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Coluna CINEMA Extremo
ONDE O CINEMA PODE SER VIOLENTO...

Por Marcelo Carrard

Cannibal Holocaust
Direção: Ruggero Deodato
Cannibal Holocaust, Itália, 1979.

Nesse jornada pelas turvas e densas águas do Cinema Extremo, agora vou comentar brevemente aspectos de um dos FILMES-CHAVE desse universo, que recentemente completou 25 anos com muito fôlego e poder de transgressão. Capaz de chocar ainda as platéias ao mesmo tempo que recebe da crítica o “aval” de clássico: CANNIBAL HOLOCAUST, de Rugero Deodato.

Essa é a produção mais popular e uma das mais rentáveis da história do Horror Cinematográfico Italiano, com mais de 200 milhões de dólares de lucro até o final dos anos 90. O roteiro ficou a cargo de Gianfranco Clerici, que também roteirizou o clássico explonation de Deodato: La Casa Sperduta Nel Parco, de 1980, e colaborou com dois filmes gailli de Lucio Fulci: Murder Rock de 1982, e Squartatore de New York de 1984. A direção de fotografia em muitas interfaces ficou ao cargo do veterano Sérgio D´Offici, que colaborou com Lucio Fulci em Non Se Sevizia Um Peperino., além de colaborar posteriormente com Deodato em Sperduta Nel Parco e no gialli Vertice Mortale, 1993. Formatando com um metadocumentário, o filme é uma sobreposição de gêneros e propostas estéticas único na História do Cinema. Contando uma história supostamente real, abre com um documentário de televisão falando de um grupo de documentaristas da New York University, NYU nas selvas da Amazônia colombiana. A ação passa em seguida para a locação na selva propriamente dita, onde o filme se transforma em uma produção explonation típica com mercenários enfrentando índios nas matas até a chegada de um professor da notória universidade novaiorquina, que pretende localizar seus colegas desaparecidos. O filme avança com cenas de mal trato a animais selvagens, rituais primitivos de mutilação sexual e muita nudez e sexo, até o encontro dos restos mortais dos documentaristas e de sua câmera com muito material filmado. Em seguida, a trama volta a Nova Iorque e transforma-se numa espécie de documentário sobre cada um dos documentaristas mortos na selva amazônica, com entrevistas de seus parentes, amigos e professores. Logo depois, aparece trechos de um documentário feito por eles na África, intitulado que é referência ao documentário clássico dos anos 70: Africa Addio, dos mesmos realizadores da série Mondo Cane. A possibilidade de eles interferirem na realidade que filmam, é abordada na história, questionando uma das regras clássicas da produção de documentários, a isenção dos diretores na realidade filmada e distanciamento necessário para a veracidade do resultado do trabalho audiovisual de não-ficção. Na parte final de Cannibal Holocaust, aparece a cúpula da NYU vendo o material filmado pelos documentaristas mortos na selva, onde se revelam cenas ultraviolentas com destaque para a morte da tartaruga, a jovem índia empalada e a longa seqüência final de ataque dos canibais e carnificina anárquica, registradas pela câmera 16 mm, numa continuidade fílmica que capta tudo à volta até a morte do operador, que cai olhando para a lente da câmera num registro final...A trilha sonora antológica de Riz Ortolani funciona perfeitamente para ilustrar as cenas de extrema brutalidade, que fizeram com que o filme tivesse diversos problemas com a censura mundo afora, inclusive na Justiça por causa da suspeita que os atores realmente haviam sido mortos em cena, o que ficou provado que não posteriormente, embora o próprio diretor tentou causar essa impressão pedindo aos atores para se esconderem por alguns meses para criar esse marketing todo em torno de Cannibal Holocaust, uma farsa que durou pouco tempo mas marcou o filme para sempre. Atualmente redescoberto pela crítica, Cannibal Holocaust é considerado um clássico do cinema principalmente por seu experimentalismo em navegar pelos limites da encenação, dentro de uma narrativa e da estética documental e de ficção. Ainda observando essa questão estética, o realismo das interpretações e a crueza da filmagem dos personagens documentaristas feito em bitola 16 mm, encenando cenas realistas de tortura e estupro, fez com que se criasse na época do lançamento a lenda de que Cannibal Holocaust continha diversas seqüências de Snuff Movie , principalmente pelos detalhes do negativo arranhado , truque feito a mão pelo próprio Deodato. Essa crueza documental é justamente o que tornou esse filme um clássico absoluto do Cinema Extremo.

O falso documentário norte-americano de 1999, The Blair Witch Project (A Bruxa de Blair) copiou sem cerimônia a trama central de Cannibal Holocaust, contando a história de um grupo de documentaristas que desapareceu em uma floresta e teve seus negativos achados e posteriormente apresentados ao espectador.

Em termos de produção, Cannibal Holocaust foi um filme muito difícil e desafiador para toda equipe. Filmado em locações no Vilarejo de Letícia, na tríplice fronteira de Brasil, Colômbia e Peru, todo acesso era em sua maioria feito através de barcos em rios cheios de piranhas e sob um sol e um calor extremos para um grupo de Europeus que tiveram de enfrentar insetos de todos os tipos, além de falta de recursos financeiros que não tornaram possível fazer uma cena debaixo d´ água onde as tais piranhas devorariam um pobre incauto. Um boato rolou na época dizendo que eles usaram um corpo real para fazer a tal cena, mas não passa de outra lenda urbana sobre o filme. O que importa é a força de suas imagens e a maneira como Deodato trabalhou a Impressão do Realismo. Um filme que merece sempre uma revisão. Recentemente apresentado no II Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o filme superlotou a sala em uma salão antológica onde eu, Thomaz Alboenoz e Cristian Verardi falamos muito sobre o filme e o subgêneros do Horror Cinematográfico Italiano no qual ele se insere: os filmes de canibais, com um grande interesse do público que estava profundamente impressionado com o que acabavam de ver na tela.



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