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Dossiê Ivan Cardoso

O Sarcófago Macabro
Direção: Ivan Cardoso
Brasil, 2006.

O Sarcófago Macabro: o melhor filme da Mostra BR

Por Fernando Roveri, especialmente para a Zingu!

Se a Mostra BR de Cinema já homenageou grandes diretores do cinema brasileiro – como exemplo, a retrospectiva de Joaquim Pedro de Andrade –, por que não reverenciar Ivan Cardoso? Há de chegar o tempo em que Leon Cakoff e sua trupe de cinéfilos cabeçudos finalmente reconhecerão o mérito de um dos grandes autores da sétima arte tupiniquim. Se uma das funções do cinema é espelhar a realidade de uma determinada nação, Ivan Cardoso assim o fez, de uma forma irreverente e única, com uma obra repleta de referências que vão desde os clássicos americanos de horror às chanchadas da década de 50 do cinema brasileiro.

O próprio diretor se perguntou, certa vez, porque as comédias populares pararam de ser produzidas no país, pois, para ele, o Brasil é uma grande comédia. E sob essa opinião, Ivan Cardoso criou o seu universo repleto de monstros, múmias e vampiros, sob a amálgama do riso e as agruras de ser brasileiro. Desde 1970, quando estreou como diretor, o além se mescla ao popular, ao riso, ao deboche e, dessa maneira, foi o responsável pela criação do “terrir”.

Fico aparavalhado ao ver organizadores de mostras e festivais simplesmente ignoraram obras-primas como “O Segredo da Múmia”, “O Escorpião Escarlate” e o maravilhoso “As Sete Vampiras”? Lembro ter visto esse filme no final da década de 80 pela televisão, na extinta TV Manchete, escondido dos meus pais, e fiquei aparvalhado com aquela mescla de humor, erotismo e referências a grandes personagens clássicos do cinema de horror. Afinal, qual personagem foi mais adaptado para o cinema do que o vampiro? Desde o personagem imortalizado por Bela Lugosi, passando pela versão black de Blacula, até chegar ao clássico da Hammer, “O Circo dos Vampiros” e até, por que não?, o blockbuster “Entrevista com o Vampiro”? Se eles podem, assim deve ter pensado Ivan Cardoso, eu também posso. E assim o fez.
Ivan Cardoso não pode ser ignorado, afinal, além de ser praticamente o criador e precursor de um estilo único do nosso cinema, atraiu grandes platéias para as salas de exibição. Só para citar um exemplo, “O Segredo da Múmia” levou 1,3 milhão de espectadores. Pelo menos a Mostra BR não foi estúpida o bastante ao ponto de ignorar seu último trabalho, “O Sarcófago Macabro”, exibido no montante de filmes iranianos e europeus.

“O Sarcófago Macabro” é uma das estórias mais absurdas e geniais contadas. Um cientista brasileiro nazista, interpretado por ninguém menos que o fabuloso Wilson Grey, mumifica o corpo de Adolf Hitler e outros nazis pertencentes ao Terceiro Reich, e estes conseguem chegar ao Brasil transportados em confortáveis sarcófagos. Um elenco pra lá de brilhante: Tony Tornado, o maestro Júlio Medaglia, Roberto Maya, Orlando Drummond, além da participação de outro grande diretor que merece uma retrospectiva de sua obra: Carlo Mossy, impagável, além da presença do maestro Julio Medaglia e atores grandiosos do cinema brasileiro, como Tony Tornado e Orlando Drummond.

Não há como classificar e resenhar esta maravilha. Para mim, Ivan Cardoso é ainda o responsável pelo sopro de criatividade, irreverência e leveza que falta ao atual cinema braza. Desde a chamada “retomada”, não tinha visto algo que me agradasse tanto, a ponto de se tornar referência pra mim. Essa colagem divertidíssima de personagens, fatos, apoiados sobre uma trama absurda de Hitler mumificado no Rio de Janeiro é simplesmente um arregaço. O filme faz, de certa forma, um réquiem a “O Segredo da Múmia”, pois o cientista maluco que inventou o elixir da vida, interpretado por Wilson Grey, retorna a “O Sarcófago Macabro” sob as vestes de um nazista enlouquecido.

Quem sabe, a partir de agora, tio Cakoff e sua esposa Renata resolvam deixar de ser um pouco menos pseudointelecutalóides e passam a investir em retrospectivas de grandes diretores como Ody Fraga, Osvaldo Oliveira, David Cardoso e Tony Vieira?! Dessa maneira, “cinéfilos” que aguardam a sessão jogando xadrez (!) não vão nem passar perto das salas de exibição. E entre os longos filmes iranianos e os entediantes dramas franceses que Mr. Cakoff tanto gosta, encontrei essa pérola singular, obrigatória para qualquer admirador do verdadeiro cinema brasileiro. A Mostra, meus amigos, já foi grande. Hoje ela é apenas extensa e chata. Que venham as múmias em Copacabana!

Fernando Roveri é estudante de jornalismo na PUC-SP e apaixonado por cinema, principalmente o italiano, desde os diretores clássicos consagrados como Roberto Rossellini, Federico Fellini e Pier Paolo Pasolini até os grandes diretores de filmes de horror e cinema extremo, como Dario Argento, Joe D’amato e Sergio Martino, mas se declara fã ardoroso de Lucio Fulci e Sergio Leone. Este último, na sua opinião, fez os “maiores filmes do mundo”. Fernando também admira o cinema japonês e o brasileiro, principalmente os diretores Carlos Reichenbach, Luís Sérgio Person e Joaquim Pedro de Andrade. Escreve também na revista Adega (http://revistaadega.uol.com.br) e é editor do blog Focinho Gelado: http://muzzle.zip.net. Atualmente faz a pesquisa para a próxima edição do festival Filme Fashion.



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