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Dossiê José Mojica Marins

Entrevista com Dennison Ramalho

Por Gabriel Carneiro

Em entrevista exclusiva feita por e-mail, o cineasta e roteirista Dennison Ramalho conta um pouco do processo de confecção do roteiro de Encarnação do Demônio, feito em parceria com o diretor do longa, José Mojica Marins. Além do cargo de co-roteirista, Dennison é assistente de direção do filme, e mantém o blog Encarnação do Demônio, falando um pouco da produção.

Dennison, 34, é um dos curta-metragistas mais conceituados da atualidade. Seu primeiro filme, de 1998, é Nocturnu, ganhou os prêmios Melhor Curta 16mm e Melhor Diretor no Festival de Cinema de Gramado. Em 2003, com Amor Só de Mãe, consagrou-se de vez. Para José Mojica Marins, Dennison é um fiel seguidor, e está quase pronto para fazer longa. Mais um curta e estará pronto.

Zingu! - Em qual momento, você teve um primeiro contato com José Mojica Marins?

Dennison Ramalho - Em 1995. Eu morava em Porto Alegre e queria conseguir os filmes dele. Descobri o endereço do estúdio dele no bairro do Ipiranga e fui conhecê-lo. Após minha mudança para São Paulo em 2000, pudemos nos aproximar e iniciar nossa parceria.

Z - O que você pensa da personagem Zé do Caixão? Sobre o caráter, personalidade, construção fílmica...

DR - É um personagem de horror clássico, moldado com cores brasileiras - meio Dr. Jekyll, meio Exu-Tranca-Rua. Gosto do caráter niilista e herético do Zé. Quanto à construção fílmica, acho o Mojica o diretor mais guerrilheiro e dinâmico que já vi em ação - e essa vibração transparece na tela de forma intensa e afiada!

Z - Como surgiu a idéia de realizar um filme com Mojica, que deu no Encarnação do Demônio?

DR - Em 2001, eu e o produtor Paulo Sacramento - também montador de Encarnação - propusemos uma parceria criativa ao Mojica. Ele queria fazer Encarnação do Demônio com um ator jovem interpretando o Zé do Caixão. Nós batemos o pé: ninguém além do Mojica pode fazer esse papel! Assim, eu reescrevi e contextualizei todo o roteiro para os dias de hoje, com um Zé do Caixão envelhecido, mas irado.

Z - O que foi aproveitado do material original?

DR - Muita coisa e quase nada: tudo foi reescrito, repensado, re-moldado, mas as idéias originais ainda respiram ali. A seqüência do purgatório permaneceu em todas as versões, com menos modificações.

Z - Quais foram as dificuldades em atualizar a história de Zé do Caixão?

DR - Tentar fazer um filme que dialogasse com a contemporaneidade, com o panorama mundial do cinema de horror, sem perder a essência brejeira e brasileira do personagem e dos outros dois filmes que compõem a trilogia.

Z - O que é seu e o que é de Mojica no roteiro?

DR - Ah, meu, isso é segredo! Na real, não tem meu e dele... sempre foi um trabalho a quatro mãos.

Z - O Mojica disse que na primeira versão em que você fez do roteiro, o Zé do Caixão voava e tinha superpoderes, parecendo um herói de histórias em quadrinhos. Isso procede?

DR - O Mojica viajou. Não tinha nada disso, não. A única diferença é que o Zé era um personagem mais messiânico na primeira versão do roteiro, e comandava uma horda de assassinos miseráveis.

Z - O que foi deixado de lado ao longo dos nove versões? E o que sempre foi mantido?


DR - Ah, algumas coisas. Poucas. Na real, não é legal falar de um filme que não aconteceu...

Z - Por que a dualidade sagrado/profano, tão intensa nos dois primeiros filmes da trilogia, é deixado um pouco em segundo plano?


DR - Nossa! Você acha isso? Acho que em Encarnação do Demônio isso é mais forte do que nunca! Zé confronta diversas dimensões da fé - da loucura do Padre Eugênio (interpretado pelo Milhem Cortaz) à feitiçaria popular (personificada nas bruxas Cabíria e Lucrécia). Se ficou de lado, nossa intenção era completamente o oposto disso.

Z - Muito se têm dito sobre o filme trazer um quê de O Albergue e de Jogos Mortais, mesmo que Zé do Caixão já trouxesse uma violência muito transgressora. O que você acha disso? De fato, esses filmes americanos e japoneses de terror recente tiveram influência na concepção do projeto de atualização?

DR - Não. O Mojica é quem teve influência sobre esses caras. Quem duvida precisa assistir a O Estranho Mundo de Zé do Caixão, filme do Mojica feito em 1968 e que dava uma aula pra esses caras do Jogos Mortais e d’O Albergue. O Mojica é um bastião da violência transgressora no cinema, e não um seguidor de moda alguma. Ele já fazia o que esses novos diretores fazem hoje, há quase 40 anos, com níveis de brutalidade inaceitáveis para a época e para a situação política do Brasil.



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