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TESOUROS DOS QUADRINHOS
Clássicos absolutos das HQs, de todas as épocas e estilos.
Por Daniel Salomão Roque

AIR HAWK AND THE FLYING DOCTORS, de John Dixon (1959)

Especialistas costumam apontar as mais diversas semelhanças culturais e geográficas entre a Austrália e o Brasil, e se existe uma que costuma passar batido é a fantástica produção de quadrinhos que existe por lá desde os primórdios deste veículo, no meio da qual podemos garimpar uma infinidade de obras do mais alto nível, todas desconhecidas por aqui (o que não provoca nenhum estranhamento, visto que mal sabemos o nome dos clássicos produzidos no nosso próprio território). A ignorância que nos acomete é tão monstruosamente bizarra que não poupa nem mesmo John Dixon, artista aclamado de maneira fervorosa em todos os países onde as HQs são levadas a sério e tido como o maior expoente das bandas desenhadas australianas.

Nascido em 1929, Dixon era um autodidata dos desenhos, adentrando no mercado de quadrinhos por ter se desiludido com a publicidade, ramo onde trabalhava anteriormente. Sua nova carreira teve início em 1946, com o lançamento das revistas Tim Valour e The Crimson Comet, que se tornaram imensos sucessos locais. Nesta época, o autor encontrava-se desesperado não só por dinheiro, mas também pela ampliação de seus horizontes artísticos, tendo essas duas publicações servido como uma espécie de laboratório e treinamento para os trabalhos mais relevantes e maduros que faria mais tarde. Em 1959, abandonou os gibis para se dedicar às tiras, e no dia 14 de junho daquele mesmo ano estreava nos maiores jornais de Sydnei a página Air Hawk and the Flying Doctors.

Naquela altura do campeonato, o nome John Dixon já era associado a excelentes quadrinhos de aventura, razão pela qual o autor decidiu impregnar com um perfeccionismo exacerbado todas as etapas de seu processo criativo. Ninguém sabe exatamente quanto tempo durou a concepção do personagem, mas reza a lenda que Dixon já vinha há anos elaborando o título em todas as suas minúcias. Fanático por aviões, o artista não tardou a perceber que estas fascinantes máquinas são sinônimo de emoção e transformou a aviação na premissa de sua nova obra. Deste modo, o protagonista da mesma era Jim, um hábil piloto cujo trabalho se resumia a controlar um serviço de entregas aéreas (o “Air Hawk” do título), muito utilizado por uma equipe médica (“...and the Flying Doctors”) que viajava às mais inóspitas paisagens da Oceania para prestar cuidados aos seus habitantes. Tudo isso seria deveras simples (e entediante), não fosse o fato do nosso herói ser um tremendo azarado e sempre dar de cara com criminosos de todas as estirpes. A existência de dois coadjuvantes fornecia um contraponto ao ritmo ágil e vibrante da maior parte da narrativa, sendo eles: Hal Mathews, o chefão dos médicos, e Janet Grant, a bela enfermeira apaixonada por Jim, com quem mantém uma relação amorosa assexuada dessas que só vemos em quadrinhos (nada de muito apelativo, apenas um ou outro beijo, pois um punhado de clichês ingênuos não faz mal a ninguém). Todo este universo é retratado com uma precisão técnica impressionante, só lembrando que não estamos falando apenas de aeromodelismo – área na qual alguns especialistas chegaram a examinar a arte de Dixon, sem conseguir encontrar uma só falha nos aviões desenhados por ele -, já que este mesmo rigor era aplicado na reprodução das paisagens tão peculiares à geografia australiana e também aos aspectos humanos do país (a abordagem feita dos aborígenes, por exemplo, é digna de antologia).

Dono de um estilo único, Dixon era também uma pessoa que se dedicava integralmente ao seu ofício. Após quatro anos desenhando e escrevendo semanalmente Air Hawk and the Flying Doctors, ele resolveu deixar as dominicais sob a responsabilidade de um recém-contratado assistente, chamado Mike Tabrett, e levar a cabo seu antigo sonho de publicar Air Hawk em tiras diárias. O ano era 1963, e marcava o início da melhor fase de sua carreira, estética e financeiramente falando: seu traço melhorava a cada dia e o público respondia sempre de forma calorosa. Aliás, cabe lembrar que os assistentes formam um capítulo a parte na trajetória da historieta. Dixon sempre preferiu realizar sozinho todas as etapas de seu trabalho, até mesmo o letreiramento, o que imprimia um ar inconfundível aos quadrinhos que criava. Quando houve a necessidade de deixar as páginas de domingo sob cuidados de terceiros, ele não apenas manteve nas tiras o velho costume de fazer tudo com as próprias mãos, como também contratou excelentes profissionais para lhe prestar assistência. Tabrett não devia em quase nada para o chefe e, quando pediu demissão no ano de 1969, foi substituído por Hart Amos, na época já um respeitadíssimo artista veterano.

Com todas essas qualidades, o trabalho de John Dixon permanece um tesouro oculto para todo o público brasileiro, sendo pouco conhecido até pelos caçadores de obscuridades. Esta tão longa ausência é sem sombra de dúvidas uma grande vergonha do nosso mercado editorial.



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