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Dossiê Canarinho

Entrevista com Canarinho

Por Matheus Trunk

Z- Seu Canarinho, fala um pouco como o senhor iniciou sua carreira artística.

C- Meu nome é Aloísio Ferreira Gomes. Eu nasci a 29 de dezembro de 1927, em Salvador, Bahia. Eu comecei a minha carreira como cantor e graças a Deus me dei bem. Eu trabalhei nos melhores lugares do Nordeste e em 1947 eu estava profissional contratado pela rádio Excelsior de Salvador. Dois anos depois fui ao Rio de Janeiro a convite de colegas e consegui cantar bem na rádio Nacional, nas boates do Rio, boate de bôlero, Night and Day, etc, etc. Fiz uma bela carreira e por duas vezes eu fui cantado pra fazer filme no Rio de Janeiro. Já na Bahia eu tive um contato com o Clouzot...

Z- Que demais.

C- Ele foi a Bahia porque era casado com uma brasileira. O Clouzot foi numa boate que eu era crooner na noite, gostou do meu jeito e mandou um cara perguntar pra mim se me interessava fazer cinema. Eu não sabia com quem estava falando, mas o cara veio, falou comigo e eu concordei. Marcamos o teste duas horas da tarde no hotel Chile, em Salvador. Eu fui lá e interpretei uma vez só o papel que ele sugeriu. Ele falou: “Esse é o cara”. Depois o intérprete me falou: “Ele ficou impressionadíssimo com você porque o ator é ouvido”. O francês ficou apaixonado por mim, mas como a natureza não é perfeita a mulher dele comeu alguma coisa que não fez bem em Itapuã e ficou doente. Eles voltaram correndo pra Paris e nunca mais eu vi George Clouzot. O intérprete me disse assim: “Ele queria levar você pra França. Se ele chegasse com você lá, o seu biótipo lá seria um sucesso e você não ia voltar mais pro Brasil somente pra visitar. Ele iria fazer uma série de filmes com você.” Aí a mosca me mordeu e fiquei com vontade de participar de cinema. Eu cheguei no Rio, estava na noite carioca e a mesma influência que eu tinha na Bahia já tinha no Rio. Pintou um cara com a história do rei do Feijão Mulatinho que o Grande Othelo fez, mas ele foi atrás de mim pra eu fazer. Eu tinha saído pra fazer uma temporada fora do Rio mas quando eu voltei ele me falou: “Você ia fazer o rei do Feijão Mulatinho, ia ser protagonista do filme”. Vim pra São Paulo com o Russo do Pandeiro, que estava a caminho dos Estados Unidos que eu ia com um grupo brasileiro como cantor. O Russo do Pandeiro foi pra América com o Bando da Lua e a Carmen Miranda quando ele veio aqui pegou a nata do que tinha de musical no Rio de Janeiro. Lá estava eu e passando em São Paulo, fizemos uma temporada na boate Oássis, na rádio Nacional e na TV Paulista, canal cinco. Foi onde eu conheci a fera, Manuel de Nóbrega. A fera mesmo...dificilmente você encontra uma pessoa do estrelado nacional que não passou por ele diretamente ou por tabela. Nós fizemos uma dupla aqui e já passei a interpretar, tornei-me comediante e não quis ir pros Estados Unidos. Me separei do grupo e fiquei em São Paulo.

Z- O Nóbrega que levou o senhor a ser comediante?

C- Exatamente. Aliás ele me disse: “Olha eu não posso botar você na rádio. Mas se você entrar aqui pode contar comigo pra o que você quiser”. Com três dias que eu estava em São Paulo almoçando na casa dele. E isso foi a vida toda. Com ele eu tive o prazer de aprender a escrever, produzir, dirigir, apresentar. Eu fiz vários programas, fizemos vários shows que ele me dava produção, eu fazia, dirigia ele próprio. Fizemos muita coisa entre eu e ele, tivemos uma amizade muito grande. Eu era o único cara que gozava ele de vez em quando. Então, através dele eu fiz um filme aqui com um italiano chamado Gino Palmisano. Ele foi um diretor de cinema, produtor italiano que fez aqui “A Desforra”, um filme com Tarcísio Meira, Jacqueline Myrna, eu, entre outros.

Z- Era grande esse primeiro papel do senhor?

C- Sim. Gozado, na verdade eu entrei pra fazer um dia mas eu fiz de uma maneira que o italiano se apaixonou por mim e me escalou no dia seguinte. Ele era muito exigente, mas ele me olhava e eu já sabia que ia passar cena pra mim. Aí eu atravessei o filme todo e nessa ocasião tinha avant premiere na Avenida Ipiranga. Na hora, a audiência me aplaudia em pé, as famílias que saiam diziam: “Puxa, eu não imaginei que você fosse fazer uma coisa dessas”. Porque na época eu tinha um programa infantil na televisão e o personagem que eu fazia era um trambiqueiro, mas um trambiqueiro alegre. Ele passava fumo pras meninas, vendia fumo pros caras. A história era muito boa de um grupo que pegava as garotinhas e dava curra nelas. Ele era um dos aliciadores.

Z- Um negócio bem pesado pra época.

C- Era bem pesado. Então, eu fui convidado pra fazer uma série desse filme e eu não aceitei: “Você ta louco. Vou tomar pedrada na rua e vou perder meu filão de programa infantil”. Depois fui fazendo outros filmes.

Z- Depois o senhor fez um com o Vietri, “As Testemunhas Não Condenam” ?

C- Sim. Com o Vietri foi esse, foi o segundo, terceiro longa que eu fiz. Na ocasião eu estava fazendo novela com o Vietri, teatro com a Dulcina e fazendo o filme. Eu não sei que horas eu dormia (risos), só sei que eu fazia os três.

Z- Na TV Tupi ele era um cara bem influente.

C- Influentíssimo. Ele escrevia, produzia, dirigia como quem estivesse tomando água, um copo de água. Também fiz com ele “História Proibida” da Janete Clair, que modéstia a parte eu participei e me dei muito bem.

Z- Desses trabalhos na Tupi teve algum que marcou mais o senhor? Foi o “Jerônimo”?

C- O “Jerônimo” foi na Tupi do Rio. Esses trabalhos, novelas e peças na Tupi de São Paulo com o Vietri e outras pessoas. No Rio eu fiz com o Edson Leite, que era o diretor da Tupi do Rio e da Excelsior aqui. Na ocasião era ele, Dionísio Azevedo, Gonzaga Blota os diretores da novela que o Chico de Franco fazia o “Jerônimo”. O Koppa que faz até hoje o quadro do telefone comigo participou desse seriado.

Z- Foi bem famoso. Fez grande sucesso?

C- Sim, claro. Ganhava da Globo, vamos dizer assim a gente dava cinqüenta, eles davam trinta. Naquela ocasião, o ibope era mais contundente. Se um programa faz hoje trinta é um grande ibope mas eu cheguei a participar de programas que fizeram noventa. “A Praça da Alegria” do Manoel de Nóbrega aqui e no Rio de Janeiro dava noventa. Eu digo aqui e no Rio porque era separado, a gente fazia o programa aqui e lá porque não existia rede. A gente perdeu alguma coisa do histórico porque o videotaipe só veio depois, então muita coisa que eu fiz ficou na memória porque não tem registro. Uma novela que eu fiz na Cultura, “Meu Pedacinho de Chão”, reprisou nove vezes e eu ganhei prêmio de melhor ator no Brasil e não tem registro.

Z- O senhor fazia o personagem Rodapé?

C- Isso mesmo. Como você sabe?

Z- Eu peguei na internet.

C- Pois é. Tem até fotografias, coisa e tal mas tem muita coisa que se perdeu com o tempo.

Z- Na “Praça” o senhor começou em 56?

C- A primeira foi em 1956 com o Manuel de Nóbrega e eu participei desse primeiro programa.

Z- Quem mais tinha no elenco?

C- Era o Nóbrega, Carlos Alberto, o Golias, Hebe Camargo e eu (risos). O programa começou assim, os personagens ficavam um pouquinho mais em cena, os quadros eram maiores e depois foi entrando gente, entrando gente. Veio Chocolate, Moacyr Franco. Ele entrou no teste comigo, eu aprovei o teste dele. O Moacyr lançou até agora um CD que ele contou uma declaração dizendo: “Aluísio Ferreira Gomes, Canarinho andou comigo em várias gravadoras querendo me colocar como cantor até que eu me tornei o que sou”. Como eu tinha influência nas gravadoras, eu levei ele com música, fiz música pra ele, criei “Me Dá Dinheiro”. O Roberto Leal também era garoto, eu comecei a levar ele no meu programa e ele tornou-se isso aí.

