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SUBGÊNEROS OBSCUROS...

Bestialismo no pornô brasileiro - Juan Bajon



Por Alan Smithee, especialmente para a Zingu!

Um simples caminho percorrido em uma seção de filmes pornôs, dentro de uma locadora, corriqueiro fato já feito pela maioria das pessoas, transforma-se em um verdadeiro desbravamento pelos inconscientes coletivos humanos. Em uma segunda observação dentro deste local de profusão dos chamados materiais obscenos, percebe-se não somente filmes e fotos que ilustram corpos nus e provocativos à mostra, mas acima de tudo, a materialização, em VHS e DVD, de todos os anseios sexuais (permitidos) inerentes ao homem, em suas mais plenas formas de satisfação sexual.

Entre prateleiras e estantes de uma locadora qualquer, abunda o sexo convencional, termo que designa aquele material permitido e “moralmente aceitável” – ainda que negado e vilipendiado pela opinião pública. Afinal, o sexo convencional, que nada mais é que a chamada “cópula vagínica” (aquele que papai e mamãe fazem logo após assistir a novela Caminho das Índias) por mais “normal” e discreto que seja, inocente e por vezes romântico e pueril, perpassa toda uma repressão histórica e milenar que praticamente todas as culturas incorporaram à conduta sexual. “Sexo só com o casamento”, “penetração apenas na vagina da mulher”, e outras frases que exemplificam bem como o sexo transformou-se em um hábito amordaçado, enclausurado, seja nos conselhos dos mais velhos ou mesmo nas encíclicas papais, vomitados a torto e direito pelos “representantes de Deus”.

Se o sexo dito convencional sofreu e continua sofrendo agressões e repressões – lembrando que nos países onde impera a Sharia, a lei islâmica, mulheres que traem ou se prostituem são apedrejadas em praças públicas – o chamado sexo bizarro, aquele que evoca o lado mais sombrio e desconhecido da personalidade humana, é um tabu, uma barreira agigantada que blinda qualquer possibilidade de seu estudo, percepção e aprofundamento.

O estudioso Jorge Leite Jr., quando da feitura do seu livro Das Maravilhas e Prodígios Sexuais: A Pornografia ‘Bizarra’ como Entretenimento, deixo claro que em sua obra não abordará a pedofilia, a necrofilia e a zoofilia. Em suas palavras, tais temas “não serão objetos de estudo pelos seguintes motivos: as duas primeiras são crimes em quase todos os países e não compreendem relacionamentos que possam ser encaixados dentro do conceito de “consensualidade”.

O conceito de “consensualidade” retirado da introdução do livro Different Loving, a “Bíblia” do BDSM, informa que, para ser moral e legalmente aceito, uma relação sexual necessita de consensualidade. Ou seja, ambas as partes de uma relação sexual (seja a equipe técnica ou atores) necessitam desta concordância, tácita ou verbal. Por isso, não é possível a existência de filmes ou vídeos com semi-imputáveis, inimputáveis, ou seja, crianças, loucos de todas as espécies e pessoas que não tem o pleno juízo de suas ações.

Sexo com crianças ou cadáveres é proibido em qualquer lugar do mundo. A legalidade, investida e legitimada pelo Estado nos atos de investigação e punição, coage, desde o nascituro, essas duas práticas de parafilias, distúrbios comportamentais. Já o bestialismo não concentra uma opinião convergente de sua licitude. Por mais bizarro que possa parecer, qualquer pessoa do povo já percebeu algum DVD sendo exposto em banca de revista ou videolocadora.

Dentro de uma retrospectiva rápida a respeito da pornografia bizarra comercializada, descobre-se a vanguarda do continente europeu. Palco não somente de revoluções políticas e industriais, a Europa revolucionou principalmente do ponto de vista comportamental, sobretudo ligado ao sexo, influindo diretamente na propagação da indústria do entretenimento do sexo. A fase dos stag films, surgida no final do século XIX e início do século XX, foi a pioneira na profusão da sacanagem alheia. Vídeos eram filmados clandestinamente nos bordéis europeus, e cruzavam o Atlântico para serem vendidos no continente americano. Dois protagonistas se digladiavam nesta batalha. De um lado, a figura do Estado, que reprimia filmagens sexuais, e do outro, o público consumir, que se expandiu cada vez mais.

