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RUÍDO

ARETHA FRANKLIN - I NEVER LOVED A MAN THE WAY I LOVE YOU

Por Laís Clemente

Se é verdade que na história de toda banda de rock há uma garagem e que no percurso de todo rapper há uma batalha de MCs, então no passado de qualquer músico da R&B há uma infância passada na igreja da vizinhança. Foi assim com Ray Charles e Sam Cooke e não poderia ter sido diferente com a filha do reverendo C. L. Franklin, da new bethel baptist church. A diferença é que o envolvimento de Aretha Franklin com a igreja era em tempo integral. Afinal, os filhos do reverendo tinham de conhecer a vida de artista em turnê bem cedo, junto com todo o seu rigor, noites sem dormir e viagens intermináveis de carro – enquanto seu pai, é claro, ia de avião.

Aos 18 anos, encorajada por Major Holy, o baixista da banda do pianista Teddy Wilson, ela foi a Nova Iorque, onde rapidamente conseguiu um contrato com a Columbia records. Lá gravou nove álbuns em seis anos, de 1960 à 1966, mas sem emplacar nenhum grande sucesso.

Assim que o contrato de Aretha com a Columbia acabou, o produtor Jerry Wexler e a Atlantic records ofereceram a Ted White (seu marido e empresário) uma grande quantidade de dinheiro pelos serviços de sua esposa. Ele relutou, mas aceitou, e Wexler mandou-lhes para Muscle Shoals, Alabama. E foi lá que ela começou a gravar um de seus melhores álbuns, I never loved a man the way I love you. Nele estão canções que são clássicas até hoje, como Dr. Feelgood e a música pela qual a Queen of soul é mais lembrada: Respect.

O que nem todo mundo sabe é que Respect foi originalmente gravada por Otis Redding - com um belo arranjo (principalmente de saxofones) e sem backing vocals -, mas, na década de 60, em que mulheres queimavam sutiãs em passeatas em busca de seus direitos, a voz de Aretha fez com que a canção ganhasse uma nova dimensão, transformando-se em hino das feministas.

Clássicos à parte, o ponto mais alto do disco é sem dúvida a canção que lhe dá nome. I never loved a man the way I love you é um blues cantado com tanta emoção que dá arrepios. Ele conta a história da mulher que não consegue se desvencilhar de alguém que a engana e trai, sabendo enfatizar os momentos certos para usar sua potência vocal e assim alcançar os efeitos desejados, realçando a semântica da letra. Gravada no Fame Studios, no estado americano do Alabama, a canção foi escolhida a dedo pela própria Aretha, que além dos vocais é responsável pelo piano. Enquanto ela mostrava a canção para a banda no piano, o arranjador Charlie Chalmers foi até o escritório de Rick Hall para compor o arranjo dos metais. Quando voltou, a canção foi gravada de uma só vez, completamente ao vivo.

Foi essa também a primeira música do álbum a ser gravada. Assim que as cópias em vinil somente com esta canção ficaram prontas, Jerry Wexler conta que as distribuiu a todos os disc-jockeys negros que conhecia. “Eles passaram a tocar intensivamente a canção e a receber centenas de telefonemas dos ouvintes.” Mas para lançar um single, Jerry precisaria de uma música para o lado B do disco. Aretha foi então até os estúdios em Nova York junto com suas irmãs para gravar algo que eles já haviam começado: Do right woman, do right man. A composição de Dan Penn e Spooner Oldham tem como backing vocals suas duas irmãs, Carolyn e Erma Franklin.


Aretha e Wexler

Na Atlantic Records, sem a tentativa de seus produtores da Columbia de fazê-la cantar musica pop, ela teve a oportunidade de gravar canções de seus ídolos. Em “I never loved a man...”, faz covers de Ray Charles (Drown in my own tears) e de Sam Cook (Good times e A change is gonna come).

Good times ganhou andamento mais rápido que a versão original, enfatizando que os "bons tempos" devem ser aproveitados, afinal, segundo o eu-lírico "pode ser que nunca mais me sinta assim de novo.” Já A change is gonna come ficou bem mais econômica que sua gravação original. A versão de Sam Cooke, com orquestra regida por René Hall, tem instrumentos diversos, entre eles: 9 violinos, vários trombones, um violoncelo e uma trompa. Aretha e Wexler optaram por usar quase que exclusivamente piano e bateria, enfatizando a interpretação lamuriosa da cantora.

Save me, décima música do álbum, é o tipo de canção que ninguém estranharia se estivesse no repertório de Janis Joplin. Apesar de ter uma pegada mais roqueira – ao mesmo tempo com um incrível swing - a interpretação de Aretha lhe caiu muito bem. Talvez porque Save me fosse tudo o que ela quisesse dizer, mas não conseguia. A letra diz que “o amor nos deixa frios e machucados por dentro”. No caso dela, por dentro e por fora. À época da gravação deste álbum, Aretha ainda era casada com seu empresário, Ted White. Durante esse relacionamento, podia-se ler nas páginas da Soul, Sepia e da Time histórias de espancamentos públicos e privados e até de um arranhão feito com o objetivo de discipliná-la. White chegou mesmo a forçá-la a ficar por quatro dias trancada em um quarto para escrever músicas. Por causa dele e de seu medo de perder controle sobre a esposa, Aretha quase não assina contrato com Wexler e a Atlantic Records. White também fez questão de comprar briga com todos os músicos da banda, dizendo como cada um deles deveria tocar, mesmo não sabendo sequer ler partitura.

Apesar dos inconvenientes (ou do inconveniente), o disco ficou pronto e foi lançado em março de 1967. Foi com ele que Aretha começou a ganhar todo o prestígio que tem hoje. Com um repertório de 11 músicas bem escolhidas e bem executadas – tanto por ela quanto por sua banda -, chegou ao 1º lugar do Hot 100 da revista Billboard e ganhou seu primeiro disco de ouro. Mas as coisas mudam. Hoje, aos 65 anos de idade, apesar de tratada como eterna diva pela mídia, o apelido de “Queen of soul” já não lhe cai tão bem. Vê-se por suas recentes parcerias. Em 1998, ela pôde ser vista nos palcos e nos DVDs de milhões de pessoas ao lado de Mariah Carey e Shania Twain no Divas Live, do canal VH1. Em 2001, ela volta aos palcos do VH1, desta vez acompanhada de Janet Jackson e dos Backstreet Boys.

A próxima na lista das divas (assim mesmo, com aspas grandes e em negrito) com quem fará dueto será Cristina Aguilera, no próximo álbum de Aretha que se chamará Jewels in the crown: all star duets with the queen. A previsão é de que o disco esteja nas lojas antes do final do ano. Aguardem... ou não.



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