Z- O senhor fez algumas músicas pra ele como “Meu Querido Lindo”, “O Professor”. Tem mais músicas que o senhor fez pra ele?

C- Sim. “Tu És Meu Grande Amor” e muitas outras. Inclusive ele começou a compor na minha influência também. Ele não compunha.

Z- Era mais o Nazareno de Brito que fazia as músicas pra ele?

C- Sim, as versões. Coronel Nazareno, era coronel reformado do exército.


Canarinho participou da série "Jerônimo" da TV Tupi,
ao lado de Francisco di Franco

Z- A gente estava falando do “Jerônimo”. Na série, o senhor fez a trilha sonora da série e o senhor trabalhou com o Francisco di Franco.

C- Com o Chico di Franco eu gravei a abertura. A música-tema era assim: “Quem passar pelo sertão/vai ouvir falar do herói desse sertão/Que eu venho aqui cantar”. A abertura foi gravada por mim na Philips, assim como no “Sítio do Picapau Amarelo” eu compus e gravei na Som Livre. Era mais ou menos assim: “Cantou bola pra agradar/ Dona Benta gostou dele e já deixou ele ficar”. Era essa e tinha a do Gilberto Gil, que ficou bem famosa também.

Z- Tendo esse papel na “Praça” o senhor continuou fazendo cinema?

C- Ah sim. As coisas correram paralelas, eu fazia cinema, boate e danceteria. Na época em que o Rio era a cidade maravilhosa eu fiz um show na boate do Ivon Curi, eu ia fazer dois meses e fiz dois anos. Era você ter o prazer de fazer um show numa casa e os caras fechavam a casa dez horas e a fila ficava lá fora, não dava pra todo mundo entrar. Você entende? Tinha cara que levava turista pra lá, grupo de turista que iam muitas vezes. Eu me lembro de um cara que foi pela quincuagéssima segunda vez, cinqüenta e duas vezes ele tinha ido ver o meu show.

Z- Era comédia?

C- Sim. “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, era em cinco idiomas, inglês, francês, espanhol, italiano e até em japonês eu falava naquele show. O show durava duas horas e eu tinha três ternos, três roupas iguais. A que eu fazia na noite ia pro saco e de manhã estava na lavanderia. Ela tinha que lavar porque eu terminava o show e podia retorcer assim porque ela estava molhada de suor.

Z- Como o senhor conheceu o Cláudio Cunha?

C- O Cláudio Cunha é um cara muito inteligente. Um cara muito batalhador, ele tinha feito muitas coisas na vida. Um dia eu levei ele num show: “Cláudio vamos fazer uma caravana”. Eu tinha a minha caravana que fazia shows em finais de semana, circos. Comecei a botar o Cláudio pra contar piada, contracenar comigo e passou o tempo. No dia em que eu fui fazer a novela “Meu Pedacinho do Chão” na Cultura, que eu entrei pra fazer uma figuração e acabei ganhando o prêmio de melhor ator do ano. Eu estava numa festa nos Jardins, numa festa de um chinês muito rico, estava o governador, o secretário e modéstia parte eu fiz um sucessão. Os caras me falavam: “Eu não estou te vendo na televisão. Você está fora da telinha”. Realmente eu estava fora porque eu tinha processado a Tupi, então eles me consideraram persona non grata. Fui fazer meus shows e cuidar da vida, televisão que se dane. Eles me viram lá e queriam me chamar pra televisão de qualquer maneira. O Laudo Nadel que era governador e ele falou pro Benedito Rui Barbosa: “Põe ele na novela”. Eu fui no escritório dele e ele foi rápido: “A novela já está escrita, não tem papel pra você. Mas como está todo mundo aqui forçando a sua barra pra você entrar. Você quer fazer uma figuração?”. Eu disse: “Topo, mas desde que eu fale: “Oi”, no dia seguinte o público vai falar: “O Canarinho fez oi”. Isso eu exigi no contrato porque eu trabalhava sério, eu falei: “Eu sou gênio. Eu trabalho muito sério porque sei que o meu caminho não é um caminho fácil”. Ele me achou muito pretensioso mas não disse absolutamente nada. Começou a novela e eu mesmo fiz o desenho da minha roupa, eu criei meu jeito de fazer ainda que ele fosse contra algumas coisas que eu estava fazendo. Só que três semanas de gravação o governo não deu a verba e a novela quebrou. Então, eles propuseram sociedade a Globo chamaram o Boni e botaram algumas cenas pra ele ver. Que cenas eles botaram? As minhas cenas. Então, o Boni autorizou e estava feito o negócio. Essas primeiras cenas foram filmadas em Itu, em épocas de férias e eu fiz algumas cenas que aquele pessoal que ali estava, se arrebentaram de rir. O diretor: “Não pode rir, não pode rir. Fala pra esse cara que isso aqui não é palhaçada, é novela”. Mas o personagem que eu criei, era um personagem engraçado realmente só que não estava nas linhas das novelas. O Dionísio de Azevedo falou pra mim: “Manera um pouco”. Eu explicava que era assim, tentaram segurar o personagem. O Gonzaga Blota chegou pro Benedito: “Você está querendo amarrar um leão com barbante, deixa o cara fazer”. Conclusão: eu fiz daquele jeito, foi daquele jeito que eles mostraram pro Boni e ele gostou e eu ganhei o prêmio de melhor ator na novela “Meu Pedacinho de Chão”.

Z- Que prêmio era?

C- Helena Silveira. Esse prêmio só saiu um ano, quem ganhou, ganhou. Quem não ganhou, dançou. Eu ganhei também o primeiro Troféu Imprensa, que era na Bandeirantes antes do SBT. Também recebi o Assis Chateaubriant que era dado no Rio de Janeiro e vamos dizer que menos de 1% dos artistas tem ele, Graças a Deus eu ganhei ele.

Z- E como o senhor conheceu o Cláudio?

C- Ah sim, foi na novela. Maurício do Valle, cobra criada, muito gozador contracenava com o Cláudio quando a câmera cortava pro Cláudio, o Maurício fazia uma careta, mostrava a língua e o Cláudio ficava sem jeito. Ele não tinha experiência naquilo ainda, era a primeira vez que ele fazia. Ele errava e o Benedito reclamava. Conclusão: ele me disse que ia parar senão iria sair já que o Maurício gozava ele. Na cena, o Cláudio tinha de rir mas não conseguia. Eu falei: “Como não sabe rir? Faça contração na barriga e você ri”. Ensaiamos a primeira vez, ele começou a fazer e na primeira semana antes dele ir gravar eu ensaiava ele. Depois soltei o Claudião e ele foi, afinal o cara tinha talento e aprendeu rápido. Era a segunda vez que eu estava criando ele. Passou o tempo, ele fez a novela que foi um sucesso e a terceira vez já achei ele diretor do filme “O Dia Em que o Santo Pecou” do Benedito Ruy Barbosa, grande produção feita em São Sebastião. Eu fui filmar a primeira cena com ele, entrei no set e ele me falou: “E agora mestre?”, eu respondi em cima: “Agora o mestre é você”. E realmente ele fez cinema, ganhou muitos prêmios porque ele é inteligente e tem talento.

Z- Os filmes dele faziam muito sucesso também.

C- Exatamente.

Z- Desses trabalhos com ele tem algum preferido? O “Snuff”, por exemplo?

C- Esse aí. Eu fiz outros mas esse foi um papel diferente, eu fazia um assistente de direção. Aquele assistente atuante, presente e por sinal com o Carlos Vereza. Ele é uma cobra venenosa, você do lado dele se você bobiar o trator passa em cima de você e você some. Foi uma bela experiência, fizemos um filme maravilhoso. Curiosamente nós chegamos em Limeira pra fazer o longa e precisava de muita coisa. Eu disse: “Deixa comigo”, fui no prefeito e a natureza é tão perfeita que quando eu entrei na sala do prefeito ele estava se preparando pra ir inaugurar o estádio de futebol da cidade. Quando eu entrei falei pra ele: “Estamos fazendo um filme. Nossa produção vai precisar disso, daquilo, hotel, estadia”. Ele me perguntou se eu iria com ele inaugurar o estádio e eu fui, inaugurei e depois ele autorizou tudo no filme e nós fizemos um trabalho maravilhoso com os comes e bebes tudo de graça (risos).

