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FAROESTES MADE IN BRAZIL - parte 1

Você nem desconfia, mas muito antes da novela Bang-Bang, o Brasil teve sua produção de faroestes. Nesses épicos tupiniquins, o uísque dava lugar á cachaça e caubóis viravam dioguinhos e gregórios. Descubra o inevitável western feijoada, o gênero mais cult (e clandestino) do cinema nacional

Por Rodrigo Pereira, especialmente para a Zingu!

No clássico Rogo a Deus e Mando Bala (1972), Charles, Mark, Jack e Paco chegam a cavalo a La Fuente, vilarejo perdido na fronteira entre México e Estados Unidos. Mal-encarados, entram no saloon e se acomodam numa das mesas. Charles se levanta, vai até o balcão e ordena: “Me dá uma cachaça”. Cachaça ? Numa fita de caubói ? Bem-vindo ao insólito e fascinante universo dos westerns feijoada. Nunca ouviu falar deles ? Culpe os críticos dos anos 60 e 70, que não freqüentavam os cinemas da periferia e das cidades interioranas, onde os faroestes tupiniquins faziam o maior sucesso. O povão adorava aqueles tiroteios e cavalgadas em português sem legendas. Quem achava o Cinema Novo o máximo, contudo, não engolia pérolas da estirpe de Gregório 38 (1969), considerado “uma cópia servil, um carbono grosseiro e mal armado de todos os clichês instituídos pelo western americano”, segundo o crítico Alberto Silva, do Jornal do Commercio. Que arremata, sem dó nem piedade: “Uma linguagem primariamente acadêmica serve a todos os cacoetes do faroeste de terceira classe. O destino de Gregório 38 é o lixo, na melhor das hipóteses”...Ok, ele tem alguma razão. Nesses filmes, os vilões bebem vinho no gargalo, dão tiros para o ar e gritam “irrááááááá”. Depois, roubam as terras, o gado, o dinheiro (ou todas as alternativas anteriores) do mocinho. De quebra, violentam mulheres e alguém da família dele. Este, p. da vida, desce o sarrafo nos meliantes e depois os enche de chumbo. Em alguns casos, os enche de chumbo e desce o sarrafo neles. Definição curta e grossa: é filme de macho.

A inspiração para o primeiro bangue-bangue brasileiro veio de uma fita sobre o cangaço. O pioneiro caubói, Maurício Morey, havia participado como figurante das filmagens de O Cangaceiro (1953) em Vargem Grande do Sul, cidade paulista/ie fazoa as vezes de Nordeste. Lá, conquistou a estrela Marisa Prado, então noiva do diretor-geral de produção da companhia Vera Cruz. Acabou expulso do set e limado na montagem final do filme, que arrebentou as bilheterias e faturou o prêmio de melhor filme de aventura no Festival de Cannes. Traído, Morey decidiu dedicar-se à vingança. “Quando vi aquele sucesso, tive a certeza de que não faltaria público para um faroeste rodado em nossas paisagens”, explica ele, que hoje, aos 77 anos, é fazendeiro.

Morey convenceu o vice-prefeito de Santa Rita do Passa Quatro a produzir Da Terra Nasce o Ódio (1954), estrelado por ele e dirigido por seu irmão, o médico (sim, médico !) Antoninho Hossri- artisticamente Antoninho usava o sobrenome paterno e Maurício, o materno. Diferentemente das produções das décadas posteriores, geralmente exibidas no circuito secundário, Da Terra Nasce o Ódio estreou no luxuoso Art Palácio e em mais 14 cinemas de São Paulo. Uma boa medida da repercussão é o fato de The Big Country, western de William Wyler, ter recebido no Brasil, quatro anos depois, o muito semelhante título Da Terra Nascem os Homens (1958). O sucesso foi tanto que, nos quatro anos seguintes, foram produzidos 13 bangue-bangues rurais. Entre eles, uma nova versão da história real do bandoleiro Dioguinho (1957), que já rendera um filme mudo em 1917, agora com Hélio Souto e John Herbert sob direção de Carlos Coimbra (futuro especialista em filmes de cangaço). Seguiram-se A Sina do Aventureiro (1958), estréia de José Mojica Marins (o Zé do Caixão) como direitor, e Fronteiras do Inferno (1959), do cineasta “cabeça” Walter Hugo Khouri.

