acostumamos com uma entressafra precária dentre os filmes de terror (para não falar do cinema de um modo geral). É como se o gênero tivesse se recolhido a uma condição inferior e bastante conformada e tácita, variando quase sempre entre a mesmice ou a reciclagem de um modelo em vias de se esgotar, em torno de, entre outras vertentes, atrocidades de terror adolescente ou exemplares que refilmam ou copiam produções asiáticas. Nesse sentido, chega a ser irônico que Deixa Ela Entrar seja uma história de terror com adolescentes, só que com um tratamento maduro e adulto que emprega de modo elegante as formas de contar essa história, com o rigor impecável que seria o esperado vindo do cinema nórdico, sem que o filme se torne um drama pesado e cerebral, ou repleto de frieza, como poderia se temer numa investida mais arriscada como propõe esse belo terror sueco. Tudo é conduzido com equilíbrio admirável, dentro de um classicismo que extrai originalidade de um tema que, de tão batido, é capaz de igualmente servir de argumento para produtos descartáveis como o recente blockbuster Crepúsculo, do qual Deixa Ela Entrar não poderia estar léguas mais distante em concepção e em qualidade.

No filme de Thomas Alfredson, temos o percurso errático de uma existência solitária e marginal, condenada ao eterno limiar entre a infância e a adolescência, e o encontro com um outro adolescente igualmente freak, vítima da crueldade juvenil dos seus colegas. O primeiro é uma vampira que, segundo ela mesma, “tem doze anos há muito tempo”. Carrega a maldição da pré-adolescência infinda, para todo o sempre presa em um corpo de criança e condição de menina. O segundo é Oskar, que também vive os horrores de se ter essa idade, mas cuja rotina é modificada com a descoberta da nova vizinha, Eli, que chega ao bairro acompanhada de um homem bem mais velho, que parece ser o seu pai, responsável por resguardá-la do convívio com as obrigações sociais, protegê-la de possíveis ameaças que possam arriscar a sua espécie e o seu segredo. Entretanto, esse seu protetor se revela um companheiro de décadas, que a conheceu quando novo, mas envelheceu ao longo do tempo, e o passar dos anos o transformou em um ser acabado e amargo. Ele foge da camaradagem dos novos vizinhos, e abdica do contato com as rodas de bares e risadas descompromissadas para se manter firme no compromisso com o seu antigo amor, a quem permanece fiel, assassinando em série garotos do local aos quais os dependura de cabeça para baixo para degolá-los e extrair para um balde o sangue de pessoas ainda viva,s necessário para o alimento de sua amada, que permanece com a juventude intacta e inalterada e sua imortalidade garantida.

Mas o consorte envelheceu, e além de seu vulto devorado pela erosão do tempo não ser mais que um pálido reflexo do que foi um dia, vem se tornando lerdo demais com o peso da idade, podendo ser apanhado e pego no ato dos seus crimes ou até mesmo morto, sem contar que obviamente não terá muitos anos de vida, portanto precisa ser substituído. O escolhido é Oskar, indefeso, carente e necessitado de proteção como a própria Eli, mas por motivos diferentes. Ela é quem procura ensinar e incentivá-lo a reagir da agressão dos garotos mais velhos que o espancam e o humilham, e fazer companhia em algumas noites de solidão, ao mesmo tempo em que ataca e morde algumas pessoas, para não depender apenas da caça do seu companheiro idoso, que, por sinal, não gosta e pede para que ela não se aproxime do menino Oskar, cuja amizade o enche de ciúmes. Porém, o personagem do velho está com os dias contados, e não ocupa por muito tempo o centro da trama.

É o contraponto do velho quem seguimos com maior atenção, o menino Oskar perdido entre as incertezas típicas da idade e a confusão com o aparecimento de Eli, que parece vinda do inferno, mas cuja presença se torna indispensável em sua existência. O desenvolvimento do romance segue uma estrutura clássica que nos permite acompanhar o aprofundamento da amizade do casal adolescente e a descoberta do segredo que paira por trás da menina, o confronto com os desafetos de Oskar e com as vítimas de Eli, com todos os elementos de terror que o filme carrega, porém felizmente sem apelar para recursos fáceis como sustos calculados, evitando o uso da câmera frenética ou do trabalho sonoro direcionado para surtir um efeito muitas vezes gratuito, características que geralmente servem como truques e são recorrentes no cinema atual, especialmente o de terror. Com um uso do cinemascope dos mais excelentes nos últimos tempos, o que o diretor propõe é uma experiência de imersão total, que mergulha os seus personagens na atmosfera de suas imagens de sonho (ou de pesadelo), transcendendo a simples condição de cinema de gênero para se tornar uma obra maior.




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