Z- Esse filme é com o Hugo Bidet. Como foi trabalhar com ele?

C- Hugo Bidet, ele que deu um tiro na cabeça e não morreu (risos). Era com um outro cara do Rio, ele era gay...

Z- Reski.

C- Reski, Fernando Reski. Era uma história diferente que era como se fosse uma denúncia, um acontecimento cinematográfico universal. Os americanos pegavam uma equipe, iam pra América do Sul e contavam aquela história que tinha um assassinato. Só que eles armavam um acidente que os caras morriam de verdade. Então, eles passavam em sessão fechada em Londres, em Nova York cem dólares e o cara ia assistir sabendo que ia ver uma morte real. Isso aconteceu de fato e nós fizemos esse filme aqui.

Z- Esse o senhor considera o senhor um dos melhores trabalhos do senhor?

C- Esse foi um dos melhores sim. Gozado, a história era do...

Z- Do Carlão, do Carlos Reichenbach.

C- Isso.

Z- E ele ia no set? Ele aparecia ?

C- Não, ele só escreveu. Era uma história muito bem feita e o Cláudio Cunha por sinal levou toda a sabedoria dele, todo talento dele.

Z- O senhor fez com ele o “Sábado” também, mas um papel menor.

C- Foi um papel menor. Eu fazia um porteiro e curiosamente naquela ocasião que o Maurício do Valle ia entrar e eu barrava a molecada. Ele com aquele tamanho chegou e me deu um murro na cabeça. Aí eu falei: “Seu filho da puta !”. Aí começaram aquilo, nego ria pra xuxu, ficaram discutindo se iam mesmo botar no filme porque naquela época não podia se dizer palavrão no cinema. Terminaram deixando o palavrão.

Z- O Maurício era um bom companheiro de equipe?

C- Ah, o Maurício era sensacional. Era cobra criada, o Maurício era um grande ator, grande ator.

Z- Depois o senhor fez também o “Bacalhau” com o Adriano Stuart.

C- Eu fiz o “Bacalhau” com o Adriano Stuart no litoral, em Ilha Bela.

Z- Foi também um trabalho legal?

C- Também. Foi uma sátira ao “Tubarão” que ele fez. Muito bom trabalho.

Z- O papel do senhor era pequeno?

C- Um papel médio. No filme “O Dia Em Que o Santo Pecou”, por exemplo, eu tive uma participação bem maior.


O ator fez ao todo três longas-metragens
sob as ordens do diretor Cláudio Cunha

Z- Como foi esse trabalho?

C- No “Dia Que o Santo Pecou”, eu tive um papel bem forte. Era um caiçara no meio de vários de uma região litorânea que se destaca entre eles. Teve até uma cena fortíssima que eu curiosamente fiz nesse longa. Como cinema a gente só consegue ver o resultado no dia seguinte no copião, eles achavam que tinha ficado mais forte que eles pensavam. Como o Maurício tinha fazer uma cena pra novela, eu tive que refazer a cena com a mesma dramaticidade porque senão matava a cena seguinte da frente. Eu achei muito ruim mas concordei e fiz de novo.

Z- Fala mais desse personagem do senhor nesse longa.

C- Eu fazia um pescador que também espiava a mulher do Maurício que era a Selma Egrei, que era mulher dele e era muda. Ela andava em trajes de beira de praia, aqueles trajes mínimos e os caras espiavam ela subindo morro e tal. Só que um cara invadiu o barraco e o meu personagem brigou com o cara. Depois a cena se repetiu com o Maurício do Valle no caso. Esse filme não sei porque o Benedito Ruy Barbosa, que foi o produtor não quer liberar os direitos do longa pro Cláudio pra ele lançar em DVD. O Benedito deve estar com muito dinheiro (risos), aliás não é dinheiro é a história porque o filme é muito bom, muito bem feito. Mas infelizmente eu não sei só quando ele morrer que vão liberar o filme.

Z- Esse trabalho com o Costinha como surgiu?

C- “Costinha e o King Kong”. Era um grande elenco: o Ferrugem que está nos Estados Unidos, a Wilza Carla, o Roberto Guilherme que faz aquele personagem com o Didi hoje em dia, Sargento Pincel. O Ângelo Antônio que já falesceu, Teobaldo que fazia o Guarda Juju da Praça, a Nídia de Paula que era bonitona e modéstia parte o Canarinho.

Z- Como era trabalhar com o Costinha?

C- Sensacional. Costinha era uma loucura porque se você tivesse que fazer ele decorar pra participar da novela, você não fazia a novela porque ele não tinha como. Ele não sabia interpretar texto. Tem muitos artistas que são assim, ele é artista mas se der um texto, a levar um personagem numa história ele não se sente bem. É muito difícil, mas se alguém tentar algum dia pode conseguir porque o ser humano consegue tudo. Mas tem essa originalidade, ele é comediante, humorista. Humorista é piadinha, piadinha, piadinha. Dificilmente ele consegue se tornar comediante. Quando o cara consegue fazer as duas coisas é vantagem, modéstia parte.

Z- Esse trabalho quem dirigiu foi o Alcino Diniz. Ele fazia vários trabalhos com o Costinha. O senhor sabe porque o senhor não fez mais?

C- Não só com Costinha. Ele fez vários filmes, foi um diretor de cinema e televisão consagrado. Depois inclusive eu fui a TV Educativa no Rio e gravei com ela uma história.

Z- Ele era tranqüilo no set?

C- Sim, sim. Era um excelente diretor.

Z- O Costinha com as outras pessoas da equipe não dava uma de estrela?

C- Não. Eu tinha um negócio com ele que era tentar fazer ele parar de fumar. O Costinha emendava um cigarro no outro, era um cara louco. Nos últimos dias dele eu dizia pra ele: “Você não vai parar de fumar?”. Ele falava: “Não. Eu vou parar, vou parar”. Conclusão: o cigarro levou ele.

Z- Na “Praça” o senhor chegou a trabalhar com o Walter D Ávila?

C- Sim, claro. Eu sou um fundador da “Praça”, todos que passaram lá trabalharam comigo.

Z- Ele era uma pessoa simples?

C- Walter D Ávila era um talento. Curioso: ele começou na televisão empurrado porque ele não era artista, ele ia acompanhar a irmã Eva D Ávila, ele ia lá acompanhar só pra ela não ir sozinha. Um dia ele entrou fez alguma coisa e como artista pode começar com cem anos porque o talento está lá dentro. Um amigo meu, o professor Gouvêa se tornou ator depois dos quarenta anos.

Z- O senhor também fez um filme com o Migliaccio.

C- Ah sim (rindo), puxa vida nem lembrava disso. Tem até uma história curiosa. Eu fiz um motorista nesse trabalho. Me lembro que no primeiro dia eu cheguei lá, eu estava com a gravata meio aberta. Ele era o diretor e o dono do filme e me falou: “Oh meu, com essa gravata? Nada de apelação aqui”. O Flávio estava com uma roupa bem chamativa, cheia de apelação. Eu falei: “Olha quem está falando”. Ele respondeu que era o dono do filme, depois ficou tudo OK (rindo). Sensacional.

Z- Aquele personagem dele na época fazia muito sucesso com o público infantil.

C- Sim. Era o Tio Maneco.

Z- O senhor gostava de participar de filmes infantis também?

C- Sim, claro. Porque eu tive quatro programas infantis na televisão e ganhei vários prêmios com a audiência de programa infantil. Tive programa na TV Paulista, na TV Excelsior, na Tupi, na Cultura. Em todos esses lugares eu fiz programa infantil, principalmente “O Reino da Garotada”.

Z- Era na Excelsior?

C- Sim. Na TV Excelsior eu fiz a primeira campanha beneficente na televisão. Hoje eu vejo todo mundo fazer campanha na telinha. Modéstia a parte, assim como eu fui o primeiro negro na televisão, eu fiquei quinze a vinte anos esperando chegar outro negro nas emissoras. Eu dizia pros meus colegas: “Você não tem que fazer briga de racismo cara. Você tem que brigar, se preparar e chegar com arte, não com guerra”. Até que chegou Tony Tornado, Milton Gonçalves e muitos outros. O Tony Tornado entrou pra fazer o “Jerônimo” na primeira vez que ele foi fazer comigo, ele brigou com uns caras, começou a bagunçar. Eu chamei ele: “Cara, pega leve”. Ele respondeu: “Meu negócio é cantar. Estou aqui fazendo onda”. Falei pra ele: “Não faça isso. Nós somos protótipos, estamos aqui fazendo e nossos amiguinhos lá fora estão olhando pra nós. Se fizermos bagunça aqui, a gente está fechando a porta deles”. Falei pra ele olhar por esse lado, porque na época tinha muitas pessoas trabalhando em televisão e ele bagunçando estava prejudicando todo mundo. Graças a Deus ele ouviu e está até hoje aí.

