Dossiê José Mojica Marins
Entrevista com Samuel Casal e Adriana Brunstein
Por Gabriel Carneiro
Dias antes do lançamento de Encarnação do Demônio nos cinemas, a HQ Prontuário 666 – Os anos de cárcere de Zé do Caixão chegou às bancas. Com roteiro de Adriana Brunstein e Samuel Casal, e arte de Casal, o livro tem por objetivo preencher os 40 anos que se passarão na vida – e na história – de Zé do Caixão. Prontuário 666 está aí para isso, para responder o que aconteceu entre Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver e Encarnação do Demônio.
Samuel Casal é ilustrador, gravurista e quadrinhista. Prontuário 666 é seu primeiro álbum solo. Já participou dos álbuns coletivos Front; Ragú; 10 na Área, uma na banheira e ninguém no gol; das revistas ExAbrupto, Sudamerika e especial Contos Bizarros (Superinteressante).
Adriana Brunstein é graduada, mestre e doutora em física e pós-doutora pelo Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. Há quatro anos, abandonou tudo para se dedicar à literatura. Enquanto prepara seu primeiro romance, aguarda a estréia de sua peça, Flores do Asfalto, programada também para esse ano. É roteirista também de curtas e do longa LizVamp.
A entrevista abaixo foi feita por email individualmente, e foi agrupada para facilitar a leitura.
Zingu! - Como surgiu o interesse pelos quadrinhos?
Samuel Casal - Eu leio quadrinhos desde criança como todo mundo. Quando comecei a trabalhar como ilustrador em 1990, experimentei fazer algumas histórias, mas não tive muito sucesso, meu desenho ainda limitava muito as possibilidades. Em 2000, através da internet, tive contato com outros artistas que faziam HQ, meu desenho tinha melhorado e resolvi tentar de novo. Desde então não parei mais, mas sempre foram histórias mais curtas de no máximo 20 páginas, em álbuns coletivos. Prontuário 666 é meu primeiro álbum solo e tem 100 páginas de HQ.
Adriana Brunstein - Da infância, lia muitos gibis, mas curiosamente nunca havia pensado em escrever uma HQ. Me aprofundei de fato no assunto devido a esse trabalho.
Z - Qual sua ligação com José Mojica Marins e seu personagem Zé do Caixão?
SC - Eu fiz uma releitura do cartaz do filme Delírios de um Anormal para a capa do DVD, que integra a Coleção Zé do Caixão [da Cinemagia]. Na caixa tem os principais filmes e muito material da obra dele - foi quando conheci mais. Até então eu conhecia só o Zé do Caixão das unhas longas e do CineTrash.
AB - Há alguns anos fui fazer uma oficina com o Mojica porque sempre fui entusiasta do cinema dele. Ele acabou me chamando para fazer alguns trabalhos e hoje somos amigos e colaboradores. Já Zé do Caixão é extremamente machista e sádico, mas admiro a obstinação do personagem.
Z - Como entraram no projeto do Prontuário 666?
AB - O Mojica me apresentou ao Paulo Sacramento, produtor de Encarnação do Demônio e dono da idéia de fazer a HQ. No início era um projeto com vários quadrinhistas e roteiristas, mas ficamos eu e o Samuel Casal.
SC - No começo, o projeto era de um álbum coletivo, com vários autores desenhando contos do Zé do Caixão na prisão. Eu fui o primeiro a ser convidado e recebi o último conto do projeto. No decorrer do processo, o Paulo Sacramento comentou que estava com dificuldade para conseguir outros artistas por conta do prazo curto, foi então que eu fiz a proposta de tocar o álbum sozinho, com participação da Adriana que já tinha escrito alguns argumentos, inclusive o do conto que eu desenharia.
Z - O Mojica foi consultor ou assessorou de alguma maneira a composição da história?
AB - Não, ele não participou diretamente do processo, mas sabíamos de elementos que ele queria que fossem incorporados à história.
