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Que história espera seu fim lá embaixo?

Por Melody Westenra

Histórias Escolhidas, de Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles é conhecida por todos pela sua obra As Meninas, livro considerado no mínimo intrigante por todos que o leram. Assim como Clarice Lispector, ela retrata literariamente o universo feminino de maneira delicada, intrínseca e não-usual, sendo capaz de transformar os dez minutos mais comuns de uma vida em um conto extremamente sensível.

Histórias Escolhidas é uma antologia de contos selecionados pela própria autora, que tratam das mais diferentes rotinas de todo o tipo de pessoa comum – da quarentona divorciada da alta sociedade à moça do interior que veio para a grande cidade tentar a vida. Em todos os contos, não importa qual seja a abordagem ou o narrador, é sempre muito difícil não ser inserido no universo criado por Lygia, onde cada conflito aparentemente banal passa a ser um conflito interno de extrema importância.

No conto “Venha Ver o Pôr do Sol”, o encontro de uma moça com seu ex-namorado se transforma num incômodo latejar de lembranças e ressentimentos. “As Cartas” toma esse mesmo caminho, distorcendo um relacionamento e pouco a pouco mostrando faces doentias que só conseguem ser enxergadas quando nós somos colocados no extremo interior das relações humanas.

E é assim, relatando as mais simples relações, que Lygia coloca o leitor num universo de deturpações nas quais todas as vertentes de emoções humanas são colocadas em jogo. E embora essas emoções – ou a idéia que costumamos ter delas – sejam desafiadas, elas nunca são julgadas. O fim do amor, o desejo de ter uma vida melhor, a infidelidade ocasionada pela infelicidade... Nada disso é errado nos contos de Histórias Escolhidas. Não existe imoralidade nessas histórias, existe apenas a humanidade mais pura – em toda a sua podridão e em toda sua beleza.

É muito fácil para nós, leitores, no entanto, enxergarmos toda essa sujeira relatada no livro como o fruto de personagens que não conseguem equilibrar suas emoções, personagens quase marginais – mas ao mesmo tempo, é impossível não encontrar cada um desses personagens dentro de nós. E é exatamente isso que esse livro nos proporciona: ver nossa verdadeira imagem e tudo que tentamos esconder, tudo que é horripilante demais para que possamos aceitar, tudo que parece doentio demais para existir dentro das pessoas sãs.

Por mais que seja desagradável admitir, não posso querer evitar compreender o seguinte: Me encontrei num livro da Lygia Fagundes Telles.




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