Z- Nesse trabalho com o Migliaccio tinha uma produção legal. Elenco com Rodolfo Arena.

C- Ah sim, uma turma da pesada. Foi feito no Rio de Janeiro esse filme.

Z- No Rio o senhor fez poucos trabalhos cinematográficos?

C- Foram poucos. Fiz mais em São Paulo mesmo. Há um particular aí, porque eu sempre tive empregado. Graças a Deus, eu sempre estive empregado, trabalhando. Tive programas de televisão, fazia shows. Então, quando os produtores de cinema chegavam em mim o preço que eu pedia pra eles não era o menor preço. Por exemplo: eu dublei “O Pagador de Promessas”.

Z- Olha só...

C- Aliás, vários personagens que o Pitanga fez a voz é minha. Teve “O Pagador de Promessas”, do Anselmo Duarte, que foi um dos maiores papéis dele. Quando o Anselmo veio contratar para dublar e na hora disse: “Olha, vamos seguir a tabela”. Eu fui muito claro com ele: “Pela tabela meu filho, você pode ficar com o seu filme. Eu não trabalho pela tabela. Eu vou dublar, mas meu preço é meu preço”. Eu passei o valor a ele, e eu dublei. Modéstia a parte, eu dublei tão bem que ele próprio veio e me disse: “Você pediu mais. Mas você fez tão bem que eu vou dar mais que você pediu”. E ele deu mais ainda.

Z- Quantos filmes você dublou?

C- Na ocasião eu dublei vários. Eu dublava aqueles filmes de cangaceiros também.

Z- Do Carlos Coimbra?

C- Do Coimbra. Aqueles da época como “Corisco, o Diabo Loiro”, tudo aquilo eu dublava. Sei que tinha filme que eu fazia dois, três personagens no mesmo filme e tinha de contracenar com eu mesmo dublando. Naquela ocasião, tinha um estúdio na Lapa que a gente ia lá e a técnica de dublagem era grosseira, não tinha as condições que tem hoje. O cara tinha que ser bom mesmo pra ir em cima. Eu me lembro que até em um desses filmes de cangaceiros do Pitanga, ele esfaqueou um soldado e eu dublei naquela cena, e depois eles me falaram: “Você xingou o soldado de filho da puta”. Ninguém riu que eu tinha xingado o cara, mas ficou tão bem feita a cena que eles só vieram se tocar quando o filme já estava sendo exibido. Eu falei com a emoção fora de mim e eu sempre me dei bem com os trabalhos que eu fiz porque eu sempre me entreguei bastante. Na verdade, se você não agradar você no seu trabalho, você não agrada ninguém. Então, você tem que se realizar, tem que se satisfazer pra outras pessoas sentirem isso. Se você fazer com má vontade, você estará trabalhando contra você mesmo. Se você tem que fazer uma coisa que não gosta, passe a gostar na marra. Então, você consegue fazer.

Z- Como o senhor conheceu o Miziara?

C- Antes dele me dirigir em longa-metragem, ele foi produtor do meu primeiro programa infantil. O produtor era o José Miziara. O assistente era o Luciano Callegari, antes de tornar-se diretor do Sílvio. De filme só fiz esse com ele.

Z- Fala um pouco do filme mesmo, o “Nos Tempos da Vaselina”. O senhor era um taxista meio malandro.

C- O meu personagem pegava o sujeito na rodoviária, logo no comecinho do filme. Ai o cara dizia: “Toca pra Copacabana”. Aí eu dava volta no Corcovado e ia narrando: “Foi aqui que Don Pedro assinou a Lei Áurea...Aqui a Princesa Isabel subia e descia esses morros toda a hora”. Ele enrolava o cara e fazia andar duas horas, nem chegava no ponto de tanto andar, o velocípede em cem paus. Era um motorista típico do Rio de Janeiro.

Z- Depois o senhor fez um trabalho com o Ody Fraga, “A Dama da Zona”. Produção do Cláudio Cunha.

C- “A Dama da Zona” foi muito melhor de público. Inclusive, eu estou pedindo pro Cláudio uma cópia, mas está faltando um rolo. Era um filme com a Marlene Silva, um cara que se apaixonava perdidamente por ela. A história é muito envolvente, eu fazia um sapateiro que morava atrás de uma vila e de repente quando a mulher ia tomar um banho uma meninazinha vinha me falar: “Tem mulher no banho”. Aí eu deixava ela tomando conta da sapataria e dava aquele pique, subia na parede e ia no telhado olhar (risos).

Z- E o Ody como diretor?

C- Muito bom, muito bom.

Z- Como era o relacionamento do Cláudio Cunha com ele?

C- Funcionou muito bem. Até porque o filme ficou muito bem feito, muito bem feito.

Z- O último longa que foi lançado com o senhor foi um filme com o Vital Filho, “Tem Piranha no Aquário”.

C- “Tem Piranha no Aquário” (gargalhando).

Z- Com o Grey também.

C- Exatamente. Foi feito no Rio de Janeiro, quem fez esse filme foi o Vital Filho e tinha o cara que era produtor. Aliás, eu lembro que o cara queria que eu aparecesse pelado no filme e eu tinha quase cinqüenta anos, acabei não topando. A grana que eu estava ganhando porque depois eu tive que aquecer porque no cinema hoje é muito bom, tem verba, grana. Mas naquela época era bastante diferente. Por exemplo: um dia o Mazzaropi estava pegando uma equipe prum filme, e me levaram lá. Ele demorou, demorou, demorou. O Mazza nem falou comigo: “Não tem um papel que combine com você”. Eu ia botar empada na azeitona dele? Eu trabalhava na Rádio Nacional na época e já era muito conhecido no teatro. Ele não botava uma pessoa famosa no filme dele. Nos trabalhos dele, ele bancava, ele dirigia, fazia tudo. Ele era a estrela e eu não ia botar empada na azeitona dele. O Ivon Curi por exemplo, eu fiz um trabalho com ele, era pra ser duas semanas. Foram dois anos. Quando fomos fazer ele falou: “A verba é tanto”. Só tinha aquela verba, eram duas semanas só que o sucesso foi tão grande que tivemos que refazer. Eu pedi o dobro, e ele falou: “Vamos fazer três meses no máximo”. De três em três meses foi aumentando, aumentando e aumentando que chegou num preço que ele falou: “Olha a casa não agüenta duas estrelas. Você é realmente muito bom, você fez o que eu pensava que ninguém ia fazer”. Ele pensava que ele era insubstituível porque o trabalho de um Ivon Curi é muito bem feito por sinal. Então, ele botou Grande Othelo, Costinha mas ninguém funcionou. Mas modéstia a parte, eu funcionei inclusive porque eu fazia alguma coisa pros turistas traduzindo pra inglês, espanhol, francês, isso é bárbaro. No show tinha uma sul-africana que fazia comigo e ela só tinha decorado de português as falas da peça, ela só era fluente em inglês. A gente fazia as gags em inglês e tinha gringo que caia na gargalhada. O Pelé foi duas vezes assistir esse espetáculo meu. Ele chegou e as duas vezes eu fazia a mesma piada: “Mister Pelé, how are you?”, ele respondia em inglês. Depois eu falava: “I am glad to see you my dear friend”, enchia a bola dele. Mas depois eu perguntava: “And my money ?”, e ele falava que não tinha nada. Eu respondia em português: “Agora não entende, na hora que foi pedir dinheiro emprestado não tem problema. Ele é o rei do drible”. (risos).

Z- O senhor tem esse quadro com o Koppa há quanto tempo?