SC - Conversamos um pouco por telefone durante o processo, mas foi mais sobre as expectativas do álbum. Quem realmente me assessorava era o Paulo Sacramento e a Adriana, que são conhecedores de longa data do personagem.
Z – Samuel, quais as suas influências ao desenhar? E ao desenhar o Zé do Caixão?
SC - Eu não tenho muitas influências específicas. Gosto dos trabalhos em preto e branco, do estilo expressionista alemão e de gravuras. Busco desenhar de forma natural, mesmo usando uma máquina como o computador, e procuro sempre manter uma identidade no trabalho. Desenhar o Zé do Caixão foi ótimo, as características estéticas do personagem foram um dos motivos que me levaram a aceitar desenhar o álbum todo em apenas dois meses. Ele é muito gráfico e combinava com o meu jeito rápido de desenhar.
Z - Porque o uso do preto e do branco somente?
SC - Eu pessoalmente gosto muito de HQ em preto e branco. É um desafio para o desenhista abrir mão da cor que pode resolver de forma mais fácil alguns desenhos. No preto e branco é preciso buscar soluções com menos recursos e isso obriga o artista a se superar. O clima do P&B também tinha tudo a ver com o Zé do Caixão.
Z - Percebe-se o uso de muitas formas. Você teve algum objetivo específico?
SC - O objetivo é sempre manter a narrativa atraente para o leitor.
Z - Qual o objetivo em esconder o rosto e a aparência do Zé do Caixão com sombras?
SC - É um conto de terror e suspense. Acho que tudo aparecendo o tempo todo não ajudaria muito em criar as sensações necessárias para funcionar como tal.
Z – Adriana, o que te levou a largar a ciência?
AB - Trabalhei muitos anos com ciência, primeiro com física e depois com genética. A ciência sempre foi e continua sendo uma paixão, mas a literatura sempre esteve latente, escrevo há muito tempo, achei que era a hora de me dedicar exclusivamente a ela. Mas a ciência ainda está fortemente presente nos meus textos e referências.
Z - Porque focar em um ano dentro da prisão?
SC - Porque, como você deve ter visto no livro, 1988 foi um ano bem intenso para o Zé do Caixão na cadeia.
AB - Na verdade são 40 anos entre prisão e manicômio penitenciário. No final oficial de Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver, Zé do Caixão, na versão imposta pela censura da época, aceita a cruz e afunda no pântano. Em Encarnação do Demônio, uma nova versão é apresentada, e nessa Zé, que na verdade não se rende à cruz, é levado pela polícia. É quando entra a HQ para contar esses anos de cárcere. O Zé escreve um diário na cadeia, e nós pegamos uma das "folhas" do diário, que começa com "mais um dia de...", ou seja, fica subentendido que ele já está há um tempo lá. Ele só sai em 2008, com os devidos gaps de tempo. Também tinha a dificuldade de envelhecer o Zé com o traço do Samuel, por isso ficou assim
Z - Ao escreverem a história, o que objetivavam?
AB - Existe um gap na trilogia do Zé do Caixão, iniciada com À meia-noite levarei sua alma (1964) e seguida por Esta noite encarnarei no seu cadáver (1966). O terceiro e último episódio, Encarnação do Demônio, foi produzido somente agora, 40 anos depois. O objetivo da HQ foi descrever o que aconteceu nesses 40 anos.
SC - Para mim o principal era contar uma boa história, sem que nem eu, nem o Zé do Caixão perdêssemos nossas características pessoais. Era importante para mim não apenas "servir" o personagem com minha arte, e sim contar uma história do Zé do Caixão do jeito do Samuel Casal. Foi por isso que desde o início eu quis participar no roteiro.
Z - Quais foram as dificuldades em transpor o personagem para os quadrinhos?
SC - Poucas, como eu já disse o personagem é visualmente riquíssimo, com sua capa, unhas e cartola. Meu grande adversário no projeto foi o prazo.
AB - Poucas. Zé é um personagem bastante gráfico e de falas certeiras, a maior dificuldade foi explicar sua história para quem não conhece o personagem sem sermos didáticos.