Desde o nascituro a produção pornográfica foi sufocada devido às medidas de um Estado repressor, que decidia aquilo que seus subordinados cidadãos deviam ou não assistir. E foi nessa Europa que eclodiu aquele que foi um dos mais marcantes, e por vezes criticado e repugnado, movimento de produção e distribuição de filmes adultos. Com a produtora Color Clímax, a Suécia foi a pioneira na “profana” arte de produzir sexo bizarro, enfocando sua estrutura de produção na filmagem de vídeos e na impressão de fotonovelas, que chegou a ser comercializada no Brasil até a década de 80.

Além de se notabilizar na especialização de teenager – moças maiores de idade, com o fenótipo jovial -, a Color Clímax marcou o cenário do submundo pornô rodando filmagens com os mais estapafúrdios animais, desde porcos a cavalos, passando por cabras e galinhas. Isso nos anos 70 e 80, épocas de extremismos comportamentais, que teve no ápice da excentricidade a lendária magazine Rudolf: A Revista do Sexo Insólito.

A fantasia de dominação sexual por um não-humano foi exposta de forma polêmica em 1974, com a obra La Bête. Neste clássico de Walerian Borowczyk, a bela Sirpa Lane (modelo sueca que teve uma carreira meteórica) é perseguida por uma besta peluda. Tamanho fascínio entre humano e não-humano ocorre porquanto o bestialismo aborda, acima de tudo, “um bruto primitivo que forçosamente acorda os desejos que a civilização renunciou e reprimiu”, conforme os dizeres do pesquisador Douglas Keesey e Paul Duncan, no livro Cinema Erótico.

Na esteira do bestialismo, o primeiro rascunho nacional de sua feitura se encontra na famigerada Boca do Lixo. O chinês de Shangai Juan Bajon, que prosseguia desde os primeiros anos de 1980 com uma série erótica e pornô versando sobre colegiais em conflito com a família/sociedade/Estado, despertou para uma novidade na época, naquilo que todas as pessoas enojam: filmes pornográficos contando com a presença de animais. Diferentemente do que todos imaginam, não há a exibição clara e explícita, na chamada fase equina de Juan Bajon, de qualquer cena que mostrasse uma relação sexual entre mulher (ou homem) com animal.

O filho primogênito desta mal falada e criticada série equina (chamado por alguns com o nome pejorativo de jegue-movies) é Sexo à Cavalo, dirigido por Juan Bajon em 1985. Neste filme, produzido pela Brasil Internacional Cinematográfica, Juan Bajon equacionou aquilo que seria a fórmula infalível para se ter sucesso: uso de uma mesma locação (a fazenda Tabatinguera), histórias banais e corriqueiras, centradas em conflitos interpessoais, e um casal de atores que causasse carisma ao grande público. Para desempenhar esta última característica, foram contratados Ronaldo Amaral e Sandra Morelli. Casal este que, com a queda do Império da Boca do Lixo, enveredou para o teatro do sexo explícito.

A crítica, como não poderia deixar de ser, malhava constantemente Juan Bajon, seus filmes e toda a equipe técnica. Nem mesmo o sotaque da imaculada Sandra Morelli escapava da ânsia nefasta dos críticos de plantão (que nutrem de uma estranha doença chamada “narcisismo às avessas”). Sandra Morelli seria detentora de um “ridículo sotaque da Mooca”...

O cavalo, na filmografia esquipática de Juan Bajon, não se restringia tão somente a um mamífero do gênero Equus. O cavalo, na sua condição de garanhão nato, transformou-se literalmente em um protagonista da história. E muitos mais do que isso. Faz-se necessária uma analogia a Antonio Conselheiro, que com suas barbas esparsas e suas vestimentas maltrapilhas, vaticinava com certa sapiência, no final do século XIX, “o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”. A mesma inusitada mudança acontece na série equina (ou, como queiram, jegue-movies) de Juan Bajon: o homem vai virar cavalo, o cavalo vai virar homem. O gênero masculino (e não a mulher) era induzido pelo sexo feminino a se metamorfosear em um cavalo, a comer feno e relinchar. Tudo para satisfazer aos anseios femininos. Como visto nos filmes Sexo à Cavalo e Meu Marido, Meu Cavalo.