C- Vinte anos. Curioso, eu sempre atravessei o tempo. Eu fiz na Globo onze anos numa fase, depois fiz nove anos em outra, teve Paulista e Globo que era a mesma coisa. Na Tupi eu fiz seis anos, de SBT foram mais vinte anos e ainda fiz coisas na Excelsior, Cultura, Bandeirantes, Record. Da Record fiz cachês nunca fui contratado realmente dela. Graças a Deus, como eu disse a você eu sempre levei a sério por menor que fosse o papel. Pra mim, não importava o tamanho e sim a qualidade. Eu cheguei aqui em Mogi um cara me chamou: “Você quer participar do meu filme?”, ele achou que eu ia dizer não. Mas eu concordei, era o Daniel com essa rapaziada amigo deles, eles brincavam mas eu falei: “Gente, esse é o Daniel o diretor. Ele é a pessoa superior e temos que obedecer ele senão não vamos a lugar nenhum. Senão tiver respeito pelo diretor nada vai acontecer”. Um amigo meu, o professor Gouvêa investiu o talento dele, dinheiro, tempo. Sempre foi um cara prestativo, uma pessoa das mais prestativas que eu conheci. Um grande musicista, compositor, excelente ator. Se ele não tivesse necessidade de ganhar a vida ou morria de fome, ele estaria muito bem no cinema porque é o cara que mais corre atrás. Cada vez que ele se apresenta ele faz com muito carinho, com muita dedicação e faz um trabalho muito bem feito como ator. Eu tenho vários colegas que são como ele, mas não são todos.

Z- Mesmo alguns mais famosos.

C- Exatamente. Que chegam a naturalidade de ser relapsos, porque é muito natural pro ator ser relapso. “Eu vou falar tudo isso aqui? Vou falar somente isso?”, o ator é o ator não tem participação pra ele. Ele vai lá e faz porque o que é importante é a luz que ele acende. Se a luz fica acessa meia hora ou meio segundo, a luz se acendeu e isso é a representação.


O humorista teve grande participação em
"O Sítio do Picapau Amarelo" da TV Globo

Z- E o trabalho no “Sítio”? Foi algo marcante também.

C- “Sítio do Picapau Amarelo”. Eu fui fazer através do Benedito Ruy Barbosa, o Sítio existia só que não funcionava. Não tinha texto, não tinha nada. O Boni chamou o Benedito: “Vê se você salva isso aí, que do jeito que está eu vou tirar do ar e não vou botar mais. Eu preciso disso pra exportar, você tem a minha carta branca.” Eles tinha lá cinqüenta artistas contratados, quando ele me falou: “Eu só vou se você for. Se você topar tudo bem, senão eu não tenho textualmente”. Eu estava fazendo um show com o Abelardo Figueiredo e ia até pra Europa, eu tinha combinado com ele. Ele foi seco: “Pra Europa? Você precisa fazer isso aqui, vai pro mundo inteiro. Na Europa ninguém vai te conhecer”. Os caras da Globo assistiram meu show, me chamaram pra jantar. Impressionante, quando eles querem, eles correm atrás. Conclusão: todo mundo me forçou uma barra e então eu fui. O Benedito falou: “Eu só quero esse artista, esse artista e esse artista”. Era o Tonico Pereira, a dona Benta, Narizinho e os outros vinham como convidados como o Canarinho. Note bem: ele dispensou um elenco e me contratou. Quando eu cheguei no Rio pela primeira vez estava um clima de terror: “O cara mandou a gente embora e foi buscar o Canarinho em São Paulo. Será que no Rio não tem artista?”. Aí um passarinho me cantou que eles estavam revoltados porque ele tinha dispensado mais de dez atores cariocas e colocado eu. Então, quando eu cheguei lá e disse: “Bom dia”, ninguém respondeu (rindo). Eu falei: “Como estão as coisas aí?”, e ninguém respondeu. Eu comecei a colocar as coisas em sentido contrário. Conclusão: acertei, voltei e no primeiro dia de viagem pra ir pra Guaratiba gravar, eu entrei no ônibus e só a Dirce Miggliacio respondeu: “Bom dia”. Tudo isso porque eu cheguei lá e o meu personagem aconteceu. Sem contar que em seguida eu fiz uma música e gravei na Som Livre, que passou a ser a música-tema do seriado. No primeiro dia de gravação estava o maestro Dori Caymmi, filho do Dorival: “Olha esse negócio de viola, artista de música é outro negócio. Profissional tocando viola está perdido”. Eu peguei a viola e toquei, ele ficou ouvindo e falou: “Pronto, meu esquema não vai funcionar. A viola vai ser original aqui e você que vai tocar”. Eu passei a tocar viola, então tem várias cenas que eu estou tocando temas sertanejos na viola. Depois eu tive um acidente, meu braço foi pro cacete e eu parei e não toquei nem violão, nem viola.

Z- O “Sítio” foi um trabalho que deu grande repercussão pro senhor como ator.

C- Ah sim, foram onze anos de “Sítio do Picapau Amarelo”. Fez um sucesso extraordinário. A gente durante uns seis anos todo o fim de ano, nós fazíamos um show no Maracanã. E superlotava o estádio, era algo emocionante. Também fomos em outros estádios pelo Brasil afora e quando nós entrávamos, era uma calamidade, um negócio inusitado. Qualquer pessoa sabe que a antiga versão é bem melhor que essa atual. Tem muita tecnologia, mas nem eu mesmo consigo assistir. Eu e o Tonico Pereira, modéstia parte fazíamos uma dupla sensacional.

Z- Canarinho, ao todo quantos programas de televisão seus você teve?

C- Ao todo, eu tive seis programas de televisão meus. Cadê o dinheiro que eu ganhei? O que eu ganhei aproveitei e hoje eu tenho um patrimônio, graças a Deus. Mas se hoje eu dependesse do que eu ganhava ontem complicava. Tinha programa que eu produzia, escrevia, dirigia, apresentava. Muitas vezes eu mesmo encontrava patrocinador pra ter espaço na televisão, desenhava, fazia cenários. Eu pagava os artistas e ficava com o meu. Se isso fosse hoje então como tudo tem sua época, eu estou dando graças a Deus que eu fiz tudo isso. Eu criei campanhas de televisão, essas campanhas que tem aí eu criei. Eu cheguei e disse: “Vamos pedir dinheiro pro público pra ajudar as entidades, os pobres”. O cara achou que eu era maluco, dizia que o povo ia apedrejar a gente. Me gozaram, mas quando eu cheguei na Excelsior a dona queria ajudar a fazer a primeira sede da Apae. Mas eles não tinham dinheiro. Um amigo falou: “O Canarinho tem um projeto”. Na época o projeto se chamava “Faça Uma Criança Sorrir” no programa do Moacyr Franco na TV Excelsior. No ano seguinte eu fiz a mesma campanha. A partir daí, eu vejo inúmeras campanhas nessa linha na televisão brasileira.

Z- Sim, hoje tem a AACD, o Teleton.

C- Sim, tudo isso. A própria Globo tem o “Criança Esperança”. Eu lembro de eu chegar pessoalmente e os caras viravam a cara: “Televisão pedir dinheiro pro povo? Você está maluco? Vai dar essa idéia pro inimigo”. Muitos colegas falaram pra mim: “Você tem que dar uma declaração que você que criou isso”. Pode ser que amanhã alguém venha a saber que mais importante que eu criei isso é que isso existe. Eu sei o que eu ouvi dos caras quando eu vim com a idéia e eu vejo o que é hoje, o que se tornou.

Z- Desses trabalhos de cinema o senhor tem algum preferido?

C- Trabalho de cinema? Eu tenho todos eles com todo carinho porque cada um deles eu vivi uma experiência muito boa. O “King Mong” eu estava fazendo o show do Ivon e eu estava fazendo o “Sítio do Picapau Amarelo”. Então, eu filmava nos espaços, eles chegavam no apartamento do Ivon que eu ficava no Rio, tocavam a campainha, esperavam eu tomar banho, me pegavam, gravava e depois me deixavam pra eu dormir porque de noite eu tinha show. Tinha um horário que eu gravava o “Sítio”, vamos dizer que ás vezes eu dormia uma hora por dia, duas horas por dia. Fazia todos os trabalhos graças a Deus, sempre bem-feitos. O “Sítio” ganhou prêmio até da Unicef. Grandes prêmios eu ganhei estão com a produção dos programas. Por exemplo, prêmio na “Praça da Alegria”, na “Praça É Nossa”, “Sítio do Picapau”. Muitos outros prêmios eu tenho aqui em casa e se for contar chega a quase cem prêmios. Mas como isso não põe comida na mesa, mas é histórico e eu tenho obrigação de manter isso pros meus filhos, pros meus amigos, pros que vem aqui.

Z- O Golias é um cara que começou com você no início da “Praça” também?

