Dossiê Sady Baby
Direção: Sady Baby e Renalto Alves,
Brasil, 1985.
Por Fernando Roveri, especialmente para a Zingu!
Ainda há de chegar o dia que a obra de Sady Baby seja reconhecida como uma das mais notáveis entre o período em que o sexo explícito já dominava a Boca do Lixo. Infelizmente, tanto imprensa quanto críticos e pesquisadores de cinema brasileiro ainda enxergam esta fase como ínfima dentro da nossa sétima arte. Pura bobagem. Assim como vem acontecendo nos Estados Unidos e Europa com o chamado "cinema B", que vem sido reconhecido, restaurado e, conseqüentemente, conquistado uma legião de novos fãs, no Brasil isso acontece a passos muito lentos, mas caminhantes. Há uma parcela de admiradores desse cinema feito com muita raça, coragem, e principalmente, criatividade. Nesse ínterim, há nomes de destaque que merecem nosso respeito e admiração: Conrado Sanchez, David Cardoso, Jean Garret, Juan Bajon, Ody Fraga, Tony Vieira, mas principalmente Sady Baby.
Se houve ousadia no cinema da Boca, o nome de Sady Baby deve ser colocado em primeiro lugar. Nenhum outro diretor foi tão longe e ousou tanto como este gaúcho que, para felicidade dos seus fãs, volta a filmar em breve com idéias tão corajosas e criativas quanto a de seus filmes anteriores. Na Boca, Sady foi o mais ousado, o mais extremo, o mais transgressor. Enquanto diretores ainda "se enchiam de dedos" de colocar cenas de sexo gay em seus filmes, ele já as fazia sem o mínimo de pudor ou preconceito. Para ele, sexo é sexo, não importa com o que ou com quem seja feito. O importante é o prazer, gozar infinitamente, seja com homem, mulher, cavalo, jegue ou qualquer outro tipo de ser vivo. Exagero? Basta ver para crer.
Segundo o próprio diretor, seus filmes representam os desejos que cada ser humano tem reprimido dentro de si, mas não tem a mínima coragem de assumir. Sady apenas os traz à tona. Quem se choca são aqueles que não compreendem a psique humana. Sexo com animais existe há séculos. Entre homens então, nem se fala. Além disso, seus filmes têm uma forte pincelada de humor sórdido, às vezes cruel, mas que não deixa de divertir. Seus filmes tinham repercussão e sucesso de bilheteria porque mesclavam desejos humanos "subterrâneos" com esse humor escrachado. Mais popular, mais cara do povão, impossível.
Entre sua ótima filmografia, "O Calor do Buraco" é um de seus filmes de destaque. Esqueça essa fórmula de roteiro linear, de "contar uma história". Assim como na obra de Jess Franco, o enredo, nos filmes de Sady Baby, é o que menos importa, não para ele, mas para nós. O importante é prestar atenção em cada seqüência e ficar atento a cada detalhe.

"No Calor do Buraco" é, pelo menos para mim, uma das obras-primas absolutas do Mestre. Com uma sucessão de acontecimentos que não se entrelaçam, este é, sem dúvida, um de seus filmes mais corajosos e divertidos. É também invariavelmente surrealista. Afinal, porcos falantes não se encontram em qualquer filme, ainda mais quando há uma tentativa de estupro (!). É como se Sady Baby tivesse promovido um encontro entre Jan Svankmajer e Gerard Damiano. Não tem o mínimo pudor de mostrar o brasileiro de verdade em situações inimagináveis. Enquanto diretores atuais tentam promover o "choque" e "causar polêmica" em filmes como "Cama de Gato", o diretor gaúcho já o fazia muitos anos atrás, sem tais pretensões. E assim dá certo. Antes de ser alçado como cult, Sady Baby tem um pequeno, mas representativo grupo de admiradores, tanto pelo seus filmes quanto pela sua surpreendente história de vida. Afinal, neste país torto, é no calor do buraco que a coisa pega fogo.