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Os Gigantes Excluídos: Os Assistentes de Câmera da Boca do Lixo

Por Matheus Trunk

A Boca do Lixo paulistana produziu em seu auge (1972-1982) uma série de fenômenos no cinema brasileiro e paulista. Quando falamos nestes, logo pensamos nas atrizes, as grandes musas que sustentavam essa indústria cinematográfica. Ou mesmo nos produtores, muitas vezes pessoas que nunca souberam o que era cinema, mas tinham grande tino comercial. Mesmo em alguns diretores, que já tiveram reconhecimento anos depois. Nomes como Carlos Reichenbach e Guilherme de Almeida Prado, que já mereceram o devido reconhecimento. Outros como Ody Fraga, Jean Garret e Cláudio Cunha vem recebendo o reconhecimento mais atualmente após seus filmes tenham passado no Canal Brasil.

Mas uma classe ainda não recebeu: os técnicos. Na sua gigantesca maioria, homens criados e formados pela universidade da vida que tiveram no cinema sua grande paixão e vocação. Destes, muitos são os fotógrafos, still, montadores, eletricistas, assistentes de eletricistas, maquinistas, continuístas, entre outros.

Porém, há uma parte deles que merece atenção: os assistentes de câmera. Esquecidos ou perdidos no tempo e espaço, estes ultra-gigantes da nossa cinematografia estão completamente isolados e excluídos do nosso cinema.

A equipe técnica de fotografia da época se resumia em sua maioria a três pessoas: o fotógrafo que também fazia a câmera, um assistente e o still. Essa era o tipo de equipe em 80% das produções da época. Somente filmes mais pretensiosos detinham mais pessoas na área de fotografia.

Uma coisa impensável hoje quando ao invés de três pessoas uma equipe de fotografia normal chega a ter sempre mais dez pessoas. Polivalentes, muitas vezes faziam cinco a dez filmes por ano. O que é totalmente impensável pra hoje.

Os fotógrafos da Boca são diversos, embora alguns se destaquem. Casos de Cláudio Portioli, Antônio Meliande, Osvaldo “Carcaça” Oliveira, Henrique Borges, Carlos Reichenbach, Pio Zamuner entre outros.

E os assistentes de câmera ? Bem, não são tantos como os fotógrafos. Mesmo assim, existem alguns que criaram estilos e fama.

Dos profissionais dedicados mais a assistência de câmera, quatro profissionais se destacam mais claramente. São eles Gyula Kolosvari, Concórdio Matarazzo, Dionísio Tardoque e Luizinho Oliveira. Correndo por fora, existe o não menos notável Odair Guarany.

O húngaro Gyula, o mais requisitado de todos fez assistência em cerca de trinta e cinco longas-metragens, chegando a trabalhar com diretores mais tarimbados como João Batista de Andrade, Maurice Capovilla e Walter Hugo Khouri. Também esteve presente em filmes de produtores diversificados como Mazzaropi e David Cardoso. Em algumas produções cariocas, sua presença também foi marcante em fitas de produtores como Mozael Silveira e Jece Valadão. Gyula chegaria a dirigir um único longa “Um Golpe Sexy” (1976) e foi fotógrafo de cerca de dez longas, se destacando sua parceria com o diretor policial Clery Cunha.

Já o italiano Concórdio Matarazzo, se destacou por sua parceria com os fotógrafos Carlos Reichenbach e Cláudio Portioli. Com este segundo, firmaria uma das mais talentosas duplas que o cinema paulista já conheceu, tornando-se grandes amigos e “compadres”. Fazendo assistência em mais de vinte e cinco longas, trabalhou em diversos filmes de diretores de suma importância na Boca do Lixo paulistana como Ody Fraga, John Herbert e Jean Garret. Além desse belo currículo Conca ainda foi um dos sócios da mitológica Embrapi (Empresa Brasileira de Produtores Independentes).

Dionísio Tardoque foi outro gigante do cinema da Boca, estando presente como assistente em aproximadamente 25 filmes. No período explícito foi o grande nome da assistência de câmera da Boca participando de filmes de diretores como Fauzi Mansur, Juan Bajon e Waldir Kopesky. Mesmo assim conseguiu estar presente em produções mais bem acabadas como no belo “Retrato de Uma Mulher Sem Pudor” de Jair Correia e Hélio Porto.

Fazendo escola com José Mojica Marins, Luiz Antônio de Oliveira, apelidado gentilmente pelos amigos de Luizinho foi outro grande nome do período. Embora não tenha numericamente um número tão expressivo quanto Kyula, Conca e Tardoque é considerado por muitos especialistas o melhor assistente da Boca. Teve poucas chances como fotógrafo, trabalhando principalmente com Alfredo Sternheim e depois em filmes do ator/produtor Sady Baby.

Embora um pouco menos referenciado, Odair Guarany teve grande participação no cinema da Boca. Assistente em mais de quinze filmes, chegou a participar de fitas cults como “Flor do Desejo” de Guilherme de Almeida Prado ou até mesmo no vencedor do Oscar de melhor ator “O Beijo da Mulher Aranha” de Hector Babenco.

Claro que houveram outras figuras marcantes na assistência de câmera da Boca como Amauri Fonseca, Hideo Nakayama, Rubens Eleutério (que chegaria a direção), Salvador do Amaral, Antônio Moreiras, Francisco Ravagnoli (mais conhecido como Padre) entre outros. Mas os cinco nomes citados anteriormente foram os que tiveram mais dedicação a função.

Outros assistentes foram os polivalentes como o lendário Waldomiro Reis (mais conhecido como Miro) que embora tenham feito a função de assistência em muitos filmes seguiram carreira em outras áreas ora como eletricista, maquinista, efeitos sonoros ou até mesmo como fotógrafo ou still.

São praticamente todos homens de formação popular e humilde que permanecem no imaginário de quem viveu nas esquinas próximas do Soberano ou se dedica especialmente a pesquisa do cinema da Boca.

Hoje parece impossível pessoas de formação humilde e rudimentar querer mexer com cinema. Mesmo os técnicos hoje, precisam ter nível universitário e serem intelectuais. O que não é ruim, mas se perde um pouco a magia do cinema e a grandeza de um espaço como a Boca do Lixo, onde intelectuais e antiintelectuais, homens de academia e homens criados pela vida se encontravam e faziam uma troca de cinema e vida. Troca essa que não existe hoje em que pessoas como eles permanecem excluídos em fazer e em assistir filmes.

*** Artigo dedicado a todos os assistentes de câmera da Boca. São homens acima da média, verdadeiros gigantes absolutos do cinema brasileiro.



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