Entrevista com Samuel Casal e Adriana Brunstein
Por Gabriel Carneiro
Dias antes do lançamento de Encarnação do Demônio nos cinemas, a HQ Prontuário 666 – Os anos de cárcere de Zé do Caixão chegou às bancas. Com roteiro de Adriana Brunstein e Samuel Casal, e arte de Casal, o livro tem por objetivo preencher os 40 anos que se passarão na vida – e na história – de Zé do Caixão. Prontuário 666 está aí para isso, para responder o que aconteceu entre Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver e Encarnação do Demônio.
Samuel Casal é ilustrador, gravurista e quadrinhista. Prontuário 666 é seu primeiro álbum solo. Já participou dos álbuns coletivos Front; Ragú; 10 na Área, uma na banheira e ninguém no gol; das revistas ExAbrupto, Sudamerika e especial Contos Bizarros (Superinteressante).
Adriana Brunstein é graduada, mestre e doutora em física e pós-doutora pelo Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. Há quatro anos, abandonou tudo para se dedicar à literatura. Enquanto prepara seu primeiro romance, aguarda a estréia de sua peça, Flores do Asfalto, programada também para esse ano. É roteirista também de curtas e do longa LizVamp.
A entrevista abaixo foi feita por email individualmente, e foi agrupada para facilitar a leitura.
Zingu! - Como surgiu o interesse pelos quadrinhos?
Samuel Casal - Eu leio quadrinhos desde criança como todo mundo. Quando comecei a trabalhar como ilustrador em 1990, experimentei fazer algumas histórias, mas não tive muito sucesso, meu desenho ainda limitava muito as possibilidades. Em 2000, através da internet, tive contato com outros artistas que faziam HQ, meu desenho tinha melhorado e resolvi tentar de novo. Desde então não parei mais, mas sempre foram histórias mais curtas de no máximo 20 páginas, em álbuns coletivos. Prontuário 666 é meu primeiro álbum solo e tem 100 páginas de HQ.
Adriana Brunstein - Da infância, lia muitos gibis, mas curiosamente nunca havia pensado em escrever uma HQ. Me aprofundei de fato no assunto devido a esse trabalho.
Z - Qual sua ligação com José Mojica Marins e seu personagem Zé do Caixão?
SC - Eu fiz uma releitura do cartaz do filme Delírios de um Anormal para a capa do DVD, que integra a Coleção Zé do Caixão [da Cinemagia]. Na caixa tem os principais filmes e muito material da obra dele - foi quando conheci mais. Até então eu conhecia só o Zé do Caixão das unhas longas e do CineTrash.
AB - Há alguns anos fui fazer uma oficina com o Mojica porque sempre fui entusiasta do cinema dele. Ele acabou me chamando para fazer alguns trabalhos e hoje somos amigos e colaboradores. Já Zé do Caixão é extremamente machista e sádico, mas admiro a obstinação do personagem.
Z - Como entraram no projeto do Prontuário 666?
AB - O Mojica me apresentou ao Paulo Sacramento, produtor de Encarnação do Demônio e dono da idéia de fazer a HQ. No início era um projeto com vários quadrinhistas e roteiristas, mas ficamos eu e o Samuel Casal.
SC - No começo, o projeto era de um álbum coletivo, com vários autores desenhando contos do Zé do Caixão na prisão. Eu fui o primeiro a ser convidado e recebi o último conto do projeto. No decorrer do processo, o Paulo Sacramento comentou que estava com dificuldade para conseguir outros artistas por conta do prazo curto, foi então que eu fiz a proposta de tocar o álbum sozinho, com participação da Adriana que já tinha escrito alguns argumentos, inclusive o do conto que eu desenharia.
Z - O Mojica foi consultor ou assessorou de alguma maneira a composição da história?
AB - Não, ele não participou diretamente do processo, mas sabíamos de elementos que ele queria que fossem incorporados à história.