O homem se animalizou, enquanto que o cavalo, enquadrado anteriormente na condição de objeto-animal-sexual, foi um verdadeiro protagonista, ativo em suas cenas, só faltando falar.

Se os cavalos, usados desde os tempos da Antiguidade como meio de transporte, ganharam a virtude e o upgrade de serem personagens ativos e influentes na narrativa da história, a esquizofrenia cabocla tupiniquim não chegara ao fundo do poço. Fato este que veio a ocorrer com o “crássico” da baixaria Mulheres Taradas por Animais, do diretor Ody Fraga, conhecido no meio por sua cultura e intelectualidade. Mulheres Taradas por Animais, aí sim, exibiu, de forma explícita e sem pudores, o tchaca-tchaca-na-butchaca entre mulheres e animais. Sem esquecer que o cast de Mulheres Taradas por Animais é um dos mais desconcertantes já vistos: cavalo Frappé, bode Barnabé, anta Bendegó e, believe or not, leão Léo.

A série jegue-movies de Juan Bajon, que conta como o elemento “cavalo” adicionado ao título, se iniciou com Sexo à Cavalo. Prosseguido por Meu Marido Meu Cavalo, Seduzida por um Cavalo, A Garota do Cavalo, Loucas por Cavalos, Mulheres e Cavalos, Viciadas em Cavalo, Tudo por um Cavalo e Um Homem, Uma Mulher e um Cavalo. Quase todos estes filmes, indistintamente, mostram uma só coisa: a atriz Sandra Morelli desejando sexualmente os equestres de uma fazenda, depois de observar a “dança do acasalamento” entre um cavalo e uma égua. Como não consegue realizar seus sonhos, obriga o seu parceiro Ronaldo Amaral a agir como se cavalo fosse. E entre um filme e outro de Juan Bajon, há pequenas alterações de detalhes, quase imperceptíveis.

Sem esquecer que Juan Bajon também surfou na onda dos pôneis, filmando Duas Mulheres e um Pônei e Júlia e os Pôneis. Se Sandra Morelli e Ronaldo Amaral eram figurinhas carimbadas na série equina de Juan Bajon, havia pequenas alterações no elenco secundário, quase sempre composto pelas presenças marcantes de Márcia Ferro e Bianchina Della Costa, além de contar com as participações de Max Din, Fernando Sábato e Elias Breda.

Na década seguinte, no caótico e monótono anos 90, Juan Bajon se utilizou da mesma roça localizada no interior de São Paulo para rodar alguns filmes pornográficos (de sexo convencional) com a atriz em ascensão, Malu Marques, provavelmente a maior estrela pornô brasileiro da década de 90. Considerada como a “Traci Lords à brasileira”, por causa de certos fatos semelhantes que rondaram as duas beldades, Malu Marques notabilizou-se não por ser uma mulher de corpo impecável, mas sim por ter um rosto e uma estrutura corporal de “mulher comum”, daquelas que o espectador poderia ter para si. Afinal, Malu Marques parece a “filha da minha vizinha”, como era comum se escutar na época.

Juan Bajon, inconscientemente ou não, foi pioneiro na utilização de animais em filmes pornôs. Renovou também na exibição de mulheres como seres superiores, que dominam e determinam o comportamento do sexo masculino, aquilo que hoje se denomina femdom, palavra conhecida no universo bondage-sadomasoquista para significar a supremacia feminina frente ao homem. O universo famigerado de Juan Bajon, visto hodiernamente, pode fascinar uma pequena parcela de espectadores mais curiosos e despidos de certos preconceitos. Nem de longe lembrando o sucesso comercial que obteve nas bilheterias dos cinemas brasileiros e nas videolocadoras dos EUA. Afinal, não era todo o dia que homem comia feno e o animal dava uns “tratos” nas fêmeas.

Filmografia básica do tema:

Sexo a Cavalo (1985)
Meu Marido, Meu Cavalo (1986)
Seduzida por um Cavalo (1986)
A Garota do Cavalo (1986)
Loucas por Cavalos (1986)
Mulheres e Cavalos (1986)
Duas Mulheres e um Pônei (1986)
Júlia e os Pôneis (1987)
Viciadas em Cavalos (1987)
Tudo por um Cavalo (1988)
Um Homem, Uma Mulher e um Cavalo (1988)




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