C- Agora você tocou no cara simplesmente. Golias é uma excelência, uma excelência. Ele não representava, ele vivia o dia-a-dia dele. Aquilo que você via na televisão era ele, ele era assim na vida real. Alegre, tudo.

Z- Ele era aquele personagem do Bronco?

C- Os personagens dele eram as coisas dele. Incrivelmente foi uma semente do Manoel de Nóbrega. Como eu disse pra você: o Manuel de Nóbrega foi um divisor de águas na televisão brasileira. Antes e depois dele, são duas fases diferentes. Eu sou um dos honorários do Museu da Televisão como fundador, que modéstia a parte ela chegou em 50, e nesse ano no Rio de Janeiro eu estava participando dos programas experimentais de lá. Eu sou dos primórdios de fundação da televisão.

Z- O Manuel de Nóbrega era meio paizão de vocês?

C- Muito, total paizão. O Manuel de Nóbrega era uma pessoa que quando eu vi ele pela primeira vez, me ocorreu que eu conhecia ele há muito tempo e eu nunca tinha visto ele. Sabe aquela pessoa que você vê e parece que você já conhece há muito tempo? É o que aconteceu. O Russo do Pandeiro me contratou no Rio pra ir nos Estados Unidos, ele pegou a nata que tinha no Rio e nós chegamos aqui no dia seguinte. Ele não tinha roteiro do que ia fazer, era curtição e tal. Nós ficamos aqui três dias esperando ele porque ele tinha se acidentado. Quando ele chegou, eu escrevi o show do Russo do Pandeiro com um pandeiro grande no palco, um papel descartável. O grupo começa a roda de samba, anuncia e ele surge de um pandeiro grande que estoura. Ele surge e o show continua, as músicas e tal. O pessoal da televisão estava esperando dele, na véspera da estréia do show internacional, um dia antes não tinha nada. Ele pegou o meu manuscrito num papel de pão que eu tinha feito, e aquilo foi que ele apresentou pra direção. Ele também tinha combinado comigo um preço e pagou duas vezes mais. Aquilo que eu te digo: tudo que você faz, se você fizer bem-feito o melhor beneficiado é você. Quando eu encontro uma pessoa na rua e ela me diz coisas que eu fico emocionado é a semente que eu fui plantando, plantando, plantando. O bom trabalho é um bom trabalho e isso não apodrece.

Z- Como era o relacionamento do Nóbrega com o Sílvio?

C- Era de pai pra filho. O Sílvio passou a ser filho do Manuel de Nóbrega, muito ligado. Tanto que quando o Manuel tinha o Baú da Felicidade, ele se enroscou não tinha como sair do buraco que o cara tinha botado ele, o Manuel chamou o Sílvio. O Sílvio sempre foi um excelente vendedor e pegou o Baú, aquele produto e transformou em um grande sucesso.


O grande mestre de Canarinho foi o comediante
e apresentador Manuel de Nóbrega

Z- Mesmo com a carreira de ator o senhor continuou com a carreira de compositor?

C- Ah, sim. Inclusive eu fiz agora um disco doméstico meu e um empresário transformou em um disco profissional.

Z- O senhor fez duas músicas pro Demônios da Garoa?

C- Fiz várias. Das canções que eu fiz pra eles, “Maloca dos Meus Amores” foi a que teve a maior repercussão. Uma vez eles fizeram uma turnê na Argentina e a música ficou na parada por sete semanas. Muita gente pensa que essa música é do Adoniran, porque foi feito no estilo dele.

Z- Canarinho, qual música sua fez mais sucesso?

C- O maior sucesso que eu fiz foi “Morrendo de Amor”. É uma guarânia, que eu fiz e foi gravada há cinqüenta anos atrás e até hoje é gravada e regravada. Várias duplas caipiras já gravaram, Sérgio Reis.

Z- Tem um samba que o senhor fez pro Germano Mathias também?

C- Na verdade tem, mas eu já não me lembro mais. Uma vez eu fui no programa do Rolando Boldrin e ele falou: “Como vai meu parceiro?”. Ele começou a cantar uma música que a gente fez juntos há muitos anos. Eu tenho vários e vários parceiros.

Z- O senhor fez muita música com o Sebastião Ferreira, que era um radialista importante da época.

C- Sim. Onde anda ele?

Z- Não sei, ele sumiu da carreira artística há algum tempo. O senhor também não tinha estilo fixo? Porque você fazia uma balada romântica e depois um samba.

C- Isso mesmo. Eu já fiz música de carnaval, valsa, todos os gêneros possíveis. A música que eu cismo em fazer, eu faço. Eu quis fazer uma música pro camelô, por exemplo. Eu fiz: “Eu sou camelô/ O senhor é doutor/ Deixa eu por favor,viver em paz/ Eu só quero trabalhar e nada mais/ Todo dia de manhã, pego meu sacolão/ Vou armar minha barraca pra defender o meu pão/ É no grito o dia inteiro: “Quem vai querer? Quem vai comprar?”/ Eu estou desemprego, mas não estou afim de roubar”. E assim vai, tem outros versos.

Z- O que o senhor acha desse humor mais atual de programas como o “Pânico” e “Casseta e Planeta”?

C- Eu acompanho sim. É um estilo de humor, tudo que faz uma gargalhada pra mim é válido. Por que você vai sorrir se uma pessoa vai ali e escorregou e levou um tombo? Mas você sorriu, vale com um sorriso, tem um resultado. É a coisa mais imediata que existe na arte dramática. A piada ou o humorismo faz o cara cair na gargalhada na hora, o resultado é iminente. Vale o sorriso, seja que de maneira for. Uma vez um comediante mais antigo me disse uma coisa: “Tudo por uma gargalhada”, esse é o lema do palhaço. Correto? Você vê o palhaço e é uma coisa impressionante, ele cai todo mundo cai na gargalhada. Você compreende? O humor é como uma magia direta o que vale é o resultado. Se você ri é válido, não importa se é feito por ele, se é feito pelo Mazzaropi. É como um tiro se ele acerta o alvo você esquece até quem atirou, deu resultado? Foi engraçado? É o que vale.

Z- O senhor teve algum comediante como ídolo?

C- Todos. Eu ia assistir aos filmes do Cantinflas, Charles Chaplin, todos eles. Eu ia comprar ingresso e já estava dando risada com as fotos do filme que ficavam na entrada dos cinemas. Eu sempre estive disposto a rir, eu sempre fui feliz. Antigamente, a gente não tinha tantas mortes, tanta miséria, tanta violência. Estávamos muito mais dispostos a dar risada de tudo. Hoje você vê a pessoa está envenenada de tanta violência, agressão e não sabe que ele precisa sorrir porque o sorriso faz bem pra saúde. O Carlos Alberto devia dar esse recado na “Praça”: “Eu estou aqui pra fazer um bem pra vocês. Fazer vocês sorrirem. E os comediantes estão aqui pra isso”. Seria uma bela mensagem porque estamos fazendo isso desde 1956 cara! Não é brincadeira. “A Praça” existe desde 1956 e muitas coisas passaram no meio disso tudo. O Manuel de Nóbrega não teve só “A Praça” e sim diversos programas e a maioria sempre foi de programas humorísticos. Vale a risada, a risada é como se fosse um alimento.

Z- O senhor acha que o Nóbrega apesar de tantos trabalhos, ainda é uma pessoa meio injustiçada?

C- Meio injustiçado não, ele é altamente injustiçado. Ele tinha que ter uma estátua. A televisão deveria falar dele todos os dias. Você vê hoje: um apresentador normalmente faz um programa por semana. O Programa Manuel de Nóbrega tinha uns sete, oito quadros diferentes e todo dia ele tinha um programa no rádio a noite, todas as noites. Cada noite era um programa diferente. Então, ele e o Carlos Alberto escreviam tudo aquilo. O povo pensava que o Carlos Alberto não escrevia, porque ele era muito jovem e que o pai defendia ele. Mas o Carlos Alberto praticamente não teve infância, ele ia crescendo e já trabalhando com o pai. Ele sempre teve temperamento forte.

Z- Seu Canarinho, o senhor tem uma carreira artística bem consolidada de muitos anos. Sempre se fala que no meio de cinema, de televisão existe uma concorrência pesada. Isso existe mesmo?

