html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
O realismo cinematográfico

“Recordem que, por nossa incapacidade de ver,
os movimentos do presdigitador se convertem em magia.”

(Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel)


Por Gabriel Carneiro

Em todas as formas de artes, há uma evolução. Elementos estéticas e conteúdos deixam de fazer sentido em determinado contexto e assim surgem novas formas de enxergar o mundo pelas lentes artísticas. Ao longo de séculos, pode-se contemplar a mudança de um Barroco, para um Arcadismo, para depois um Romantismo – todos esses rótulos que dão para classificar um modo de construir uma expressão, denominada arte. Em certo momento, o Realismo passou a ser o jeito encontrado para vislumbrar o mundo. Mesmo no cinema, arte que se iniciou no final do século XIX, teve uma evolução similar às artes plásticas, à música ou à literatura. Porém, o realismo que impera hoje no cinema não é mais no mesmo sentido do Realismo literário.

Em 1945, o filme Roma, Cidade Aberta, estreou, fez alarde pelo mundo e rompeu com o cinema feito até então. Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rosselini, assim como outros representantes do chamado Neo-Realismo cinematográfico italiano, propunha um cinema fundamentado na realidade das ruas, nos problemas pelo qual a sociedade passava – era um cinema herdeiro do Neo-Realismo literário italiano e do Realismo literário. Hoje em dia, o realismo existe e impera no cinema, mas não como os italianos o introduziram à sétima arte. No cinema, atualmente, uma das prerrogativas para se lucrar com um filme é trazer a realidade a ele.

Dessa forma, duas maneiras se destacam. A primeira delas é o selo “baseado em fatos reais”. Um filme como essa promoção chama muito mais atenção dos espectadores, que buscam diversão, mas a informação acima de tudo. Então, num filme como Na Natureza Selvagem, de Sean Penn, sem desqualificá-lo enquanto arte, vemos diversas situações, que poderiam ser apenas de uma história qualquer que veio na cabeça do roteirista, ganharem status por ter de fato acontecido. A capa do DVD é sintomática quanto à informação textual: a parte de cima contém o título do filme, atores que fazem parte e quem o dirigiu; abaixo, só há uma frase: “uma aventura baseada em fatos reais”, quase como isso fosse relevante para se pensar um filme. Há uma sede por se encantar, se perder, sofrer junto com uma história que aconteceu – parece que o cinema, assim, fica a serviço da realidade, para interpretar os fatos e expô-los.

Em decorrência disso, a segunda maneira se sobrepõe à primeira. Foi-se o tempo em que o cinema, como arte, mostrava algo fantasioso, fictício. Um dos mestres dos efeitos especiais, Ray Harryhausen, foi praticamente esquecido pelas novas gerações que enxergam em filmes como O Senhor dos Anéis uma grande obra pelo visual hiper-trabalhado e muito próximo do real, como se os elfos, hobbits e monstros realmente existissem – por mais fantasiosa que seja a história. Harryhausen mostrou sua arte pela última vez no filme Fúria de Titãs, em 1981. Nos dias de hoje, seus efeitos especiais feitos em stop-motion, com massinha e retro-projeção, não encontrariam mais lugar, seriam cunhados de mal feitos – e o mal feito aqui não se origina na qualidade do trabalho em si, mas por aparentar falso, uma ludibriação; o fantástico em si. É comum ir ao cinema hoje em dia e escutar, após uma sessão de um filme que usa muitos efeitos visuais, a afirmação “parecia de verdade”.

Como afirmou Bioy Casares em sua obra-prima, A invenção de Morel, “os movimentos do presdigitador se convertem em magia”: o público não enxerga mais o cinema como criação expressiva e sim como reprodução da realidade, mesmo que essa realidade exista apenas nas mentes sedentas por fatos reais. A magia do cinema só existe, hoje, no realismo da realização.




<< Capa