SC - Conversamos um pouco por telefone durante o processo, mas foi mais sobre as expectativas do álbum. Quem realmente me assessorava era o Paulo Sacramento e a Adriana, que são conhecedores de longa data do personagem.
Z – Samuel, quais as suas influências ao desenhar? E ao desenhar o Zé do Caixão?
SC - Eu não tenho muitas influências específicas. Gosto dos trabalhos em preto e branco, do estilo expressionista alemão e de gravuras. Busco desenhar de forma natural, mesmo usando uma máquina como o computador, e procuro sempre manter uma identidade no trabalho. Desenhar o Zé do Caixão foi ótimo, as características estéticas do personagem foram um dos motivos que me levaram a aceitar desenhar o álbum todo em apenas dois meses. Ele é muito gráfico e combinava com o meu jeito rápido de desenhar.
Z - Porque o uso do preto e do branco somente?
SC - Eu pessoalmente gosto muito de HQ em preto e branco. É um desafio para o desenhista abrir mão da cor que pode resolver de forma mais fácil alguns desenhos. No preto e branco é preciso buscar soluções com menos recursos e isso obriga o artista a se superar. O clima do P&B também tinha tudo a ver com o Zé do Caixão.
Z - Percebe-se o uso de muitas formas. Você teve algum objetivo específico?
SC - O objetivo é sempre manter a narrativa atraente para o leitor.
Z - Qual o objetivo em esconder o rosto e a aparência do Zé do Caixão com sombras?
SC - É um conto de terror e suspense. Acho que tudo aparecendo o tempo todo não ajudaria muito em criar as sensações necessárias para funcionar como tal.
Z – Adriana, o que te levou a largar a ciência?
AB - Trabalhei muitos anos com ciência, primeiro com física e depois com genética. A ciência sempre foi e continua sendo uma paixão, mas a literatura sempre esteve latente, escrevo há muito tempo, achei que era a hora de me dedicar exclusivamente a ela. Mas a ciência ainda está fortemente presente nos meus textos e referências.
Z - Porque focar em um ano dentro da prisão?
SC - Porque, como você deve ter visto no livro, 1988 foi um ano bem intenso para o Zé do Caixão na cadeia.
AB - Na verdade são 40 anos entre prisão e manicômio penitenciário. No final oficial de Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver, Zé do Caixão, na versão imposta pela censura da época, aceita a cruz e afunda no pântano. Em Encarnação do Demônio, uma nova versão é apresentada, e nessa Zé, que na verdade não se rende à cruz, é levado pela polícia. É quando entra a HQ para contar esses anos de cárcere. O Zé escreve um diário na cadeia, e nós pegamos uma das "folhas" do diário, que começa com "mais um dia de...", ou seja, fica subentendido que ele já está há um tempo lá. Ele só sai em 2008, com os devidos gaps de tempo. Também tinha a dificuldade de envelhecer o Zé com o traço do Samuel, por isso ficou assim
Z - Ao escreverem a história, o que objetivavam?
AB - Existe um gap na trilogia do Zé do Caixão, iniciada com À meia-noite levarei sua alma (1964) e seguida por Esta noite encarnarei no seu cadáver (1966). O terceiro e último episódio, Encarnação do Demônio, foi produzido somente agora, 40 anos depois. O objetivo da HQ foi descrever o que aconteceu nesses 40 anos.
SC - Para mim o principal era contar uma boa história, sem que nem eu, nem o Zé do Caixão perdêssemos nossas características pessoais. Era importante para mim não apenas "servir" o personagem com minha arte, e sim contar uma história do Zé do Caixão do jeito do Samuel Casal. Foi por isso que desde o início eu quis participar no roteiro.
Z - Quais foram as dificuldades em transpor o personagem para os quadrinhos?
SC - Poucas, como eu já disse o personagem é visualmente riquíssimo, com sua capa, unhas e cartola. Meu grande adversário no projeto foi o prazo.
AB - Poucas. Zé é um personagem bastante gráfico e de falas certeiras, a maior dificuldade foi explicar sua história para quem não conhece o personagem sem sermos didáticos.