C- Eu tenho amigos que tentaram me dar prejuízos, me fizeram traições, coisas assim se eu contar você fica com raiva do cara. Mas depois essa pessoa teve atitudes legais comigo, e por isso, é muito melhor você guardar as atitudes posteriores dela. Por exemplo, você vai fazer um trabalho e uma pessoa aparece: “Não dê pra ele não. Dê para esse outro que é meu amigo”. Muitas vezes você fica sem trabalho, por atitudes como essa e que te prejudicam. Eu passei por esse tipo de coisa e a pessoa continuou sendo minha amiga e eu nunca questionei ela sobre a atitude dela. Eu sei que na força da mente eu boto na cabeça dele: “Você me fez isso”. Mas eu não falo, é muito melhor ela pensar que eu não sei. É a realidade da vida.

Z- Além do Nóbrega, quais humoristas?

C- O Nóbrega eu não coloco como humorista. Eu coloco ele como homem de televisão, redator, diretor, apresentador e humorista. Comediante, ator. Ele está fora de qualquer competição. Ele eu coloco um degrau acima de todos. Ali na escala eu posso dizer Golias, falar em comediante no Brasil e não falar no Golias é complicado. O Chico Anísio, o Jô Soares, Ronnie Rios, Durval de Souza, Renato Corte Real, Saulo Laranjeira. Em cinema, o Mazzaroppi era um excelente comediante.

Z- O senhor também via Oscarito na época das chanchadas?

C- Sim, Oscarito, Ankito também.

Z- O Ankito é genial. Inclusive é difícil ele fazer televisão.

C- Sim. Tem muita gente boa que não consegue continuar a carreira porque é difícil. Por exemplo, tem alguns camaradas como o Zé Vasconcelos. Ele como comediante fez grande sucesso no teatro brasileiro, Procópio Ferreira. Como humorista, ele era temático nas coisas e criou várias dificuldades no trânsito dele na televisão. Muitos artistas criaram dificuldades porque você tem que ser lubrificado pra estar nessa estrada. Borges de Barros, por exemplo, grande comediante mas era uma pessoa difícil. Falava mal dos colegas, criava problemas. Você tem que viver sua vida e respeitar-se, porque se você se respeita você acaba respeitando os outros. Um cara que trabalhava com a gente e foi pra Globo me falou: “Cara, eu falei seu nome lá e todo mundo gosta de você”. Isso em todos os lugares que eu passei. Eu nunca estive envolvido em fofocas, se for alguma coisa que pode ajudar um colega eu estou ali. Por exemplo, se você me falar fulano de tal fez isso ou aquilo de erro, eu respondo: “Eu não estou aqui pra ver os erros, estou pra ver os acertos”. É o que me faz bem. Por exemplo, você me falar: “Fulano de tal está mal de vida”. Isso dá uma pena porque eu quero ver todos os meus colegas bem, isso me faz bem também. Eu tive poucos atritos na minha vida. Um eu tive com seu Geraldo Casé no “Sítio do Picapau Amarelo” que eu tinha que andar de bicicleta na areia fofa. Eu cai duas vezes e o cara gritou comigo: “Porra Canário, você é calvagadura”, quente pra xuxu, eu larguei a bicicleta no chão e vim andando com toda a calma. Eu cheguei na frente dele com toda calma e disse: “O senhor me respeite como eu respeito o senhor. O senhor é um grande diretor. Precisa me chamar de cavalgadura? Eu não sou cavalgadura, eu sou um gênio. O senhor me respeite que eu sou o Canarinho e eu sou gênio.” Ele me pediu desculpas e falei: “O senhor está desculpado, mas nunca mais brigue comigo”. Era o Geraldo Casé, diretor geral do programa. Ele gravou todo mundo e deixou todas as minhas cenas do capítulo pra um dia, fazer sessenta e tantas cenas em um dia. Os caras falaram: “O Canarinho é cobra”. Nem ensaiei, eles achavam que a gente ia sair oito horas da noite. Mas três horas da tarde eu tinha acabado e não faltou uma cena. Ele veio e me abraçou e falou: “Você é gênio”. Eu falei: “Conforme eu lhe disse”. Isso que a gente faz é mágico, a arte é assim: ela não se esconde atrás de nada, ela está na frente de tudo. Eu faço questão de respeitar o talento da pessoa que é a melhor coisa que a gente pode fazer é respeitar o talento de um colega. Você conhece o Tonico Pereira?

Z- Pessoalmente não. Só na televisão e cinema.

C- Ele é um grande ator. Uma vez ele me deu um quadro com uma foto de nós dois juntos e assinou: “Ao meu mestre Canarinho”. Primeiro teve aquele negócio que eu apontei ele e no meio do trabalho o Boni começou a falar: “Aquele cara vai fazer um caipira aleijado”. Tinha que ser algo engraçado. Quando o Boni mandou a terceira vez: “Se ele não mudar, eu tiro o personagem”. Pô, uma autoridade da televisão. Um dia quando chegou para gravar o Boni tirou ele da cena. Eu falei: “Porra cara, você é ator e ator faz mil jeitos. Não pode ser assim”. Chegou na hora do almoço numa churrascaria e eu estou do lado dele. Do nada cai uma lágrima do rosto dele e eu falo: “Seu filho da puta, você é um ator de bosta. Você não faz do jeito que ele quer porque você é um ator de bosta”. Ele chorou tanto, mas eu chamei o diretor e adiantei: “Nós vamos fazer uma cena como ele quer atrás da casa”. Eu insisti que a gente ia fazer e eu falei com ele: “Vai fazer porra, se você não faz você não é ator. Que porra você é?”. De noite depois da gravação ele me falou: “Canarinho, você não sabe o que eu senti. Não sabe como aquilo viajou dentro de mim”. Aí eu respondi pra ele: “Viu seu filho da puta! Você é ator cara!”. Teve outro que eu tinha que fizer isso, que é o Clayton Silva, ele é meu cumpadre. Ele estava na TV Paulista, fazendo programas de humor. Mas de repente, e se encerrou contrato dele. Acabou mas ele estava esperando renovar, só que ele ia lá falar com o chefe e ele dizia: “Não dá pra renovar”. Um dia ele chegou pra mim e falou que tinha cansado, que o cara estava enrolando ele. O Clayton me confidenciou: “Eu vou vender livro, vender papel, vender qualquer coisa. O cara está me enrolando mesmo”. Eu falei pra ele: “Você está indo na onda do cara Como diretor, o papel dele é te desprestigiar. Mas você sendo ator precisa impressionar ele. Fingi, faz um drama que ele vai se assustar”. Ele ficou meio confuso, mas eu completei: “Então, você não é ator. Você é um ator de bosta. Que se você não pode criar um texto e enganar o cara como ele está te enganando você não é ator”. Ele foi, mas sabe assim aquele gato que não sai do quarto se você não pega ele pelo rabo? Daqui a pouco, meia hora ele voltou com a cara escancarada. “Cumpadre, cheguei lá fiz tudo que você mandou mas o cara levou um susto tão grande que eu assinei na hora”. Mas é claro, todos nós somos atores, todos nós temos poderes. Se você usa a arte, você consegue tudo através da arte. Uns representam mais, outros menos mas todos nascem representando.

Z- Canarinho, com o tempo o programa da “Praça” mudou bastante.

C- Tem que mudar principalmente porque tudo que fica muito tempo na televisão, o espectador já tem na mente. Por isso, tem que mudar, mudar. O sol se ele ficar todo dia no mesmo lugar parado você enche o saco dele. Ele muda e tudo na vida tem que se mexer, mudar pra ter continuidade. Precisa da novidade.

Z- Tem agora um cara novo muito bom na “Praça” que imita o Tevez.

C- Exatamente. Ele é de uma dessas rádios de esporte, o nome dele é Porpetone. Então, ele faz imitações de jogadores, de comentaristas esportivos. Atualmente, ele tem feito o Luxemburgo. Realmente, ele é um excelente ator e da nova geração.

Z- Geralmente vocês filmam que dia da semana o programa?

C- De terça-feira.

Z- O senhor já foi muitas vezes reconhecido na rua?

C- Meu Deus do Céu! Inúmeras vezes. Se eu estou desde 1947 trabalhando diariamente na mídia, são milhares de vezes. Uma ocasião eu estava atravessando em Copacabana abriu o sinal, eu passei e uma criança olhou pra mim. Era na rua de dia, quando atravessou o sinal a mãe me falou: “La chica ti conhece da TV”. Era uma turista uruguaia, a menina me reconheceu do “Sítio do Picapau Amarelo”, que passava no país dela. A menininha ficou paralisada, uma coisa incrível.

