html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Dossiê Jairo Ferreira

OS BLEFES DO MOJICA

Por Jairo Ferreira
Seleção e transcrição: Matheus Trunk

Justamente pelo “impacto popular” que vem causando, José Mojica pode ser visto como mais um desses fenômenos artísticos que estremecem o marasmo do cinema nacional mesmo não deixando uma contribuição mais séria. Mojica não tem a menor pretensão, isto é, perspectiva de englobar-se naquela história-que-marcha-pra-frente , contentando-se com o sucesso imediato e o nome em letras maiúsculas nessa enciclopédia de besteiras que é o cinema de massa entre nós. Ele mobiliza a platéia, abre alas, faz figura. Isto é o que falta a muita gente de qualidade. Talvez Mojica seja mesmo importante: a decisão cabe ao cinema nacional, ao processo revolucionário...Enquanto o Brasil está dormindo, que venham mil Mojicas !

O que deve ser feito ? O que deve ser pensado ? O irracionalismo nacional campeia pela cidade, pelo interior, pelo sertão. Se o público repele a inteligência, asneiras sejam dadas ao público. As imposições do governo atual estão já inculcadas na mentalidade popular: a massa não tem reações, permanece entorpecida. Os filmes de Mojica são uma agressão, embora não tenham o menor sentido revolucionário. É uma revolta fictícia, trágica e irracional, obtendo um resultado subliminar, pois se não há transformação social surge uma transformação existencial...Tudo não passa de sugestões, impressões. Centenas de pessoas gostaram dos filmes, mas não conseguem explicar nada. Perderam a lucidez (que nunca tiveram), perderam a capacidade de agressividade e, no fundo, subconscientemente pensaram que Zé do Caixão pe um líder como Jânio Quadros...Mas um e outro discordam: deve-se instruir a platéia a não aceitar o seu cinema nacional predileto; a opinião de alguns críticos representa as conveniências dos mesmos. Trata-se de saber manobrar: elogiar a calamidade pode ser tática: combater as fitas de Mojica pode ser frustração. A guerra ainda não começou e os adversários escolhem suas armas: Mojica é uma dessas armas de dois gumes. Começa a ser uma situação, um fato sociológico.

Não é por sadismo que À Meia- noite Encarnarei No Teu Cadáver não resiste a uma crítica, muito menos análise. Sua estrutura interna assim se representa: filosofia (se houvesse) à maneira de um Nietzsche provinciano; método de produção (inexistente); picaretagens e falcatruas; estética; mil erros de continuidade; ausência de “linguagem” ou “narração”. Isto sem falar no pedantismo, na megalomania, no cabotinismo. Ou seja: ignorância, no entanto, tomada por “primitivismo”. Direção de interpretes: não existe; montagem: idem; música: discos o que é de menos. Calamidade: um cinema espúrio por excelência, paupérrimo por condição. Mas suficiente para alvoroçar uma cidade. Já nem se fala do tema: arcaico, bestiáloide e gratuito.

Parabéns a Mojica e ao subdesenvolvimentismo !

*Publicado originalmente no “São Paulo Shinbun” em 23 de março de 1967



<< Capa