Morey, empolgado, estrelou duas novas aventuras: A Lei do Sertão (1956) e Homens sem Paz (1957). Na primeira, de novo sob ordens do irmão, ele teve a companhia de Milton Ribeiro (o vilão do O Cangaceiro) e Maurício do Valle (futuro intérprete de Antônio das Mortes, o matador de cangaceiros nos “westerns” engajados de Galuber Rocha). Ou seja, a final flor do cinema macho da época.

De 1960 até 1968, foram produzidos sete faroestes no Brasil. A semente estava plantada. “Desde que assisti às fitas do Maurício Morey, a idéia de fazer um western não me saía da cabeça”, admite Rubens da Silva Prado, 61 anos. Ele concretizou seu sonho com Gregório 38 (1969) rodado em Guararema nos fins de semana.

Prado representa bem a geração de diretores radicada na Boca do Lixo, área do centro de São Paulo onde se concentravam dos anos 60 aos 80- e que hoje é conhecida como Cracolândia. “Produzi, dirigi, montei, compus a trilha sonora e, sob o pseudônimo de Alex Prado, fiz o protagonista, além de operar a câmera quando não estava em cena”, sintetiza o diretor-produtor- ator-etc.


No filme, o vilão Gregório, vivido por um tal Gran Dini, morre no final. Mas foi tão bem sucedido que o cineasta faz-tudo ressucitou o personagem, converteu-o em herói e passou ele mesmo a interpreta-lo nos inacreditáveis Gregório Volta para Matar (1974), A Febre do Sexo (1981) e A Pistola que Elas Gostam (1982). Gregório está para o western feijoada como Django está para o western spaghetti.

A filmografia de Rubens da Silva Prado, que tem ainda Sangue em Santa Maria (1971) e A Vingança de Chico Mineiro (1979), não nega fogo em dois quesitos imprenscindíveis do western feijoada: tem muito sangue cenográfico e muita mulher pelada. Tanto quer, nos anos 80, auge do cinema pornô brasileiro, ele inseriu seqüências de sexo explícito em A Febre do Sexo e o transformou em Sexo Erótico na Ilha do Gavião (1986). Fez a mesma coisa em A Pistola que Elas Gostam, que virou O Gozo da Pistola (1988). O homem é mesmo um gênio.

Ao lado de Gregório 38, dois outros títulos de 1969 desencadearam o segundo boom dos bangue-bangues rurais, agora já devidamente batizados de westerns feijoada: o carioca O Tesouro de Zapata e o paulistano Meu Nome É...Tonho. O primeiro inaugurou a moda de filmar no Brasil enredos que se passam nos Estados Unidos e/ou México, seguindo os modelos dos popularíssimos westerns spaghetti da época. O México do diretor e protagonista Adolpho Chadler ficava em Cabo Frio (RJ), Congonhas do Campo (MG), Brejo de São José (PE) e Maceió (AL).

Já Meu Nome É...Tonho, ambientado no Brasil mesmo, foi rodado na mesma Vargem Grande do Sul que servira de cenário para O Cangaceiro. A direção leva a assinatura do ex-caminhoneiro Ozualdo Candeias, idolatrado pela crítica por seu A Maregem (1967), marco zero do cinema marginal. Seu faroeste caipira desconstrói os clichês do gênero com o mesmo vigor de Era Uma Vez no Oeste (C´Era uma Volta Il West, 1968), do italiano Sérgio Leone. “O bangue-bangue americano era safado, tinha um quê de manipulação. Já o bangue-bangue italiano seguia uma linha caricatural, ao mesmo tempo engraçado e crítica”, conceitua Candeias, já falescido e conhecido como o mais mal-humorado dos cineastas da Boca. “Meu filme é baseado nas coisas que eu vi e ouvi quando andava no meio dos tropeiros do Mato Grosso, mas, se quiserem chamar de faroeste, tudo bem, não dou a mínima”.

A maioria dos intérpretes de Meu Nome É...Tonho fez carreira no gênero. É o caso de Toni Cardi, 64 anos, que voltou a viver tipos rudes em Pedro Canhoto, o Vingador Erótico (1974), Noiva da Cidade, O Desejo dos 7 Homens (1974) e A Última Bala (1975). “Falar em cinema é falar em western”, reflete ele, que hoje é corretor de imóveis. “Pena que no Brasil, ao contrário de Hollywood e Cinecittá, ninguém encarava esse troço como indústria.”

Bem, tentar, até que tentaram. Carlos Augusto de Oliveira e Osvaldo de Oliveira, por exemplo, adotaram os pseudônimos de Charles Oliver e Oswald Oliver ao dirigir respectivamente, Lista Negra para Black Metal (1970) e Rogo a Deus e Mando Bala (1972). Em ambos, tanto elenco quanto equipe técnica se escondiam sob nomes americanizados. Os Oliveiras- ou Olivers- não eram parentes (Carlos Augusto, aliás, é pai da ex-senhora Chiquinho Scarpa, Carola e irmão do ex- todo poderoso da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni). No Brasil, surgiu até uma sátira à já satírica série spaghetti Trinity, intitulada Trindad...É Meu Nome (1974). O galã David Cardoso e o gordo Carlos Bucka ocupavam o lugar de Terence Hill e Bud Spencer.

Os westerns eram levados tão a sério que o produtor Roberto Farias quase contratou o italiano Giuliano Gemma para estrelar um faroeste no Mato Grosso do Sul, Cainangue, a Pontaria do Diabo (1974). Diante da recusa, tentou o também astro do spaghetti Anthony Steffen- ou Antônio de Teffé, nascido na embaixada do Brasil em Roma e criado na Itália. “Ainda foram cogitados os nomes de Roberto Carlos, mas ele não poderia montar a cavalo por causa da perna mecânica e do Éramos, que estava gordo demais na época”, entrega David Cardoso, 64 anos, para quem sobrou o papel principal da refilmagem não-assumida de Os Brutos Também Amam (Shane, 1953) de George Stevens.

Outro grande ídolo do gênero foi Tony Vieira. Nascido Mauri de Oliveira Queiroz, em Dores do Indaiá, Minas Gerais, ele tem uma trajetória que lembra muito a de seu ídolo, Clint Eastwood. O ator norte-americano atuou em filmes B e num seriado de TV antes de ser convidado para estralas Por um Punhado de Dólares (Per um Pugno di Dollari, 1964) de Sérgio Leone. O sucesso mundial dessa co-produção ítalo-hispânico-germânica desencadeou a febre dos westerns spaghetti. Eastwood rodou mais duas produções bem sucedidas com Leone, voltou para os EUA e firmou-se como astro e diretor.

Tony Vieira, por sua vez, foi vendedor de balas, trapezista e lutador de telecatch antes de fazer figuração nas novelas da TV Excelsior de São Paulo. Começou a carreira cinematográfica como coadjuvante em Panca de Valente (1968), de Luís Sérgio Person e Uma Pistola para Djeca (1970) com Mazzaropi - coincidentemente, duas sátiras ao spaghetti. Virou protagonista ao intepretar o herói Caviúna em Quatro Pistoleiros em Fúria (1972) e na seqüência Um Pistoleiro Chamado Caviúna (1972), ambos dirigidos pelo polonês Edward Freund.

No mesmo ano, Tony assumiu a direção e estrelou o megasucesso Gringo, o Último Matador. O elenco incluía ainda o careteiro Heitor Gaiotti, o mentor Edward Freund (responsável pela direção da parte técnica, porém não creditado), a loira gostosa Claudette Jaubert (musa e namorada de Tony) e o cineasta “sério” Carlos Reichenbach na pele de um bandido mexicano.

Quase um sósia de Lee Van Cleef, o ator Heitor Gaiotti, 66 anos, encarnou o parceiro malandro de Tony em mais de dez produções. Entre uma pinga e outra, ele recorda um episódio que enchia de orgulho o amigo: “A gente tinha ido incógnito a uma sessão de Gringo no Cine Penha. Na saída, um cara falou: “Esses brasileiros são sem-vergonhas mesmo ! Compram um faroeste italiano, dublam em português e vendem como fita nacional”.

Tony, Heitor e Claudete fizeram uma série de filmes policiais, mas voltaram ao western em A Filha do Padre (1975) e Os Violentadores (1978). Separado de Claudette, Tony ainda rodou com Heitor os bangue-bangues Condenada por um Desejo (1981) e Calibre 12 (1988). Encerrou a carreira atuando em shows de sexo explícito no centro de São Paulo. Morreu de causa não-revelada, provavelmente de aidsmem 1990.

Com o fim das salas de bairro, o advento dos Multiplex, os orçamentos milionários e a obsessão dos diretores da “retomada” (retomada de quê, cara-pálida ?) pelo Oscar, morreu também o western feijoada. Certamente, travou seu último duelo ao som de uma música surrupiada de alguma trilha composta por Ennio Morricone.

Na próxima edição da Zingu!, a segunda parte da série “Faroestes Made In Brazil”




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