Z- Nessa época do “Sítio”, o senhor ficou então bastante associado ao seu personagem?

C- Sim. Mas isso aconteceu sempre na minha carreira. Cada personagem que eu fiz, graças a Deus eu passei a ser o personagem. Quando eu fiz “Jerônimo, o Herói do Sertão”, todo mundo me chamava de Saci. No “Sítio do Picapau Amarelo” todo mundo me chamava de Garnizé. Eu acabava ficava associado aos personagens. Hoje em dia me chamam de Canarinho porque meu personagem ficou caracterizado de Canarinho. Meus personagens sempre tiveram vida longa. Por exemplo, uma vez eu fui no supermercado depois que eu chegava vinha um: “Você me dá um autógrafo?”. Aí atrás desse vinha quinze, vinte que não tinha coragem de me pegar lá dentro. Foi uma luta eu convencer a minha mulher que era assim mesmo, que eu sou bastante reconhecido. Eu realmente estou acostumado a isso. Primeiro que eu trabalho sempre com essa maquiagem que eu nasci de dez meses, fiquei um mês na pintura (risos). Essa eu fiz pra todos os personagens. As roupas podiam ser diferentes, de outros estilos mas a cara era sempre a mesma e o mesmo sorriso. Isso sempre facilitou pro público, sem contar a voz. Uma ocasião eu estava entre Bauru e Lençóis de noite, parei num cruzamento, uma escuridão mas eu percebi que tinha gente. Eu gritei: “Como eu faço pra chegar em Bauru?”. O cara não me viu, mas me reconheceu: “É o Canarinho” (risos). Tem muita gente que percebe pela voz: “Esse cara é da televisão”. Realmente ela me denuncia.

Z- Seu Canarinho, nós vamos encerrar. Eu queria saber o que fica do senhor, de todos os comediantes e desses trabalhos pra posteridade?

C- Fica que eu sou o primeiro negro da televisão como produtor, diretor, apresentador e ator. Durante muitos anos só tinha eu. Fica que eu sou criador de campanhas beneficentes em televisão. Fica que cheguei nos braços de Manuel de Nóbrega, sumidade em televisão. Fica que eu fui entrevistado por pessoas como Silveira Sampaio e mesmo pelo Jô Soares. Fica que eu tenho cinqüenta e tantos prêmios. Fica que eu tenho uma família maravilhosa e amigos e colegas maravilhosos como o professor Gouvêa. Fica que eu tive a oportunidade de lançar Moacyr Franco, Cláudio Cunha, Tony Vieira, maestro Zácaro, Roberto Leal, Waldik Soriano. Alguns colegas eu consegui acender a luz para eles aparecerem. Digamos aquele cara que é cantor do Fundo do Quintal. Qual o nome dele?

Z- Mário Sérgio.

C- Isso. No dia em que eu fui receber o troféu Raça Negra ele me chamou: “Pô cara, eu falo pra todo mundo que eu comecei garoto no seu programa. Eu cantava e eu estou aqui até hoje”. A Lady Zu um dia encontrei com ela no aeroporto: “Estou voltando de uma turnê pelos Estados Unidos, Europa. Comecei no seu programa”. A gente ter essas lembranças de ter ajudado os colegas, eu tenho muitas pessoas que falam pra mim: “Eu comecei na televisão assim, assim, assim”. O Neguinho da Beija-Flor foi fazer um dia “A Praça” e chegou pra mim: “É com você que eu quero falar. Puxa, tem uma frase sua que eu uso na minha vida”. A frase que ele se referia era uma que eu usava muito na televisão: “O negro se quiser vencer, se ele quiser ser cardeal ele tem que saber mais que cinco papas juntos”. Porque assim não tem nada que consiga atrapalhar ele. O mínimo que podem fazer é deixar ele como cardeal, porque ele já tem conhecimento pra ser papa. Então, se você quiser vencer você tem que saber mais, muito mais que os seus colegas. Dez vezes mais que qualquer pessoa você sendo negro pra você vencer na vida e isso é verdade.

Z- O senhor já sofreu preconceito racial?

C- Nunca sofri porque eu sempre procurei aprender. Eu procurei aprender inglês, procurei aprender espanhol, francês, italiano, até japonês. Tudo que eu vi de bom na vida eu procurei aprender e fazer. Eu chegava no Hospital das Clínicas e por telefone eu internava a pessoa lá porque eu fazia inúmeras campanhas pro hospital. Eu montei peças, paguei, escrevi, ensaiei e contratei elenco dentro do Hospital das Clínicas. Chegava época de Natal, eu entrava de manhã e saia de lá dez, onze horas da manhã de enfermaria em enfermaria. Lá na Santa Casa, na Casa André Luiz em todos os cantos. Isso eu aprendi com Manuel de Nóbrega. Escrever, produzir, dirigir tudo isso eu aprendi com ele.

Z- Campanha beneficente ele fazia também?

C- Fazia. Era uma das maiores coisas que ele fazia. Alguém chegava: “Fulano de tal está doente. Ele quer ver vocês”. Ele levava a gente pra casa do cara, a gente chegava lá e a pessoa não acreditava. Isso é coisa que você podendo fazer, você faz. Um dia eu estava no restaurante da Globo e um paraplégico gordo me falou: “Neguinho vem cá!”. Eu cheguei e ele me falou: “Eu sou professor da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro graças a você. Você se lembra o que você disse na campanha Faça Um Ser Humano Sorrir você disse: “O ser humano é a cabeça. O resto é pra obedecer o que a cabeça faz. Se você pensa e vê você vence na vida se você quiser. É só você se preparar pra isso”. Ele paraplégico o que podia fazer? Estudar desenho. Estudou desenho e se tornou professor de Belas Artes. Você escuta uma coisa dessas e você imagina o que você fez. Isso não conta pra outra coisa além da sua semente pra saber o que o ser humano é capaz e o que ele pode fazer.

Z- Poxa, o senhor foi entrevistado pelo Silveira Sampaio.

C- Eu ouvi do Silveira Sampaio: “Foi a melhor entrevista que eu fiz”. Assim como eu ouvi do Francisco Alves: “Você canta muito bem moleque”. Francisco Alves, o rei da voz disse pra mim que eu cantava muito bem. O Tim Maia na abertura de “Jerônimo, o Rei do Sertão” me falou: “Você tem que cantar cara. Você não pode estar representando não, tem que estar com a gente”. Eu estava na Tupi e a novela estava a cinco semanas em primeiro lugar na Globo. Então, desculpe mas essa é uma glória. Uma das vezes eu fui na Globo e fui entrevistado no programa “Parada do Sucesso”, o assistente falou pra um cara: “Você volta amanhã que nós não temos como tocar o seu disco hoje”. Você sabe quem era essa pessoa que ele falou isso? O nome dele era Orlando Silva. Eu parei e falei: “Você está falando pro professor Orlando Silva que não deu pra lançar o long-play dele hoje porque não deu tempo?”. O assistente falou que era pra eu não me meter. Mas eu respondi na lata pra ele: “Eu me meto sim cara. Eu estou vendo que isso aqui é um exemplo do que é a vida. Você está dizendo pro cantor das multidões que ele não pode lançar o disco dele porque a minha entrevista foi cumprida? Isso vai acontecer amanhã comigo”. A gente tem que estar preparado pra esse tipo de coisa. Eu não estou dizendo que está errado, estou vivendo essa situação. O Orlando Silva foi o cantor que foi mais aclamado que você possa imaginar. Não tem Cauby Peixoto, ninguém. Quando não existia fã-clube, onde ele chegava o Brasil parava. Como os auditórios eram pequenos, as ruas ficavam cheias de gente pra ouvir ele cantar no gogó. O mundo cabia nos pés dele. Isso é a arte de representar. Todo mundo tem que saber que você chega, vai lá, estoura, faz sucesso e depois dá lugar pra outro. Não é que você caí, você passa, outro chega. Aquela cadeira é uma cadeira permanente mas não pra quem senta. Permanente pro lugar onde ela está. Tem sempre alguém novo pra sentar naquela cadeira. Na minha estrada, eu vi muitas pessoas passarem e sumirem, passarem e sumir. Não tem tanto valor você fazer sucesso. Tem valor você manter o sucesso. É fácil você ficar famoso, difícil é você manter a fama. Eu agradeço a Deus por ter me dado essa dádiva de atravessar o tempo ouvindo pessoas.



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