Que história espera seu fim lá embaixo?
Por Melody Westenra
Lolita, de Vladimir Nabokov
É quase clichê começar uma coluna de literatura com esse livro – ao mesmo tempo, seria quase um pecado começar com qualquer outra obra.
Lolita é, muito provavelmente, a obra-máxima em se tratando de relações doentias, sexuais e amorosas. O protagonista-narrador, autodenominado Humbert Humbert, narra seu idílio amoroso com a 12-year-old Lô de dentro da prisão, como uma espécie de confissão e justificativa de seu crime – ter matado um homem.
O fio-condutor do livro é a descrição psicológica minuciosa da mente de um homem que, na sociedade vigente, é visto como um pervertido, uma maníaco, um doente – ao que o próprio Humbert, no início de seu relato, expõe, historicamente, quão natural é para um homem de mais de 40 anos se interessar e se relacionar com uma garota de menos de 14. Tanto nesse caso quanto em muitos outros momentos, as contradições de uma mente humana e de uma sociedade hipócrita são colocadas em jogo.
É impossível não concordar com Humbert quando ele nos mostra que foi Lolita quem o seduziu; ao mesmo tempo não podemos evitar a náusea quando ele a obriga a uma relação sexual da qual obviamente ela não gosta.
Lolita é pérfida, sabe do poder que tem, abusa de Humbert, joga com o amor dele – e ainda assim é vítima, não pode escapar de seu guardião legal, que a obriga a abandonar sua infância precipitadamente e se jogar numa rede de encontros mundanos e sujeira. Mas como saber quem é Lolita? Por mais que nos doa ver uma menina – aparentemente frágil – ser assediada dessa maneira, a face abusiva é tão ou mais doente que a de Humbert. Humbert ama, Lolita não, isso a confere poder inigualável, que a permite manipular tanto quanto necessário seu pobre amante.
E enquanto sofre pelas manipulações de sua ninfeta, Humbert aprende também a jogar – embora no final acabe perdendo o jogo, a garota, a dignidade e a liberdade. Cada vez que Lolita abertamente zomba de Humbert, ele a obriga a ir para a cama com ele. Chega a ser nojento, e a raiva que nos brota ao assistir a Humbert explorando Loli é esmagadora. No entanto, no momento seguinte ele sempre se arrepende, vê a menina inocente que ele carrega nua nos braços, sente pena da criança em coma em algum lugar dentro daquele corpo pequeno – e nós o amamos tanto quanto ele ama Lolita. Queremos ser amados por alguém como Lolita é amada, queremos ter alguém que nos proteja dessa maneira, nos idolatre e nos deseje – queremos Humbert para nós.
E esse é a grande cartada do livro. Humbert é o único personagem absolutamente esférico da literatura, o único que possui uma dualidade real e dolorosa, o único que desperta amor e ódio, dó e ânsias nauseantes, nojo e compreensão. E isso se dá desde o início, em que ele descreve seu primeiro amor, sua primeira ninfeta, sua tensão sexual frustrada – muito provavelmente as causas de sua obsessão por crianças até os dias da narração.
A atmosfera inicial do livro é lúdica, idílica, tem colorações de sonho e de fábula. Temos vontade de viver nessa parte do livro para sempre – é tudo dourado, ensolarado, confortável. Vemos o pequeno Humbert, com 13 anos, e sua primeira paixão, Annabel, 12 anos, cujos pais eram vigilantes e proibitivos. “De alguma forma mágica e fatal, Lolita começou com Anabel”. Só não há como saber se em Lolita Humberto projeta o amor perdido de Annabel, ou se Annabel foi simplesmente a primeira demonstração de uma preferência inata que perduraria até sua morte.
De uma maneira ou de outra, Humbert amou Annabel, amou Lolita, amou mais a si mesmo enquanto as possuiu e possuiu o mundo enquanto as amou. Cabe ao resto do mundo – não a ele mesmo, nem às ninfetas as quais ele quis – tentar compreender um relance do que esse amor significou – paixão, doença, perversão... Quem realmente sabe a diferença entre essas abstrações?
Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua desencdo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
(...)
Na verdade, jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num pricipiado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor do que um assassino para exibir um estilo floreado.
Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins – os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos.
É quase clichê começar uma coluna de literatura com esse livro – ao mesmo tempo, seria quase um pecado começar com qualquer outra obra.
Lolita é, muito provavelmente, a obra-máxima em se tratando de relações doentias, sexuais e amorosas. O protagonista-narrador, autodenominado Humbert Humbert, narra seu idílio amoroso com a 12-year-old Lô de dentro da prisão, como uma espécie de confissão e justificativa de seu crime – ter matado um homem.
O fio-condutor do livro é a descrição psicológica minuciosa da mente de um homem que, na sociedade vigente, é visto como um pervertido, uma maníaco, um doente – ao que o próprio Humbert, no início de seu relato, expõe, historicamente, quão natural é para um homem de mais de 40 anos se interessar e se relacionar com uma garota de menos de 14. Tanto nesse caso quanto em muitos outros momentos, as contradições de uma mente humana e de uma sociedade hipócrita são colocadas em jogo.
É impossível não concordar com Humbert quando ele nos mostra que foi Lolita quem o seduziu; ao mesmo tempo não podemos evitar a náusea quando ele a obriga a uma relação sexual da qual obviamente ela não gosta.
Lolita é pérfida, sabe do poder que tem, abusa de Humbert, joga com o amor dele – e ainda assim é vítima, não pode escapar de seu guardião legal, que a obriga a abandonar sua infância precipitadamente e se jogar numa rede de encontros mundanos e sujeira. Mas como saber quem é Lolita? Por mais que nos doa ver uma menina – aparentemente frágil – ser assediada dessa maneira, a face abusiva é tão ou mais doente que a de Humbert. Humbert ama, Lolita não, isso a confere poder inigualável, que a permite manipular tanto quanto necessário seu pobre amante.
E enquanto sofre pelas manipulações de sua ninfeta, Humbert aprende também a jogar – embora no final acabe perdendo o jogo, a garota, a dignidade e a liberdade. Cada vez que Lolita abertamente zomba de Humbert, ele a obriga a ir para a cama com ele. Chega a ser nojento, e a raiva que nos brota ao assistir a Humbert explorando Loli é esmagadora. No entanto, no momento seguinte ele sempre se arrepende, vê a menina inocente que ele carrega nua nos braços, sente pena da criança em coma em algum lugar dentro daquele corpo pequeno – e nós o amamos tanto quanto ele ama Lolita. Queremos ser amados por alguém como Lolita é amada, queremos ter alguém que nos proteja dessa maneira, nos idolatre e nos deseje – queremos Humbert para nós.
E esse é a grande cartada do livro. Humbert é o único personagem absolutamente esférico da literatura, o único que possui uma dualidade real e dolorosa, o único que desperta amor e ódio, dó e ânsias nauseantes, nojo e compreensão. E isso se dá desde o início, em que ele descreve seu primeiro amor, sua primeira ninfeta, sua tensão sexual frustrada – muito provavelmente as causas de sua obsessão por crianças até os dias da narração.
A atmosfera inicial do livro é lúdica, idílica, tem colorações de sonho e de fábula. Temos vontade de viver nessa parte do livro para sempre – é tudo dourado, ensolarado, confortável. Vemos o pequeno Humbert, com 13 anos, e sua primeira paixão, Annabel, 12 anos, cujos pais eram vigilantes e proibitivos. “De alguma forma mágica e fatal, Lolita começou com Anabel”. Só não há como saber se em Lolita Humberto projeta o amor perdido de Annabel, ou se Annabel foi simplesmente a primeira demonstração de uma preferência inata que perduraria até sua morte.
De uma maneira ou de outra, Humbert amou Annabel, amou Lolita, amou mais a si mesmo enquanto as possuiu e possuiu o mundo enquanto as amou. Cabe ao resto do mundo – não a ele mesmo, nem às ninfetas as quais ele quis – tentar compreender um relance do que esse amor significou – paixão, doença, perversão... Quem realmente sabe a diferença entre essas abstrações?
Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua desencdo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
(...)
Na verdade, jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num pricipiado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor do que um assassino para exibir um estilo floreado.
Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins – os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos.