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Cantinho do Aguilar...

Breezy (Interlúdio de Amor)

Por Eduardo Aguilar

Interlúdio de Amor (Breezy, dir. Clint Eastwood, 1973)
Com William Holden e Kay Lenz

Certa vez, comentei com o amigo Filipe Furtado (revista Paisá e blog Anotações de um Cinéfilo) sobre minha enorme admiração por “Breezy” e fui gentilmente presenteado com uma cópia da versão que ele dispunha. Deixei-a guardada por mais ou menos três anos até que por fim decidi rever o filme, o impacto foi tão grande que se impôs uma segunda revisão. Confesso que não estou entre os fãs de “Sobre Meninos e Lobos” e “Menina de Ouro”, por considerá-los filmes muito calculados, ao contrário de “Breezy” onde há um frescor evidente a cada plano. A sinceridade e honestidade do diretor sobressaem-se ao tratar de uma história que envolve a paixão entre uma jovem hippie e um cinquentão desencantado e acomodado com a estabilidade de uma vida burguesa. O filme abre com um belíssimo travelling apresentando a personagem feminina central, Breezy, vivida com muita intensidade por Kay Lenz. Ela acorda na casa de um rapaz, eles dormiram juntos, mas percebe-se, conhecem-se muito pouco; é a partir desta proposta, que características marcantes da geração “flower power” irão marcar muitos dos embates entre a personagem de Kay e a de Holden.

Após essa abertura Breezy pega uma carona na estrada e defronta-se com um homem de meia idade, classe média; interessado apenas em tirar proveito do que ele acredita ser somente uma ‘garota livre’ e, portanto: ‘fácil’. Por conta de uma situação fortuita a personagem de Kay escapa do ‘imboglio’ e acaba deparando-se com o cinquentão vivido por Holden, que por sua vez também acabara de descartar-se de uma relação passageira. Ela esclarece que apesar de ter acabado de passar por uma ‘saia justa’ com um tipo similar ao dele, nunca perde a fé nas pessoas. É possível perceber que além de Clint evidenciar um olhar simpático ao desprendimento e esperança presentes na filosofia hippie - o que mais adiante se desvelará num olhar acima de tudo crente no ser humano e em especial na sua capacidade de se importar com outro semelhante -, ele também coloca em cheque a legitimidade das relações passageiras (e não faz o mínimo esforço para esconder seu famigerado conservadorismo).

A certa altura, um tanto quanto contrariado, mas sem defesas diante da jovem hippie, o personagem de Holden hospeda a garota em sua casa. Atônito diante da maneira de viver da personagem de Kay, ouve da garota que ele é capaz de condená-la por supor que ela queira tirar proveito dele e ao mesmo tempo também a condena por permitir que tirem proveito dela. Breezy confronta o personagem de Holden sobre seus julgamentos a respeito do “outro”, tirando-lhe as certezas a cada passo do envolvimento entre eles.

Eastwood mostrará no decorrer do filme que não existem filosofias, estilos de vida ou mesmo idealismos que se sustentem diante da questão principal: o respeito e o afeto que as pessoas podem trocar entre si. Duas cenas emblemáticas, corroboram a tese de Clint: num primeiro instante, o personagem de Holden está diante de uma mulher com quem manteve um relacionamento supostamente descompromissado, ela lhe surpreende ao declarar que a comodidade do estabelecido entre ambos, só foi possível e real para uma das partes: a que não amou. Mais a seguir, ao cumprimentar um “affair”, a garota se diz feliz por ter finalmente conhecido o mar, entretanto, à medida que vai se afastando, o rapaz é perguntado por um amigo sobre quem seria a menina e a resposta vem com absoluto desinteresse: “Não conheço!”.

Todavia, Clint deixará bem claro o que pensa a respeito das relações fúteis, tanto sobre uma ótica conservadora quanto por uma postura “pseudo-liberal”. A partir disso, todo o resto avança ou recua sobre divergências ou convergências, mas nunca provocará gratuitamente a dor no “outro”, ainda que a própria dor nos conduza ao aprendizado. Entretanto, esse paradoxo não invalidará a idéia de que vale pena confiar e se entregar para alguém que realmente nos importamos.

É esse olhar muito sensível sobre as relações frívolas, sejam elas num plano moralista ou libertário, que oferece ao espectador uma reflexão rara e original sobre as relações afetivas. Difícil destacar suas qualidades, o roteiro é excelente, os atores estão ótimos, a trilha de Michel Legrand é encantadora, mas o que realmente sobressai é uma direção que sabe equalizar com muita felicidade todos os talentos que teve a sua disposição.



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